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Liga das Nações: o que foi a Organização Internacional?

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Imagem: United Nations Archives in Geneva, League of Nations Pictures.

No ano de 1919, ao final da Primeira Guerra Mundial, nasceu o projeto da primeira Organização Internacional de alcance global: a Liga das Nações ou Sociedade das Nações – ambos os nomes são oficiais.

Altamente influenciada pelos resultados da guerra, seus objetivos eram a promoção da segurança coletiva de forma pacífica e a igualdade entre os Estados soberanos, permitindo que estes negociassem soluções para eventuais discordâncias/litígios.

Vamos ver a seguir qual foi o contexto histórico da época, a estruturação da Liga e quais foram os legados e ensinamentos que ela deixou para outras Organizações Intergovernamentais!

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Qual foi o contexto que deu origem à Liga das Nações?

A Conferência de Paz de Versalhes pôs fim à Primeira Guerra Mundial em 28 de abril de 1919 e desta Conferência surgiu a Liga das Nações.

Foi a primeira vez que uma Organização de caráter geral (que todos os Estados poderiam participar dela) teve o objetivo de promoção da paz através de mecanismos jurídicos.

Devido ao clima de hostilidade que a guerra tinha causado no sistema internacional, surgiu à necessidade de criar um coletivo organizado.

A partir do sentimento de urgência para preservação de boas relações e cooperações entre os Estados, o presidente norte-americano Woodrow Wilson fez um pronunciamento que elencou Quatorze Pontos para um mundo sem guerras.

O último ponto indicava a necessidade da criação da Liga das Nações.

O lado vitorioso da Primeira Guerra – França e Inglaterra – criou comitês de apoio à criação da Organização, no entanto, os dois países apresentavam divergências nas diretrizes.

De um lado, a França propunha que a Liga se militarizasse e que pudesse reprimir ofensivas por parte dos países. Sua percepção era de que a paz viria de uma Alemanha mais fraca, na tentativa de exercer maior controle sobre o lado perdedor da guerra.

Por outro lado, a proposta da Inglaterra (a qual os Estados Unidos apoiaram) apontava no sentido do desenvolvimento de uma mediação internacional, a fim de solucionar controvérsias por meio do entendimento e opinião dos Estados, um meio diplomático para buscar a paz entre as nações.

Por fim, com apoio dos Estados Unidos, dos países da Commonwealth e da América Latina, a proposta britânica foi aceita.

Em 1920 a Liga das Nações foi estabelecida em Genebra, na Suíça. Dotada do sentimento de cooperação entre os países como forma de conduta para que seus membros não recorressem à guerra e evitassem a mesma situação recém presenciada, seguindo diretrizes do direito internacional.

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Quais eram os Estados membros da Organização?

À época de sua constituição, foram trinta e dois os Estados membros originários e outros 13 convidados. Em 1923 eram 54 participantes.

  • Membros originais: EUA / Bélgica / Bolívia / Brasil / Império Britânico / Canadá / Austrália / África do Sul / Nova Zelândia / Índia / China / Cuba / Equador / França / Grécia / Guatemala / Haiti / Hejaz / Honduras / Itália / Japão / Libéria / Nicarágua / Panamá / Peru / Polônia / Portugal / Romênia / Estado dos Eslovenos-Croatas-Sérvios / Sião (Tailândia) / Checoslováquia / Uruguai.
  • Membros convidados: Argentina / Chile / Colômbia / Dinamarca / Espanha / Noruega / Paraguai / Holanda / Pérsia / El Salvador / Suécia / Suíça / Venezuela.

EUA e a ratificação do tratado

Apesar da determinação do presidente dos EUA, Woodrow Wilson em arquitetar suas ideias para pautar as relações internacionais dali em diante, sua atuação dividiu a opinião pública no país.

O Congresso – de maioria Republicana – não ratificou o Tratado de Versalhes e os EUA não participaram da Liga das Nações.

Tal ação tomada pelo Congresso é explicada pelo fato de que o tom isolacionista ditou o comportamento norte-americano, evitando o envolvimento em conflitos do outro lado do Atlântico.

Apesar do não ingresso americano na Liga das Nações, houve a expectativa dos países europeus de que eles mudassem sua posição posteriormente, mas isso nunca ocorreu.

A estrutura interna da instituição

Com o nascimento da Liga das Nações, criou-se o modelo de separação entre Assembleia, Conselho e Secretariado.

