As FARC e o governo colombiano: entre a guerra e a paz

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Foto: Flickr / Domínio Público.

Durante a década de 1960, muita coisa aconteceu no mundo: a corrida espacial movimentou o embate entre EUA e URSS, o Brasil enfrentou um golpe de Estado que colocou o poder nas mãos dos militares, o homem chegou à lua e, em um país fronteiriço ao nosso, uma organização que viria a mudar o rumo de sua população foi fundada:  as FARC. Vamos entender a sua importância na história colombiana, no contexto de um mundo conturbado nos anos 60 até a atual criação de um partido?

COMO AS FARC SURGIRAM?

Na Colômbia dos anos 1960, tinha-se uma sociedade profundamente dividida. De um lado, o círculo de poder do país estava perpetuado nas mãos das classes mais altas, assim como a posse de terras. E, do outro lado, os interesses das classes mais baixas encontravam-se sem respaldo há décadas, especialmente a população rural que, à época, constituía aproximadamente 55% da população. Durante esse período, chamado de La Violencia (1948-1958), ocorreram alguns episódios de violência entre a população rural e os donos das terras, e o estopim desse embate foi em 1964, quando as forças militares colombianas agiram contra a população. O emprego da violência contra a população almejava, na época, a defesa dos interesses da elite, majoritariamente detentoras das terras do país.

Foi nesse momento que surgiu o movimento das Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia  ( FARC), organização que originalmente defendia a reforma agrária, o acesso à posse de terras e a constituição de um Estado de ideais socialistas, delineando seu caráter resistente inspirado sobretudo pela Revolução Cubana (1953–1959).

O COMEÇO DA HISTÓRIA DAS FARC

Durante a primeira década da sua existência, as FARC não cresceram tanto em seu contingente, contando com cerca de 1.000 homens no início dos anos 1980. Nesse primeiro momento, as atividades do grupo guerrilheiro consistiam basicamente de recebimento de doações de Cuba, além das enormes quantias de dinheiro nos sequestros de políticos e membros da elite colombiana.

No entanto, foi a partir principalmente do estabelecimento do Secretariado, uma espécie de liderança interna e da adoção da nova nomenclatura FARC-EP, referente a Forças Armadas Revolucionárias Colombianas  —  Exército Popular, que as FARC se viram diante de um cenário dividido: se, de um lado, a organização passou a crescer como nunca, tanto em contingente quanto financeiramente; por um outro lado, sua popularidade declinou drasticamente perante a população.

Essa queda do apoio popular à guerrilha se deu pelo crescente número de civis mortos que suas atividades ilícitas  —  como sequestros, extorsões e atentados  —  tinham como consequência. Então, se até o início da década de 1980, a captação de recursos era somente via doações e sequestros, no final dessa mesma década a participação do grupo guerrilheiro em episódios de controle de fontes de energia e atentados contra a população civil se tornaram cada vez mais constantes. Com essas novas estratégias de financiamento, junto ao controle que a guerrilha passou a exercer sobre territórios produtores de drogas ilícitas como a maconha e a cocaína, o crescimento da receita da guerrilha foi iminente.

Evolução do número de massacres no conflito armado colombiano, entre 1980 e 2012. Fonte: GMH. ¡BASTA YA! Colombia: Memorias de guerra y dignidad. Bogotá: Imprenta Nacional, 2013.

Com a sua associação ao narcotráfico para fins financeiros e a crimes cada vez mais violentos, as FARC passaram a ser reconhecidas tanto como ameaça ao Estado colombiano quanto como ameaça internacional, uma vez que suas ações e fugas ultrapassaram, em diversos episódios, as fronteiras colombianas. Assim, o apaziguamento desse conflito entre guerrilha e Estado se tornava cada vez mais urgente e necessário.

AFINAL, O QUE É UM GRUPO GUERRILHEIRO?

Movimento revolucionário que pode ou não ter índole patriótica, e que possui a estratégia de mobilização política da população camponesa unida a atos violentos de surpresa e incursões ofensivas para combater o governo estabelecido ou forças de ocupação. [Fonte]

AS PRIMEIRAS TENTATIVAS DE DIÁLOGO DO GOVERNO COLOMBIANO

A primeira tentativa de diálogo do governo colombiano com as FARC se deu já em 1982, durante o governo de Belisario Betancur (1982-1986). O processo de negociação foi visto como bem sucedido e, depois de anos com mediação de Havana, seus resultados foram firmados nos Acordos de la Uribe (1984).

