imagem de coronel, homem branco com roupas chiques do século XIX e uma faixa presidencial

O que foi o caudilhismo na América Latina?

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O caudilhismo era uma forma autoritária e carismática de se fazer política na América Latina que floresceu com o fim das guerras de independência na região.

No Brasil, o fenômeno não foi algo tão evidente. Aqui, o que tivemos foram os coronéis na República dos Oligarcas (1894-1930). O coronel detinha a autoridade política local e possuía perfil autoritário e paternalista.

Já nos outros países da América Latina, o processo de independência não resultou em um império tal como aconteceu com o Brasil. Foram neles que a figura do caudilho se estabeleceu desde as primeiras décadas do século XIX até o início do século XX.

Quer entender mais sobre o caudilhismo e sua relação com os movimentos de independência da América Latina? Então, continue o texto!

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Caudilhismo e as guerras de independência

Há uma estreita relação entre o surgimento do caudilhismo e as guerras de independência na América Latina. Isso porque o caudilhismo sucedeu à administração colonial após a independência nos países latino-americanos.

Mas qual seria a razão do caudilhismo ter assumido o controle desses países recém-independentes? Para entender isso, é importante mostrar o contexto desses países durante os processos de independência.

As guerras de independência

A partir do século XIX, houve a intensificação das lutas pela independência nas colônias espanholas da América Latina. Essas guerras envolveram diversos setores sociais das antigas colônias espanholas, mas uma delas teve maior destaque: os criollos.

Os criollos eram descendentes de espanhóis nascidos na América e compunham parte da elite colonial. Foram eles os que mais obtiveram benefícios com a independência, passando, por exemplo, a dominar a política nos Estados recém independentes.

Um dos principais líderes desse movimento de independência foi Simón Bolívar. Nascido em Caracas (capital da Venezuela), defendia uma República federativa na América de forma que as ex-colônias fossem unificadas sob um único governo.

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Contudo, esse projeto de Simón Bolívar não se concretizou na prática. Ao invés de unificação, formaram-se diversos Estados independentes, cada um com seu próprio governo. Além disso, os criollos e os caudilhos não apoiavam tal unificação. Isso porque a viam como uma forma de pôr fim a dominação regional dos caudilhos e aos benefícios da elite criolla.

Ou seja, percebemos que os países da América Latina passaram do controle da metrópole espanhola ao controle dos caudilhos e dos criollos.

A influência das guerras de independência no caudilhismo

Mas afinal, qual o papel dos caudilhos nesse contexto e a razão pela qual eles alçaram ao poder?

Em geral, o que se pode perceber foi que muitos militares que lutaram nas guerras de independência assumiram a autoridade política das regiões libertadas. Aí está a influência direta das guerras de independência para o surgimento do caudilhismo: foram delas que heróis militares ganharam poder e reconhecimento por parte da população. São esses heróis militares que chamamos de caudilhos.

O que influenciou ainda mais o fortalecimento dos caudilhos foi a estrutura política desses países. Naquela época, eram países que ainda não tinham amadurecimento político a ponto de estabelecer imediatamente depois das guerras de independência um sistema democrático.

Havia um vácuo político existente neles, ou seja, não possuíam um poder central forte e consolidado. Sem isso, as lideranças informais e regionais, como os caudilhos, se fortaleceram.

O caudilhismo e os projetos liberal-constitucionalistas de Estado

As guerras de independência proporcionaram contexto favorável para o fortalecimento do poder dos caudilhos que, de início regional, também alcançaram patamares nacionais.

Diversas outras influências impactaram e até mesmo inspiraram os processos de independência desses países. Exemplos dessas fontes de influência eram o Iluminismo, a Revolução Francesa e a Revolução Americana. A partir dessas influências, tinham-se os projetos liberal e constitucionalista de Estado.

Os caudilhos, por sua vez, não seguiam fielmente esses princípios liberais que permearam as guerras de independência. Na verdade, os caudilhos podem ser vistos como opositores a tais princípios e a unidade política que parte dos independentistas almejavam.

Mesmo assim, a atuação dos caudilhos nessas lutas foi significativa. Os caudilhos exerciam papel fundamental para manutenção da ordem e da estabilidade nas áreas em que controlavam. Eles conseguiram alcançar estratos sociais indispensáveis para as lutas de independência, como os gaúchos na Argentina e os pardos na Venezuela.

Esses estratos sociais eram geralmente vistos pelos liberais independentistas como pessoas rudes do campo que não possuíam nenhum entendimento do processo político que os países latino-americanos estavam passando. Porém, esses estratos da população também atuaram diretamente nas guerras de independência sob o comando dos caudilhos.

Com esse papel nas lutas pela independência, as dinâmicas de poder dos caudilhos, antes regionais, atingiram um aspecto nacional. Com isso, o caudilhismo se estabeleceu como a primeira manifestação da legitimação personalista do domínio político na América Latina.

