A corrupção no Brasil é frequentemente debatida e sempre está em grande destaque nos noticiários. Porém, essa problemática está longe de ser um assunto contemporâneo. Você já se perguntou por que a corrupção parece estar sempre presente na história do Brasil?
Se analisarmos nossa história, especialmente a partir da chegada dos europeus a estas terras, veremos que há diversas situações de corrupção das quais fomos acometidos e que aparentemente acabaram se enraizando de forma sistêmica.
Quer entender como a corrupção se tornou parte da história do Brasil? Este texto da Politize! explora como práticas corruptas se desenvolveram desde o período colonial até os grandes escândalos contemporâneos, analisando seus impactos no país até hoje
- Afinal, o que é corrupção?
- O período colonial: as raízes do patrimonialismo e da corrupção
- A corrupção nas capitanias hereditárias
- O quinto do ouro: uma corrupção nos tempos da mineração
- A chegada da Família Real ao Brasil e o recrudescimento da corrupção
- O Brasil Imperial: corrupção em obras públicas e favorecimento às elites
- As ferrovias e o superfaturamento
- Favorecimento às elites agrárias
- A República Velha: coronelismo e fraudes eleitorais
- Fraudes eleitorais e exclusão política
- A Ditadura Militar: corrupção oculta pela censura
- A Transamazônica e outras obras
- Programa nuclear e contratos superfaturados
- A censura como aliada da corrupção
- Redemocratização e os grandes escândalos recentes
- Corrupção no Brasil é um problema estrutural?
- Referências
Afinal, o que é corrupção?
Para compreender melhor essa “linha do tempo” histórica que se prentende traçar aqui, é necessária a definição de um conceito-chave dentro do tema: o de corrupção.
O conceito de corrupção é amplo, pois ele atinge diversas esferas da sociedade e é um fenômeno social, político e econômico. De modo geral, a corrupção, de acordo com o seu significado no dicionário, seria a ação ou efeito de corromper, de adulterar o conteúdo original de algo.
A historiadora e antropóloga Lilia Schwarcz traz uma definição ainda mais precisa do conceito “corrupção” em seu livro “Sobre o autoritarismo Brasileiro”:
Etimologicamente, a palavra provém do latim corruptio, significando o “ato de quebrar em pedaços”; isto é, de “deteriorar ou decompor algo”. Na gestão do Estado, a corrupção remete ao ato de conceder ou receber vantagens indevidas ou de agentes públicos ou do setor privado, com o intuito de obter vantagens.
Somado à isso, a corrupção seria ainda o ato ou o resultado de subornar, oferecendo dinheiro a uma ou várias pessoas, buscando obter algo em benefício próprio ou em nome de uma outra pessoa. Como se vê, a definição do conceito não se esgota.
O período colonial: as raízes do patrimonialismo e da corrupção
No período colonial um termo também bastante comum nos dias de hoje ganha força: o de patrimonialismo, intimamente ligado ao de corrupção, praticado de forma sistemática a partir das instalações europeias nessas terras, sobretudo com a colonização portuguesa.
A ideia de patrimonialismo tem origem na chegada dos europeus no Brasil. Com a colonização, não se tinha uma clara separação entre o que era um bem público e o que era privado.
Esse estilo comum às administrações dos Estados absolutistas encontra-se em terras brasileiras e, de lá para cá, o conceito ainda é amplamente praticado, apesar de um aparente desuso. Como funcionava o patrimonialismo e a corrupção durante o período colonial?
A corrupção nas capitanias hereditárias
Quando Portugal iniciou o processo de colonização do Brasil, os membros da nobreza não queriam abrir mão dessas terras, entretanto, nem passava pela ideia de morarem por aqui tão cedo. A solução, de forma geral, foi delegar a determinadas personalidades a missão de ocupar de fato terra e de organizar as instituições no Brasil. Seria assim iniciada as capitanias hereditárias.
A partir do território que pertencia a Portugal (o lado leste, pois o lado oeste era da Espanha – vide o tratado de tordesilhas), a coroa dividiu essas terras em grandes extensões territoriais, ficando responsável um capitão donatário para cuidar de cada capitania.
