Bandeira do Irã sobre um fundo verde e laranja, com a logo da Politize! ao lado.
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Irã: tudo o que você precisa saber

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Este texto foi atualizado em 22 de abril de 2024.

Você certamente já ouviu falar do Irã nos noticiários. Talvez, acusações de ataques contra navios próximos a seu território ou instalações petrolíferas da Arábia Saudita; talvez, algo sobre seu  programa nuclear ou as sanções dos EUA ou ainda, sobre o assassinato do general Qasem Soleimani pelos EUA. E com toda certeza você viu notícias sobre um conflito iminente entre Irã e Israel.

De toda forma, o ponto é o mesmo: o Irã está aparecendo cada vez mais nos jornais. Por isso, neste post, vamos te explicar de forma resumida uma série de elementos que conformam esse complexo contexto.

O Irã no Oriente Médio:  onde fica, quem é e quem foi?

Mapa mostrando países no norte da África, Oriente Médio e Ásia Central.
Fonte: CHEREM (2019), segundo as definições de Mehdi Parvizi Amineh.

Como podemos ver no mapa acima, a República Islâmica do Irã faz fronteira com Iraque, Turquia, Azerbaijão, Turcomenistão, Afeganistão e Paquistão, e possui ligações com o Mar Cáspio (ao Norte) e o Mar Arábico (ao Sul). As águas que contornam o sudoeste, também são conhecidas como Golfo Pérsico e banham também a Arábia Saudita, Kuwait, Bahrein, Qatar e Emirados Árabes Unidos. Ao sudeste, sua aproximação com Omã se dá pelo Golfo de Omã. É um país majoritariamente xiita (dentro da Religião Islâmica) e com uma economia fortemente sancionada e dependente do petróleo.

O Irã é um dos poucos  países não-árabes da região. Por conta disso, seu distanciamento linguístico, político e religioso com seus vizinhos acaba se tornando muito mais perceptível. O mapa abaixo representa bem esse distanciamento étnico: em amarelo, as regiões tradicionalmente árabes e em laranja, os povos de origem persa (os iranianos).  

Mapa do oriente médio, mostrando, em diferentes cores, a diversidade étnica na região, com destaque para a os Árabes (Egito, Iêmen, Omã, EAU, Iraque, Jordânia, Síria) e Persas (Irã).
Fonte: The Golf/2000 Project. School of International and Public Affairs da Universidade de Columbia.

No mapa, percebe-se também que as fronteiras não necessariamente se correlacionam com as divisões étnicas,, levando a situações delicadas, como a concentração dos Curdos (em bordô, na Turquia e ao norte do Iraque e da Síria), hoje a maior nação sem território no mundo; o estabelecimento de Israel em território anteriormente ocupado pelos palestinos (em rosa), os Balúchis no sudeste do Irã (em cinza),  a grande diversidade de povos no Afeganistão, entre outros, contribuindo para a ebulição de conflitos, guerras civis e a instabilidade de certos Estados na região.

Irã na antiguidade

O país que hoje conhecemos como República Islâmica do Irã data de aproximadamente 550 A.C. (com o estabelecimento do Império Aquemênida, até 300 E.C.) e foi conhecido, na maior parte de sua história, como Pérsia.

O reino persa dominou boa parte do Oriente Médio e, por isso, ficou conhecido como o primeiro hegemon da história. Os traços da sua influência para além de suas fronteiras ficaram conhecidos como Persianatos (sendo o maior exemplo, o Taj Mahal). Outro ponto importantíssimo na história foi a oficialização do xiismo como religião nacional, pelos Safávidas (uma dinastia xiita formada por azeris e curdos) no século XVI.

Dinastia do Xá (1925-1979)

Entre 1925 e 1979, o país esteve sob a Dinastia do Xá – um reinado da família Pahlevi, que passou do pai Reza Xá para seu filho Mohammed Reza Xá.

Com um golpe de Estado em 1925, o comandante militar Reza Pahlevi Khan (que futuramente mudaria seu nome para Reza Xá) derrotou a ocupação britânica e mudou o rumo daquele lugar. Dentre os principais elementos sócio-políticos daquele momento estavam:

  • Aproximação e alinhamento com o Ocidente (em especial, com os EUA), social, cultural e politicamente;
  • Perda (intencional) da identidade persa, com a oficialização do nome Irã em 1935;
  • Uma forte modernização secularizada – um Estado sem fortes características religiosas;
  • Ampliação dos direitos das mulheres e início de uma cultura mais libertária, com a abolição da obrigatoriedade do xador

A Revolução Iraniana (1979)

Irã - revolução iraniana
Manifestantes carregam foto do aiatolá Khomeini, durante a Revolução Iraniana de 1979. Imagem: AP Photo.

