Raúl Prebisch: história e pensamento do intelectual da CEPAL

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Raúl Prebisch foi um economista argentino e membro destacado da Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe (CEPAL), instituição em que exerceu um papel intelectual de grande relevância.

Ele ocupou diferentes cargos executivos durante a sua vida, tanto dentro do governo argentino quanto em organismos internacionais. A sua experiência profissional lhe permitiu conhecer o mundo econômico e a pensar mais criticamente sobre a realidade latino-americana e os seus principais problemas.

O ponto de partida do pensamento de Prebisch é a crítica à validade universal da teoria do comércio internacional. E a partir disso, ele vai desenvolvendo suas ideias, sempre aliando teoria à prática.

Deseja saber mais sobre Prebisch e suas ideias? Então, continue com a leitura deste conteúdo da Politize!.

Raúl Prebisch: história

Wikimedia Commons: Raúl Prebisch (1954).

Raúl Prebisch nasceu na Argentina, no dia 17 de abril de 1901 e faleceu no Chile em 29 de abril de 1986 aos 85 anos de idade. Ele é filho de Albin Prebisch (1862-1934), descendente de um imigrante alemão da Saxônia, e de Rosa Linares Uriburu (1871-1921), descendente da aristocracia do norte da Argentina.

Prebisch começou seus estudos superiores na Universidade de Buenos Aires (UBA), onde se licenciou como contador público em 1922. Na mesma universidade, passou de professor assistente a professor titular de Economia Política entre 1924 e 1948.

As suas experiências como servidor público foram inúmeras.

Foi diretor do Centro de Estatística da Sociedade Rural Argentina e subdiretor da Dirección Nacional de Estadística nos anos 1920. Em 1927, foi contratado para dirigir a Oficina de Investigaciones Económicas do Banco de la Nación Argentina (BNA). Entre o triênio de 1930-33 atuou como subsecretário do Ministério da Fazenda e foi enviado como representante argentino para a Conferência Econômica Mundial da Liga das Nações.

Confira este texto sobre a Liga das Nações para saber mais sobre esta Organização Internacional.

Prebisch manteve uma vida política ativa até o início dos anos 1940 e sempre mostrou sua forte vocação tecnocrática. Ele iniciou a sua vida política nos governos radicais de Marcelo T. Alvear entre 1922 e 1928, ascendeu à burocracia federal no contexto do golpe civil-militar dos anos 1930 e no governo socialista independente de Federico Pinedo de 1933-1935.

Durante esses anos, passou de defensor do livre comércio para defensor da intervenção do Estado como agente promotor do desenvolvimento. Sua atuação nos governos argentinos lhe conferiu prestígio em todo o continente, especialmente quando da criação do Banco Central da República Argentina (BCRA) em 1935. O BCRA permaneceu sob a gestão de Prebisch de 1935 a 1943.

Em 1949, Prebisch entrou na CEPAL, permanecendo lá até a sua morte em 1986. Ainda em 1949, Prebisch produziu um relatório econômico da América Latina intitulado “O desenvolvimento da América Latina e seus principais problemas. Este texto logo se tornaria a base do pensamento cepalino e ficaria conhecido de diferentes formas: Manifesto Latino-Americano, Manifesto dos Periféricos, Manifesto de Havanna e Manifesto da CEPAL.

Prebisch esteve à frente da CEPAL entre 1949 e 1962. Durante esse tempo, o empenho intelectual e em termos de proposições políticas fez da CEPAL uma referência dentro e fora da região.

Em 1963, Prebisch se ausentou temporariamente da CEPAL para assumir a presidência da Conferência das Nações Unidas sobre Comércio e Desenvolvimento (UNCTAD). Logo após sua passagem pela UNCTAD, Prebisch retorna à CEPAL mantendo seu vínculo como assessor.

Até meados da década de 1970, ele se encarregou da direção do Instituto Latino-Americano e do Caribe de Planejamento Econômico e Social (ILPES). O ILPES foi criado em 1962 dentro da estrutura da CEPAL e é um organismo dedicado à pesquisa e capacitação.