Segundo a historiadora Denise Moura, a um oceano de distância da metrópole, foi criado aqui no Brasil um clima propício à corrupção, em que o poder e a pessoa se confundiam e eram vistos como uma coisa só.
No Brasil colonial, governadores e capitães donatários tinham liberdade quase absoluta sobre a administração local. Isso abriu espaço para a apropriação indevida de terras, desvio de recursos e enriquecimento pessoal. Os recursos da Coroa, em vez de serem utilizados para o bem público, frequentemente beneficiavam interesses privados.
Como os donatários recebiam uma doação da Coroa, pela qual se tornavam possuidores, mas não proprietários da terra, significava que não poderiam vender ou dividir a capitania, mas dava a eles extensos poderes, tanto administrativos como econômicos, pois eram eles que arrecadavam tributos.
O quinto do ouro: uma corrupção nos tempos da mineração
Durante o período colonial, o ciclo do ouro trouxe grandes lucros à metrópole, Portugal. De forma sistemática, a colônia explorou o ouro em algumas regiões do Brasil, com base em muita exploração dos escravizados e indígenas.

A exploração do ouro no Brasil colonial foi intensa e breve. Em 1695, bandeirantes descobriram jazidas em Minas Gerais, nas regiões de Sabará e Caeté, e, a partir de 1720, Mato Grosso e Goiás também passaram a contribuir. O auge da produção ocorreu por volta de 1760, mas rapidamente entrou em declínio até o final do século XVIII.
Apesar de curta, a mineração teve grande impacto na economia e na relação com Portugal. Entre 1700 e 1770, o Brasil produziu cerca de 50% do ouro mundial, transformando a colônia em uma das maiores exportadoras da época.
Mas a corrupção nessa época também tinha grande destaque: a prática do Quinto do Ouro, imposto que obrigava mineradores a entregar 20% de todo o ouro extraído à Coroa, não estava fluindo como deveria.
O sistema do Quinto do Ouro era marcado por desvios e corrupção. Muitos mineradores subornavam fiscais para evitar o pagamento, enquanto os próprios administradores locais ficavam com parte do tributo.
Essas práticas não apenas prejudicaram a arrecadação da Coroa, mas também criaram uma cultura de apropriação do público pelo privado, que continuaria nas décadas seguintes. Voltamos aqui novamente ao conceito de patrimonialismo.
A chegada da Família Real ao Brasil e o recrudescimento da corrupção
Em 1808, quando a Família Real portuguesa e todo o aparato da metróple desembarcaram no Brasil, além de inúmeras mudanças advindas com eles, mais momentos de corrupção acometeram a colônia, a começar pela distribuição de títulos de nobreza.
O “toma lá, dá cá” da política de favores e o patrimonialismo também marcaram esse período da chegada da Corte Portuguesa ao Brasil.
Como descreve Lilia Schwarcz em Sobre o Autoritarismo Brasileiro, os comerciantes que já estavam estabelecidos no Rio de Janeiro, em sua maioria portugueses, não reagiram bem à chegada de novos compatriotas privilegiados pela Coroa, que passaram a ocupar espaços e posições de destaque. Essa situação gerou tensões com as elites locais, incluindo os proprietários de terras.
Para conter os conflitos, o governo recorreu à concessão de títulos de nobreza e outras distinções como forma de acalmar os ânimos. Nesse contexto, foram criadas instituições como a Câmara do Registro das Mercês e, em 1810, a Corporação de Armas, que ajudaram a organizar uma heráldica brasileira e consolidar uma nobreza alinhada aos interesses da Coroa.
D. João concedeu, até seu retorno a Portugal em 1821, nada menos que 254 títulos, entre eles: 11 duques, 38 marqueses, 64 condes, 91 viscondes e 31 barões. Isso sem contar a instauração da Ordem da Espada e dos títulos de grã-cruzes, comendadores e cavaleiros.
O Brasil Imperial: corrupção em obras públicas e favorecimento às elites
Com a independência e a formação do Império em 1822, o Brasil passou a buscar modernização e desenvolvimento, mas as práticas de corrupção e patrimonialismo permaneceram enraizadas. No governo de Dom Pedro II, por exemplo, grandes projetos de infraestrutura, como a construção de ferrovias, ficaram marcados pelo desperdício de recursos e pelo favorecimento às elites.