Após décadas de regime, os índices de desemprego e pobreza do país começaram a subir, assim como o descontentamento popular. Em 1979, o líder religioso Aiatolá Khomeini liderou um golpe de Estado, agora religioso e conservador, com o apoio da maior parte da população. Nesse momento, destacavam-se:

  • Retomada das raízes religiosas e ideológicas (conforme consta na primeira página da Constituição da República Islâmica do Irã, de 1979: a característica definitiva desta revolução foi sua natureza ideológica e islâmica);
  • Afastamento brusco do Ocidente, em especial aos EUA (na pág. 32 da mesma Constituição, destaca-se: “A política externa da República Islâmica do Irã baseia-se na rejeição de qualquer tipo de dominação, tanto do exercício quanto da submissão a ela; (…) a defesa dos direitos de todos os muçulmanos; desalinhamento em relação aos poderes dominadores; relações pacíficas mútuas com Estados não agressivos)”;
  • Completa alteração no sistema político do país, agora com maior abertura democrática – finalmente, a voz do povo seria ouvida e representada;
  • A oficialização de um Líder Religioso Supremo, tornando o país uma República Teocrática Islâmica.

Século XXI: Da Primavera Árabe aos protestos de 2018

Em 2011, boa parte do Oriente Médio passou pela Primavera Árabe – uma série de revoltas populares com a intenção de destronar estadistas que estavam no poder há décadas de forma tirânica e não-democrática. Nesse momento, contudo, poucas foram as manifestações da população iraniana. 

O papel do país nesse momento ficou por conta do escalonamento da Guerra Fria com a Arábia Saudita, na qual disputavam poder e influência regional por meios indiretos – as chamadas guerras proxy, onde atores externos (governos, grupos de milícia, organizações, etc.) apoiam lados opostos em conflitos paralelos nos países vizinhos, sem neles interferir diretamente (apenas via financiamentos, apoio e treinamento militar, disposição de armamentos, etc.).

Entre 2011 e 2015, o Irã se viu coagido pelo Sistema Internacional a submeter seu Programa Nuclear ao crivo do Conselho de Segurança da ONU: o programa gera controvérsias internacionalmente devido à suspeita, especialmente estadunidense, de que o país esteja desenvolvendo tecnologia nuclear militar. O governo nega quaisquer acusações e alega que o programa tem fins científicos e de produção energética (CHEREM, 2019).

Em 2015, após anos de debates e sanções, o Irã e o P5 + 1 (os cinco países membros do Conselho de Segurança da ONU + a Alemanha) assinaram um Acordo Nuclear, que garantia a drástica diminuição do programa nuclear iraniano em troca do levantamento das sanções internacionais. Aqui, vale destacar a atuação do presidente Hassan Rouhani, eleito pelos iranianos em 2013, que em dois anos de mandato conseguiu finalizar o acordo.

Contudo, diversos fatores ajudaram a difamar a imagem do Irã a partir desse momento, como:

  • A ascensão de Donald Trump ao poder nos EUA (que desde 2017 já indicava a aversão do presidente contra o Estado de Rouhani, como percebe-se aqui, aqui e aqui);
  • O crescimento da indústria de energia nuclear na Arábia Saudita (onde, novamente, há um grande interesse por parte dos EUA, aliado nacional da opositora iraniana);
  • E o envolvimento do País em conflitos pelo Oriente Médio (por conta da Guerra Fria regional contra a Arábia Saudita).

Talvez desde a década de 1980, o afastamento do Estado persa com os EUA tenha provado agora suas piores consequências: é aqui onde é construída uma imagem internacional de um Irã “vilão” e “terrorista nuclear” no século XXI (ainda que a Arábia Saudita esteja apontando para a exata mesma direção com seu programa nuclear, com o apoio do Congresso e Senado estadunidenses).

Em 2017 e 2018, as sanções econômicas internacionais rapidamente alcançaram os bolsos da população iraniana que, indignada, foi às ruas protestar contra o aumento nos preços, o desemprego, a desigualdade econômica  e a repressão política.

Todas as reivindicações socioeconômicas, no entanto, giravam em torno de um grande elemento: com a atenção de Rouhani voltada para a política externa, as questões nacionais acabaram ficando em “segundo plano”, transformando todos os cenários do país (interna e externamente) em grande bola de neve de políticas falhas e descontentamentos.

O Irã em 2019

Fotografia do presidente do Irã.
Hassan Rouhani, Presidente do Irã. Imagem: REUTERS.