O resultado foi que o próprio caudilhismo passou a rivalizar com os projetos liberais e constitucionalistas. Por isso, o caudilhismo e o constitucionalismo são ambos resultados dos processos de independência ocorridos na América Latina do século XIX.

Com o poder adquirido durante as guerras de independência, os caudilhos chegaram a dominar o poder nacional dos Estados e quando o fizeram seguiram os moldes de ditaduras personalistas. Por isso, foi dito anteriormente que o caudilhismo sucedeu à administração colonial após a independência nos países latino-americanos.

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Essa forma de governo ditatorial e personalista resultou em uma identificação do Estado e de suas instituições com a pessoa do caudilho governante. Além disso, se manter perpétua e plenamente no poder também estava nos planos desses governantes.

Por isso, o caudilhismo seria uma oposição ao projeto liberal-constitucionalista de Estado que influenciou as lutas por independência na América Latina. Mesmo assim, não se pode negar que, havendo tal oposição, ambas as formas tiveram influência nos países da região e, inclusive, conviveram juntas.

Percebe-se, portanto, que o caudilhismo se desenvolveu a partir de características específicas das sociedades de seu tempo. Dentre essas características estão as alianças forjadas nas lutas por independência e as estruturas regionais de poder.

Separamos esse vídeo da Politize! que explica o que é o populismo, uma das características presentes no caudilhismo em torno das figuras dos coronéis, mas que existe na política até os dias atuais

Quem eram os caudilhos?

Dos caudilhos foi mostrado até agora que eles eram figuras que se destacaram por questões militares nas lutas pela independência. Antes de conseguirem dominar o cenário político nacional, eram figuras com poder regional forte a ponto de unificarem diversos estratos sociais.

Há ainda outras considerações a serem feitas sobre os caudilhos. Primeiro, é importante destacar que normalmente eram proprietários de terras, tendo a seu domínio a distribuição de bens e a alocação do trabalho e das condições de subsistência em suas propriedades.

Sendo proprietários de terras, os caudilhos estabeleciam vínculos de patronagem com seus subordinados. Eram vínculos em que o caudilho oferecia alguma proteção, meios de subsistência e, em contrapartida, aumentava seu contingente de guerreiros, sua influência política e sua força econômica.

São essas relações e essa força de exercer poder regional que fizeram com que os caudilhos se fortalecessem na ausência de um poder central forte e consolidado, como foi o caso do período pós-independência na América Latina.

Um segundo aspecto importante da figura do caudilho era a forma pela qual os seguidores se identificavam com ele. O caudilho utilizava uma linguagem parecida com a de seus seguidores.

Isso porque o caudilho tinha que negociar com diversos setores para ter próximo a si agentes que potencialmente reproduziriam seu poder em uma outra instância de mobilização. Ao se valer desse tipo de linguagem, o caudilho conseguia gerar entendimento, empatia e adesão à sua causa.

Por fim, cabe pontuar o aspecto personalista do caudilhismo. O personalismo se refere a uma forma de legitimação do poder a partir do carisma do governante. Ou seja, seriam os atributos do governante e não as características formais e jurídicas do cargo que seriam relevantes para o desenvolvimento de uma identidade popular.

No personalismo, há maior lealdade e obediência à pessoa que governa do que ao cargo em si. Foi dessa forma que o caudilhismo se apresentou. Por isso, é dito que o caudilhismo foi uma variante do personalismo político na América Latina.

Relacionada ao personalismo do caudilho está também o conceito de carisma. O líder carismático possuía qualidades tão extraordinárias que chegava a ser visto como um enviado por Deus ou como alguém exemplar.

Para que o líder carismático possa permanecer como tal deve haver reconhecimento por parte dos subordinados, os quais seguem as ordens de seu líder como se fossem mandamentos. Essa é uma característica que permeia o caudilho.

Por isso, o caudilho é associado a uma figura política carismática e autoritária.

Mesmo havendo características similares, importa salientar que em cada contexto havia suas peculiaridades de modo que o caudilhismo poderia se apresentar mais autoritário em um lugar e mais liberal e progressista em outro.

As características similares do caudilhismo seriam, por um lado, o carisma e o personalismo e, por outro, o uso da violência e o autoritarismo.

Entre esses líderes caudilhistas, estão figuras como Juan Manuel de Rosas e Martin Miguel de Guemes, na Argentina; Ramón Castilla, do Peru; Carlos Antonio López e José Gaspar Rodríguez, do Paraguai; Antonio Guzmán Blanco, da Venezuela; e Antonio López de Santa Anna, no México.

Juan Manuel de Rosas, por Cayetano Descalzi (c. 1841). Imagem: Wikipedia

O conceito de caudilhismo

Agora que está explicado o contexto de surgimento do caudilhismo e suas características gerais, cabe alguns aprofundamentos e diferentes perspectivas sobre o conceito. Em termos de diferentes perspectivas, tem-se o caudilhismo clássico e a revisão do conceito dada por estudos mais recentes.