Em 1976, Prebisch cria a Revista da CEPAL e põe fim à sua participação na gestão executiva da Comissão. Na revista, ele se manteve como editor até sua morte em 1986 e é nela que pode-se ver grande parte do legado do seu intelectual.

Raúl Prebisch: pensamento

Prebisch foi um prolífico pensador. Ao passar das décadas, o seu pensamento foi amadurecendo e sendo impactado pelas mudanças no contexto histórico geral da região.

Para tentar mostrar um pouco do seu pensamento, na próxima seção, iremos abordar algumas de suas mais destacadas ideias (majoritariamente desenvolvidas quando ele estava na CEPAL).

Crítica à teoria do comércio internacional

No período de 1943 a 1948, Prebisch sistematizou melhor suas ideias econômicas. Baseando-se na sua experiência profissional e ainda vivenciando os resquícios da Grande Depressão, Prebisch colocou em cheque a validade da teoria dominante sobre o comércio internacional e a sua aplicabilidade para os países da América Latina.

Para saber mais sobre crises econômicas, confira o texto: O que é crise econômica?

Em “O desenvolvimento da América Latina e seus principais problemas, Prebisch argumenta que as teorias tradicionais do comércio internacional se fundamentam em uma premissa negada pelos fatos. Essa premissa afirma que o progresso gerado nos países centrais se difundiria nos países periféricos por meio da importação de produtos manufaturados.

navio de embarcação
Importação. Imagem: Pexels

Dessa forma, todos os países que participariam do comércio internacional se beneficiariam “[…] seja pela baixa dos preços seja pela alta equivalente das remunerações [salários e lucros]”. Basta todos os países se especializarem naquilo que fazem de melhor.

Os países periféricos se especializariam em produtos agrícolas, por exemplo. Com isso, os produtos primários aumentariam de preços, dado sua demanda crescente, e os bens manufaturados poderiam ser comprados com menor preço.

Na teoria dominante, as relações de troca melhorariam para as economias exportadoras de produtos primários. “Não necessitam, portanto, de industrializar-se. Pelo contrário, sua menor eficiência fá-Ios-ia perder irremissivelmente as vantagens clássicas do intercâmbio”.

Prebisch argumenta que esse esquema, formulado originalmente por David Ricardo (1772-1823), tem validade teórica inegável. Porém, só realmente funciona para aqueles países que trocam produtos industrializados, e não para a troca entre produtos primários e manufaturados.

Para corroborar essa afirmação, Prebisch analisa uma amostra de bens comercializados na Bolsa de Londres por países do centro e da periferia em um período de 71 anos (de 1876 a 1947).

Ao fazer a evolução dos termos de troca dessa amostra, Prebisch constatou que a relação de preços se moveu constantemente contra a produção primária. De 1870 até 1940, a quantidade de produtos da indústria que poderiam ser comprados com produtos primários apenas reduziu.

Em outras palavras, os preços dos produtos primários vinham se deteriorando em relação aos preços dos produtos manufaturados. A periferia precisava, então, exportar mais produtos agrícolas para comprar a mesma quantidade de produtos manufaturados. Esse fenômeno é chamado de deterioração dos termos de troca (ou intercâmbio).

A explicação de Prebisch era a de que ou o preço dos produtos agrícolas não estava em constante crescimento ou o preço dos produtos manufaturados não estava caindo. De qualquer forma, os fatos não justificavam as premissas teóricas do comércio internacional.

Como superar a deterioração dos termos de troca?

Sabia que o Brasil passou por um período singular de altas taxas de crescimento econômico?

Para entender mais, confira o que foi o Milagre Econômico.

Para Prebisch, a deterioração dos termos de troca e o próprio processo de industrialização colaboram com os desequilíbrios do balanço de pagamentos dos países periféricos.