Muitos são os elementos que marcaram o último ano na história iraniana. Os destaques, contudo, seguem para sua imagem no cenário internacional, como seu papel nas indústrias petrolífera e nuclear, a Guerra Fria regional com a Arábia Saudita (e suas repercussões na região) e as acusações de ataques contra vizinhos regionais.

O petróleo na economia iraniana

A economia do Irã é baseada majoritariamente na indústria do Petróleo (da extração ao refino). Então, apesar dos desentendimentos internacionais, é importante para o Sistema Internacional que o Estado permaneça politicamente estável e comercialmente aberto, com disposição para negociar seu produto com o mundo – ou, pelo menos, até que o Ocidente encontre outro parceiro comercial mais atrativo na região.

Vale lembrar que na Guerra Fria regional, Irã e Arábia Saudita disputam também a supremacia na produção energética, em especial na chamada geopolítica do petróleo. Nessa temática, ambos países disputam questões como são explorados elementos como maior produção de petróleo, maior exportação regional, maiores descobertas de novas fontes energéticas, maior programa nuclear de uso civil, maiores acordos internacionais para a exploração dessas fontes, etc.

As sanções econômicas EUA-Irã e sua relação direta com a indústria petrolífera

Em agosto de 2018, o governo dos EUA impôs novas sanções econômicas ao Irã, predominantemente voltadas para os setores de energia, bancário e marítimo do país. Nessa época, a administração Trump já havia se retirado formalmente do Acordo Nuclear.

Como as exportações de petróleo de Teerã representam mais da metade de suas receitas externas, o impacto negativo das condenações internacionais não afeta apenas uma parte da indústria, mas sim, toda a economia nacional do país. As sanções enfraqueceram a moeda local do Irã e fizeram crescer a inflação no país. Essa desestabilização da economia iraniana fica visível neste seguinte fragmento do discurso do Departamento de Defesa estadunidense (abril/2019):

Ainda em junho de 2019, os brasileiros ficaram um pouco mais próximos de toda essa disputa, quando navios iranianos ficaram parados no Porto de Paranaguá (Paraná) e em Imbituba (Santa Catarina). A razão foi a mesma, apenas em outro CEP: os cargueiros sofreram sanções dos EUA, o que levou empresas brasileiras a hesitarem em reabastecer os navios iranianos, temendo sofrer retaliações.

Acusações internacionais sobre os ataques iranianos

Contudo, todas essas “idas e vindas” e ataques econômicos contra o Irã, advindos especialmente do Ocidente, não necessariamente são infundados. Ainda que o presidente Rouhani sempre negue as acusações, em 2019, diversos ataques que aconteceram pela região têm indícios de terem sido originados do Estado iraniano.

Enquanto seguem os debates sobre a validade das provas apresentadas em cada um dos casos contra o Irã, o ator segue tendo sua imagem internacionalmente manchada – uma vez que apenas as acusações já são suficientes para o julgamento e o crivo da mídia internacional.

A Guerra Fria Irã-Arábia Saudita e as percepções regionais

Um terceiro ponto que se deve elencar com a mesma importância que os outros dois elementos acima, é a Guerra Fria regional que o Irã e a Arábia Saudita travam há anos – e que se vê fortemente escalonada desde a Primavera Árabe de 2011, quando boa parte dos países do Oriente Médio ficaram politicamente instáveis e socioeconomicamente desestabilizados.

Enquanto a Arábia Saudita apoia majoritariamente governos de Estados da região (Egito, Emirados Árabes Unidos, Bahrein, Líbia (em Tobruque) e Jordânia), o Irã alinha-se àqueles atores como milícias e grupos rebeldes antigoverno, que são contra a ordem vigente (o famoso status quo):

  • Os governos do Iraque (maior vizinho e aliado xiita na região) e do Líbano (ainda que em 2018-19, as relações entre os governos libanês e iraniano encontrem-se em estado sensível);
  • E os grupos Hezbollah (Líbano) e Hamas (Palestina), os Houthis (Iêmen) e os Curdos (em território iraquiano).

Assim, torna-se visível que a aproximação do Estado saudita com os EUA e o Ocidente facilita as alianças política, econômica e militar, uma vez que o Reino não possui intenções de alterar a balança e o Sistema no Oriente Médio.

Enquanto, por outro lado, a visão iraniana de rompimento com esse mesmo Sistema, aumenta a intensidade dos holofotes que recaem sobre o país a cada passo que dá (como em seu Programa Nuclear) e por cada incidente que ocorre na região (ainda que nem sempre com provas de sua autoria). 