Caudilhismo clássico

Em sua definição clássica, o caudilhismo se caracteriza por três elementos: a ruralização do poder; a violência como forma de competência política; e a ideia de vazio institucional. As principais referências dessa abordagem são de Domingo Faustino Sarmiento e de Juan Bautista Alberdi.

Sarmiento localiza o caudilho no mundo rural e o define como sendo um rústico detentor de um poder despótico. Sarmiento utiliza a dicotomia entre rural e urbano, barbárie e civilização para tratar o conceito de caudilho, localizando-o no mundo rural e bárbaro. Por isso, a característica de ruralização do poder.

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A ideia de violência como forma de competência política diz respeito ao fato dos caudilhos usarem a violência como meio de atingir seus objetivos políticos. Essa seria a base do poder do caudilho.

Alberdi, por sua vez, aborda o vazio institucional como elemento de emergência do poder do caudilho. Na ausência de uma autoridade central nas províncias, o poder dos caudilhos em diversas áreas funcionaria como uma espécie de anarquia.

Além disso, o caudilhismo era visto como um tipo de clientelismo, isto é, uma sociedade construída por meio de relações patrão-cliente (proprietários de terras e peões, por exemplo).

Caudilhismo a partir de contribuições mais recentes

Pesquisas historiográficas mais recentes apontam para um conceito mais complexo e multifacetado do caudilhismo do que a vertente clássica se propôs a defender. Autores como Noemí Goldman e Ricardo Salvatore tratam dessa revisão bibliográfica.

O conceito mais recente critica a ideia de vazio institucional. Isso porque a própria legitimidade do poder do caudilho envolvia um conjunto de instituições e relações formais desenvolvidas com o objetivo de fortalecer o caudilho no jogo político provincial.

Ou seja, mesmo que débeis, havia sim a presença de uma estrutura político-administrativa nas províncias, gerando instituições e relações formais.

Outro ponto levantado por esses novos estudos seria as dinâmicas do caudilhismo também atingiam a área urbana. Isso descaracteriza o elemento de ruralização do poder do caudilho.

Além disso, o uso da violência como competência política da definição clássica também foi questionado. Isso porque os caudilhos estabeleciam articulações e relações que ultrapassam o simples uso da violência. O poder do caudilho era construído por meio de relações e articulações nos níveis local, nacional e internacional.

Já em termos de clientelismo, os estudos mais recentes apontam para uma sociedade estratificada com relações complexas de negociação entre patrão e cliente. Isso porque havia um conjunto diversificado de setores com os quais os caudilhos se relacionavam, como grandes, médios e pequenos proprietários de terras, comandantes militares, criadores de gado, comerciantes, peões, lavradores, agricultores, etc.

Causas do declínio do caudilhismo no século XX

O enfraquecimento do caudilhismo se deu a partir das primeiras décadas do século XX. Os fenômenos da industrialização e da migração de populações europeias para a América Latina ajudaram na decadência do caudilhismo.

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Uma razão para isso era a necessidade de reformular o modelo político concentrado em poderes regionais para um modelo centralizado. Ou seja, implicou diretamente no enfraquecimento dos poderes regionais e, por consequência, do poder do próprio caudilho.

E aí? Entende agora como o caudilhismo surgiu e sua relação com as guerras de independência na América Latina? Deixe suas dúvidas nos comentários!

Referências:
  • BRAGA, Márcio Bobik. Gauchos e bárbaros: a história da formação da nacionalidade argentina a partir da leitura de Jorge Luis Borges. Anuário de Literatura, [S. l.], v. 16, n. 2, p. 169–184, 2011. DOI: 10.5007/2175-7917.2011v16n2p169. Disponível em: https://periodicos.ufsc.br/index.php/literatura/article/view/2175-7917.2011v16n2p169. Acesso em: 2 mar. 2024.
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  • Folha de S.Paulo – Max Weber e a Sucessão
  • Uol Educação – Independência na América Espanhola – Lutas europeias disseminaram ideal de liberdade
  • História do Mundo – Caudilhismo
  • Infoescola – Caudilhismo
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  • TAVARES, F. M. M. Três Variantes do Personalismo na Política da América Hispânica: o caudilhismo, o bolivarianismo e o populismo como expressões de afirmação regional. Brazilian Journal of Latin American Studies, [S. l.], v. 10, n. 18, p. 38-52, 2011. DOI: 10.11606/issn.1676-6288.prolam.2011.82448. Disponível em: https://www.revistas.usp.br/prolam/article/view/82448. Acesso em: 18 fev. 2024.

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Paranaense de origem, atualmente mora em Florianópolis, local onde se formou em Relações Internacionais na Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). Tem interesse em análise de dados e em temáticas envolvendo inovação, desenvolvimento socioeconômico e teoria política e econômica.

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