O balanço de pagamentos se refere ao registro das transações econômico-financeiras realizadas por um país com os demais países. Para cada transação há dois registros – um positivo (crédito) e outro negativo (débito). Quando existem desequilíbrios, o saldo entre esses dois registros se distanciam, podendo significar maior saída de recursos do país do que de entrada.

No caso dos países periféricos, isto é o que geralmente ocorre. Os países da região são prejudicados pela falta de divisas (moeda estrangeira), uma vez que as exportações não compensam as importações. Em suma, a renda vai para fora.

Prebisch acreditava que eram dois os fatores principais que levavam a esses desequilíbrios.

  1. O primeiro era o baixo coeficiente de importações dos Estados Unidos, por volta de 2% durante a década de 1940. E isto significava muito para as economias periféricas. Havia uma economia hegemônica quase auto suficiente e fechada, que não estava destruída pela Segunda Guerra Mundial e que detinha aproximadamente 60% de todo o ouro do mundo. Se os EUA não expelem dólares para fora de sua própria economia, há uma carência de recursos no sistema econômico internacional, o que afeta o balanço de pagamentos.
  2. O segundo fator era a constatação de que quando a renda crescia, a demanda por bens primários diminuía ao passo que a demanda por bens industriais aumentava.

Essa mudança no padrão de consumo se apresentava nos países periféricos, especialmente no consumo daqueles com renda mais elevada. Na ânsia de consumir produtos da fronteira tecnológica, eles aumentavam suas importações.

O aumento da renda per capita nas economias industriais também fazia com que o consumo se direcionasse a produtos mais sofisticados. Isso faz com que os países especializados em produtos agrícolas percam participação a médio e longo prazo no comércio internacional.

Qual seria, então, a saída para que os países periféricos apresentem uma tendência a longo prazo de aumento da renda? A solução de Prebisch seria a industrialização por meio do processo de substituição de importações.

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Pexels: Área Industrial

A industrialização que Prebisch se refere seria para fazer com que a liderança do crescimento econômico repousasse no setor industrial. Seria um processo de transformação das economias agrárias que objetiva fazer do setor industrial o responsável pela dinâmica interna da economia. Ou seja, o principal setor que gera emprego e renda. E não apenas um período de crescimento industrial em que ocorre um aumento da produção industrial por si só.

Para tanto, os países periféricos passariam por um processo chamado de substituição de importações. Este processo faria com que os países se tornem capazes de produzir internamente tudo o que seria necessário para se produzir um bem final.

Porém, dada as características da região, havia fatores limitantes que dificultavam essa saída. Por exemplo, a pequena escala de produção e a baixa poupança interna (poupança derivada da poupança privada das empresas e das famílias e da poupança do governo) para investimentos.

Por isso, a participação do capital estrangeiro, seja por meio de governos ou instituições multilaterais, seria especialmente essencial nos estágios iniciais da industrialização. Além do próprio empenho dos governos em alavancar este processo.

Prebisch e o pensamento da CEPAL

Antes de finalizar o texto, é importante fazer alguns esclarecimentos sobre o pensamento de Prebisch e o pensamento da CEPAL.

Como já comentado, a história de Prebisch e a da CEPAL estão intimamente ligadas. Prebisch ingressou na CEPAL logo após sua criação e lá permaneceu até a sua morte. Em 1949, ele escreveu o famoso Manifesto da CEPAL, documento que daria o tom da discussão teórica da CEPAL nas décadas seguintes.

Foi assim que as bases do pensamento cepalino se definiram. Um pensamento centrado nas particularidades do desenvolvimento e nas especificidades históricas dos países da periferia global.

É com Prebisch que os principais problemas e entraves econômicos da região são melhor explicitados. Com a CEPAL e com ajuda de outros intelectuais, a Comissão conseguiu atrair novas soluções, e novos enfoques para os mesmos problemas passam a fazer parte da agenda cepalina.

E, aí? Gostou de conhecer Prebisch e um pouco do seu pensamento? Já tinha ouvido falar dele ou de suas ideias? Deixe a sua opinião nos comentários!

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02 maio. 2024

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