Irã versus Israel

Em 13 de abril, o Irã lançou um ataque massivo contra Israel, consistindo de cerca de 170 drones, 120 mísseis balísticos e 30 mísseis de cruzeiro. Apesar de Israel e Irã estarem em conflito há bastante tempo, esse ataque não tem precedentes. Isso porque, até então, Israel e Irã enfrentavam-se indiretamente. 

O Irã lidera uma aliança informal denominada ‘Eixo da Resistência’, que se opõe à Arábia Saudita e a Israel, ambos vistos pelo Irã como inimigos – apesar de, recentemente, as relações com a Arábia Saudita terem se estabilizado.  O ‘Eixo da Resistência’ é composto de proxies do Irã. Esses proxies são grupos com certo grau de autonomia e objetivos próprios, mas que possuem afinidade ideológica ou interesses em comum com o Irã e são parcialmente financiados por ele. 

Entre esses grupos, destacam-se os Houthis (Iêmen), o Hezbollah (Líbano), o governo de Bashar al-Assad (Síria), outras organizações xiitas variadas (Iraque) e a organização Sunita Hamas (Palestina). 

Em 7 de outubro de 2023, o Hamas fez uma invasão surpresa contra Israel, matando cerca de 1200 pessoas e sequestrando cerca de 240. Em resposta, Israel iniciou uma campanha militar contra a Faixa de Gaza, assassinando mais de 34 mil pessoas, incluindo 13800 crianças e 8400 mulheres, além de cerca de 77 mil feridos, 8000 desaparecidos, e a destruição de hospitais, moradias, escolas e fontes de água potável.

Israel acusou o Irã de estar por trás do ataque do Hamas, o que o Irã negou. Mesmo assim, em 1º de abril de 2024, Israel violou o espaço aéro da Síria e bombardeou o consulado iraniano em Damasco, matando Mohammad Reza Zahedi, Comandante de alta patente da Guarda Revolucionária do Irã, além de seis outras pessoas.

Contudo, de acordo com as Convenções de Viena sobre Relações Diplomáticas e sobre Relações Consulares (1961 e 1963), representações diplomáticas e consulares são invioláveis, e atacá-las, por qualquer razão, consiste em atentar contra um dos princípios mais fundamentais do direito internacional. Baseado nesse argumento, o Irã sentiu-se forçado a responder.

E foi com esse argumento, que o Irã lançou, pela primeira vez, um ataque direto contra Israel partindo do solo iraniano. Apesar disso, as Forças de Defesa de Israel (FDI) relataram que 99% dos projéteis iranianos foram interceptados pelas defesas do país em conjunto com Estados Unidos, Reino Unido, França, Arábia Saudita e Jordânia. Essa situação elevou as tensões aos maiores níveis dos últimos anos, gerando medo de uma escalada levando a uma guerra direta entre Israel e Irã. Por isso, a comunidade internacional, incluindo os EUA, pressionou Israel para não retaliar.

Mesmo assim, Israel retaliou. Até o momento, parece que a escala da resposta israelense foi limitada, e a narrativa iraniana – sugerindo que o ataque foi interceptado, apesar de o Irã não ter capacidade de fazer isso com o mesmo sucesso de Israel – sugere que não haverá uma nova retaliação.

Com isso, tudo indica uma volta ao status quo, haja vista que Iran sinalizou claramente que não irá tolerar ataques contra suas representações diplomáticas e Israel demonstrou sua capacidade de defender-se coordenadamente com aliados. Um conflito direto provavelmente levaria à vitória de Israel, muito superior militarmente. 

Contudo, isso teria custos enormes para os dois países e potencialmente para toda a economia internacional, considerando a importância da região para a segurança energética global. Mas a pressão internacional e a avaliação dos dois países de que um conflito direto não interessa a nenhum deles parece ter sido suficiente para estabilizar as tensões, ao menos por enquanto.

Sugestões de mais material para aprofundamento

Quer saber mais sobre o assunto? Confira abaixo algumas sugestões para aprofundamento!

Podcasts em português:

Podcasts em inglês:

Conseguiu entender o papel do Irã na política internacional e a rivalidade entre o país e a Arábia Saudita? Deixe suas dúvidas e sugestões nos comentários!

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Conteúdo escrito por:
Mestranda no Programa de Pós-Graduação em Relações Internacionais pela Universidade Federal de Santa Catarina. Pesquisa e escreve sobre Oriente Médio na busca por ampliar nossas visões de mundo, analisando cenários e contextos tão peculiares e interessantes, mas tão ignorados pelo academicismo ocidental.

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