As ferrovias e o superfaturamento
Durante o século XIX, a expansão ferroviária foi apresentada como um símbolo de progresso e modernidade. No entanto, a maior parte dessas obras foi marcada por contratos superfaturados e concessões generosas a empresas estrangeiras, especialmente britânicas. Muitas ferrovias sequer foram concluídas, mas o dinheiro público já havia sido gasto.
O avanço da malha ferroviária era limitado, enquanto os lucros favoreciam uma pequena elite econômica e empresas estrangeiras. Esse esquema desviava recursos que poderiam ser usados para a população em geral.
Favorecimento às elites agrárias
Além dos problemas com as ferrovias, o governo imperial canalizava recursos para beneficiar grandes proprietários de terras, conhecidos como os “barões do café”. Subsídios, isenções fiscais e privilégios econômicos eram concedidos às elites, reforçando a desigualdade social.
Enquanto isso, investimentos em educação, saúde e infraestrutura para a população em geral eram negligenciados.
Embora o patrimonialismo tenha perpetuado desigualdades, alguns historiadores argumentam que ele refletia práticas comuns em sistemas políticos da época, especialmente nos Estados absolutistas europeus, sendo uma herança histórica que não se restringiu ao Brasil
A República Velha: coronelismo e fraudes eleitorais
Com a Proclamação da República em 1889, havia uma expectativa de mudanças profundas no sistema político. Porém, o que se viu na chamada República Velha (1889-1930) foi a consolidação de um sistema político dominado por elites regionais, conhecido como coronelismo.
O coronelismo e o voto de cabresto
Os “coronéis”, líderes políticos e econômicos locais, controlavam o voto dos trabalhadores por meio de ameaças, coação ou troca de favores. Esse sistema ficou conhecido como voto de cabresto.
A população, majoritariamente pobre e analfabeta, era manipulada para votar em candidatos escolhidos pelos coronéis.
O voto de cabresto transformava as eleições em um jogo de cartas marcadas, onde os resultados eram decididos previamente por uma pequena elite local.
Fraudes eleitorais e exclusão política
Além da manipulação direta, as eleições da República Velha eram marcadas por fraudes, como a inclusão de “eleitores mortos” nas listas e a adulteração de resultados.
Esse sistema reforçava a exclusão política da maior parte da população, enquanto concentrava o poder nas mãos de elites rurais de estados como São Paulo e Minas Gerais, que formaram a chamada política do “café com leite”.
As práticas corruptas e antidemocráticas da República Velha aprofundaram as desigualdades sociais e consolidaram a ideia de que o sistema político brasileiro estava a serviço de poucos.
A Ditadura Militar: corrupção oculta pela censura
Após a República Velha e os eventos que culminaram no golpe de 1964, o Brasil viveu 21 anos de regime militar, marcado pelo discurso de “moralização” e combate à corrupção.
Apesar disso, grandes escândalos de corrupção ocorreram durante a ditadura, mas foram abafados pela censura à imprensa.
A Transamazônica e outras obras

Um dos maiores exemplos de corrupção na ditadura foi a construção da Transamazônica, uma rodovia que deveria ligar várias regiões da Amazônia ao restante do Brasil. O projeto foi marcado por desvios bilionários, abandono de trechos inacabados e um enorme desperdício de recursos públicos.
A Transamazônica, embora marcada por desvios e desperdícios, foi apresentada pelo regime militar como um projeto estratégico para integrar o território nacional e garantir a soberania brasileira sobre a Amazônia, uma narrativa que ganhou apoio em setores conservadores da época.
Programa nuclear e contratos superfaturados
Outro escândalo foi o Programa Nuclear Brasileiro, que envolveu contratos superfaturados com empresas estrangeiras, deixando uma dívida significativa para o país. Esses casos mostraram como a corrupção prosperava mesmo sob um regime autoritário.
A censura como aliada da corrupção
A censura à imprensa durante o regime militar impediu que os escândalos fossem divulgados à população. Somente após o fim da ditadura, com a abertura política, muitos desses casos começaram a ser revelados.