Assembleia: servia como uma representação igualitária entre as Nações – cada Estado com direito a um voto, com reuniões ocorrendo a cada um ano podendo ser convocadas em caráter extraordinário. As decisões eram tomadas por unanimidade dos membros.

Conselho: a configuração inicial projetava nove membros, dos quais cinco seriam permanentes – EUA¹, França, Império Britânico, Itália e Japão², e o restante dos membros temporários eram eleitos anualmente pela Assembleia.

Com o passar do tempo, o número de cadeiras foi expandido: a Alemanha ingressou na Organização em 1926 como membro permanente, mas a abandonou em 1933, quando Hitler chegou ao poder.

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Ainda em 1926, o número de membros rotativos aumenta para nove, e estes são chamados de semipermanentes, com um mandato de três anos.

As decisões no Conselho também eram tomadas de forma unânime.

¹ apesar de o projeto inicial conter os EUA como membro permanente do Conselho, vale lembrar que o Congresso Nacional não ratificou o tratado da Liga das Nações e o país não ingressou formalmente, apesar dos interesses do presidente Woodrow Wilson.

² Japão também deixou a Liga em 1933 devido a guerra contra Manchúria.

* União Soviética adere ao Conselho em 1936, mas é expulsa da Organização em 1939 devido à guerra contra a Finlândia.

Secretariado: órgão organizado por um Secretário-Geral, com apoio administrativo e técnico.

A Liga das Nações também formou a Corte Permanente de Justiça Internacional (CPJI) com sede em Haia, na Holanda, formada por quinze juízes independentes, eleitos pela Assembleia através de indicações do Conselho.

Leia mais: Corte Internacional de Justiça: o que é e como funciona?

Qual foi a participação do Brasil?

O Brasil foi o único país da América Latina a participar da Primeira Guerra Mundial. Pela sua participação, o Brasil foi convidado a integrar as negociações do Tratado de Paz de Versalhes.

Na Liga das Nações, o país fez parte do Conselho como membro não permanente. O objetivo era compor a estrutura como membro permanente, podendo representar o continente americano, haja vista que os EUA não ratificaram o acordo e não fizeram parte da Liga. Entretanto, tal argumento não obteve sucesso.

Tratados de Locarno

Em 1925, houve a assinatura dos Tratados de Locarno. Grã-Bretanha, França, Alemanha, Itália, Bélgica, Checoslováquia e Polônia chegaram a um acordo pacífico de respeito às fronteiras. Tal acordo também indicava uma melhora nas relações França-Alemanha, arrefecendo o sentimento de revanchismo do pós Primeira Guerra.

Esse acontecimento tem ligação com a posição do Brasil na Liga das Nações, porque os Tratados de Locarno formalizavam o ingresso da Alemanha como membro permanente do Conselho, posição a qual o Brasil reivindicava.

Posição brasileira na Assembleia Geral

Na assembleia geral de 1926 houve a deliberação a respeito do ingresso da Alemanha como membro do Conselho.

Importante lembrar que, diferente do desenho institucional da ONU, na Liga das Nações os membros temporários também tinham poder de veto e o Brasil compunha o Conselho no ano. Na ONU, o poder de veto fica concentrado apenas aos membros permanentes do Conselho de Segurança: China, EUA, França, Reino Unido e Rússia.

Para os países europeus da Organização, era importante o aceite da Alemanha como uma forma de manutenção da paz por meios diplomáticos. Portanto, o pleito do Brasil de ingressar no Conselho de forma permanente ficou mais distante.

O Brasil veta a entrada da Alemanha na Liga das Nações e essa decisão o deixa em isolamento perante os outros membros.

Em assembleias seguintes seriam rediscutidas as regras para aceite dos membros temporários do Conselho e, devido ao isolamento brasileiro, a possibilidade de deixar o Conselho existia. Além disso, participar como membro permanente também não pareceria uma opção viável dali em diante.

Em 10 de julho de 1926 o Brasil se retirou da Liga das Nações.

Exemplos de experiências de sucesso da Liga

  • administração do território de Sarre (hoje um estado na Alemanha) entre os anos de 1919 e 1935 que era reivindicado pela Alemanha e França.
  • proteção do território de Danzig – território na Polônia – para dar acesso ao Mar Báltico.
  • convenções foram realizadas para proteção de minorias raciais, étnicas e religiosas.
  • intervenção na controvérsia das Ilhas Aland que eram reivindicadas pela Suécia, mas pertencentes da Finlândia. Confirmou a posse da Finlândia.