Redemocratização e os grandes escândalos recentes
Com o fim da ditadura em 1985 e a redemocratização, o Brasil passou a contar com maior liberdade de imprensa e instituições mais fortes para fiscalizar o poder público. Ainda assim, a corrupção continuou a marcar a política brasileira.
O Caso Collor (1992)
O primeiro grande escândalo da redemocratização envolveu o presidente Fernando Collor, que sofreu impeachment em 1992. Acusado de corrupção e enriquecimento ilícito, Collor foi alvo de uma série de denúncias ligadas ao seu tesoureiro, PC Farias.
O Mensalão (2005)
O Mensalão, revelado em 2005, foi um esquema de compra de apoio político no Congresso Nacional durante o primeiro mandato do governo Lula. O caso envolvia o pagamento de mesadas a parlamentares em troca de votos favoráveis a projetos do governo.
O julgamento resultou na condenação de figuras importantes da política e do partido governista, como José Dirceu, ex-ministro da Casa Civil, José Genoino, ex-presidente do PT, e Delúbio Soares, ex-tesoureiro do PT, todos condenados por corrupção ativa e formação de quadrilha. Empresários como Marcos Valério, apontado como operador do esquema, também foram condenados por crimes como corrupção ativa, peculato e lavagem de dinheiro.
Por um lado, o caso foi visto como um marco no combate à corrupção no Brasil, demonstrando que figuras de alto escalão poderiam ser responsabilizadas judicialmente. Por outro, foi criticado por setores que consideraram o julgamento excessivamente politizado e marcado por pressões midiáticas. Para alguns analistas, o Mensalão representou avanços na responsabilização de políticos, enquanto outros apontam que o processo reforçou divisões políticas no país e acendeu debates sobre a imparcialidade das instituições.
A Lava Jato (2014)
A Lava Jato revelou um esquema bilionário envolvendo estatais como a Petrobras, grandes empreiteiras e políticos de vários partidos. Foi o maior escândalo de corrupção já registrado no Brasil, mas também expôs a profundidade das relações corruptas entre o setor público e privado.
O caso Lava Jato também levantou debates sobre o equilíbrio entre combate à corrupção e o impacto econômico, com setores liberais argumentando que algumas medidas judiciais, como a paralisia de grandes empreiteiras, tiveram efeitos negativos sobre a economia e o emprego.
Corrupção no Brasil é um problema estrutural?
Como vimos, a corrupção no Brasil não é apenas um problema contemporâneo, mas um fenômeno histórico profundamente enraizado. Desde o período colonial, passando pelo Império e pela República, práticas corruptas moldaram as relações de poder no país, perpetuando desigualdades e desconfiança no sistema político.
No entanto, avanços significativos têm sido feitos, como a atuação de instituições de controle e o papel da sociedade civil na cobrança por maior transparência. Entender o passado é essencial para construir um futuro diferente. Afinal, a mudança começa com o engajamento de todos.
E você, o que acha? Qual o impacto da corrupção na história do Brasil? Compartilhe sua opinião!
Referências
- BBC. Corrupção no Brasil tem origem no período colonial, diz historiadora.
- CARVALHO, José Murilo de. Os Bestializados: O Rio de Janeiro e a República que Não Foi. São Paulo: Companhia das Letras, 1987.
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- FAUSTO, Boris. História do Brasil.13 ed., 2.reimpr. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 2010.
- GASPARI, Elio. A Ditadura Envergonhada e A Ditadura Escancarada. São Paulo: Companhia das Letras, 2002.
- G1. Mensalão: relembre os principais condenados no julgamento do STF.
- PEREIRA, Merval. O Mensalão: O Julgamento do Maior Caso de Corrupção da História Política do Brasil. Rio de Janeiro: Record, 2013.
- PUC-RIO. Os Ciclos da Cana-de-Açúcar e do Ouro na História Colonial Brasileira
- SCHWARCZ, Lilia Moritz. Sobre o Autoritarismo Brasileiro. São Paulo: Companhia das Letras, 2019. SKIDMORE, Thomas. Brasil: De Castelo a Tancredo. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1988.