Quais motivos levaram ao fim da Liga das Nações?

Inicialmente, as grandes potências da época – EUA, Japão, Alemanha e União Soviética – não participaram ou se retiraram da Organização, causando dificuldades no arranjo e articulações políticas nas relações internacionais no período.

Segundo o Prof. Dr. Ricardo Seitenfus, também há um ponto de consideração importante a partir da forma que a Organização foi concebida:

“o defeito do Pacto da Sociedade das Nações foi sua inclusão no interior do Pacto de Versalhes. A nova organização nascia, assim, fazendo uma nítida distinção entre vencidos e vencedores da Primeira Guerra. Para uma instituição que se propunha à universalidade e a operar com vistas à manutenção da paz, esta decisão significou um pecado original que auxiliará a colocar em xeque seus objetivos”.

Estes “objetivos em xeque” se referem à idealização liberal para promoção da paz e a cooperação entre as nações, para que se evitassem novos confrontos bélicos. Essa era uma forma de tentar disciplinar o sistema internacional através de normas universais estabelecidas.

Nesse sentido, a distinção entre vencedores e vencidos poderia prejudicar o equilíbrio de poder. A imposição da vontade dos vitoriosos europeus (influenciada pelo Tratado de Versalhes) transmitiria uma tentativa de gerência pelo lado vencedor, apesar das características que se procurava propagar de diplomacia aberta e ordem democrática.

Após a Primeira Guerra Mundial, a atmosfera liberal ganhou força influenciada pelo fim da guerra.

A intenção de cooperação e promoção da paz coletiva também é impulsionada pela assinatura do Pacto Briand-Kellogg em 1926, que marcava a posição dos Estados de renúncia à guerra, condenando tal ação como uma solução de controvérsia internacional.

Este ambiente cooperativo permanece apenas no anos 1920. Com a Grande Depressão em 1929, o sistema capitalista entra em crise e as ações coletivas são pouco estimuladas. Ações nacionalistas se apresentam como possíveis saídas à recessão e o individualismo toma seu lugar na forma diplomacia secreta e nacionalismos.

Condutas como o nazismo na Alemanha, o militarismo expansionista no Japão e o fascismo na Itália surgem e se chocam com os ideários da Liga das Nações, comprometendo seus pilares de cooperação pacífica entre os Estados.

Em 1933, quando Hitler assume o poder na Alemanha, seu regime não aceitava o controle de seu poder bélico por parte da Liga. Portanto, a Alemanha se retira da Organização. Os esforços voltados à diplomacia aberta e à tentativa de trazer o país para negociações pacíficas pareciam fracassar e a Europa caminhava para uma nova guerra.

Os esforços de coordenação internacional não foram suficientes e foi desencadeada a Segunda Guerra Mundial.

Fim da Liga das Nações

A instituição encerrou suas atividades em 18 de abril de 1946 e prestou contas até 31 de julho de 1947.

A instituição foi criada com objetivos de criar uma coordenação diplomática, de forma aberta e transparente entre os Estados, mas a experiência jurídica não obteve sucesso em dar uma resposta pela manutenção da paz frente às grandes potências e seus interesses particulares.

Mais adiante, após a Segunda Guerra Mundial, o modelo da Liga inspirou a criação da ONU e em junho de 1945 é assinada a Carta de São Francisco.

E aí, conseguiu compreender a importância da Ligas das Nações e sua estrutura? Deixe suas dúvidas nos comentários!

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Olá, prazer! Sou graduado em Relações Internacionais e atualmente curso a pós graduação em Ciência Política pela FESPSP. Lembro que desde o início da minha graduação me senti atraído por todos os aspectos teóricos discutidos em sala de aula, me encontrei fazendo parte do debate político e, particularmente, me interessei pelo desenvolvimento da agenda ambiental internacional. A curiosidade de entender o mundo e os movimentos sociais – até mesmo indagando os clássicos teóricos – me servem de combustível para compreender um pouquinho mais os vínculos entre as relações econômicas, as dinâmicas de Estado, a história, o direito legal, enfim, esse universo de coisas que se apresentam no campo político, fruto de processos que foram construídos socialmente.

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25 abr. 2024

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