Entre os pontos discutidos, estavam o cessar-fogo bilateral e o estabelecimento da União Patriótica, partido representante das FARC que atuou na esfera política colombiana a partir de 1985. Mas já em 1987, principalmente devido a continuidade dos ataques surpresa cometidos pelo grupo guerrilheiro, os Acordos de Uribe foram suspensos pela violência ascendente empregada pelo grupo guerrilheiro, que usufruiu de extorsões e sequestros em troca de dinheiro.

Já em 1990, César Gaviria Trujillo assumiu a presidência da Colômbia e, entre suas principais propostas, destacava-se a iniciativa de apaziguar as FARC através do diálogo. Enquanto as conversas do governo com o grupo guerrilheiro se desenvolviam, as Forças Armadas do país tomaram a Casa Verde, então considerada quartel general das FARC. A atitude almejava matar os líderes do grupo guerrilheiro, mas não foi bem sucedida, e acabou sendo entendida pelas FARC como uma suspensão das conversas com o governo.

No mesmo ano, o principal líder e idealizador do grupo guerrilheiro, Jacobo Arenas (1924-1990), faleceu de causas naturais. A liderança passou a ser ocupada por Manuel Marulanda Veléz, que deu continuidade ao crescimento das atividades ilegais então já praticadas pelo grupo. Essas atividades tornaram-se insustentáveis para o governo colombiano, que não tinha recursos, nem capacidade militar para enfrentar a guerrilha.

Uma última tentativa de diálogo ocorreu durante o mandato de Andres Pastrana (1998-2002). No processo, o presidente chegou a ceder à guerrilha uma zona desmilitarizada próxima ao município colombiano de San Vicente del Caguán, em Caquetá. As ações da guerrilha não diminuíram durante os diálogos  —  inclusive, no mesmo período, as FARC passaram por uma fortificação bélica. Dessa maneira, as negociações foram suspensas em 2002, logo após o sequestro de um avião comercial. Logo após a suspensão das negociações de paz é que as FARC sequestram a candidata à presidência Ingrid Betancourt e sua assessora política, Clara Rojas. As duas foram libertadas seis anos depois.

Ingrid Betancourt (ao centro) no dia de sua libertação, em 2008, ao lado da mãe e do então ministro da Defesa e depois presidente, Juan Manuel Santos. Foto: Associated Press.

Perante essa impassibilidade das Forças Armadas colombianas, a partir de 2000, entrou em vigor o Plano Colômbia, através do qual foram enviados bilhões de dólares dos Estados Unidos para a Colômbia, com o objetivo de financiar operações contra o narcotráfico e contra os grupos insurgentes presentes no território andino. É importante salientar que essa estratégia foi posta em prática por interesse dos Estados Unidos de diminuir a entrada de drogas em seu território provenientes da Colômbia.  

O Plano Colômbia esteve oficialmente em vigor até 2008, ano em que as quantias repassadas começaram a diminuir. Até então, aproximadamente 4,9 bilhões de dólares já haviam sido repassados para o governo colombiano. Sob a perspectiva internacional, foi uma estratégia bem sucedida por acabou por ter enfraquecido as FARC, levando os principais comandantes do movimento à morte diversos de seus comandantes, como Raúl Reyes e o próprio Marulanda.

NOVOS DIÁLOGOS NO NOVO SÉCULO

O presidente da Colômbia, Juan Manuel Santos, durante a declaração onde anunciou o novo acordo de paz com os guerrilheiros das FARC, em 2016. Foto: FotosPúblicas.

Já durante o primeiro mandato de Juan Manuel Santos, em 2012, é confirmado o início das negociações de paz com as FARC que seriam desenvolvidas em Havana, Cuba, e intermediadas por Cuba e Noruega. Após seis meses de conversas, as duas partes anunciaram o primeiro acordo firmado sobre a política de desenvolvimento agrário, o primeiro ponto de seis previstos na agenda de negociações.

Também durante 2013, as FARC reconheceram pela primeira vez que, ao longo de todo o conflito, foram deixadas vítimas em todo o território colombiano, e uma Comissão da Verdade foi estabelecida para averiguar os crimes de lesa humanidade que foram cometidos. A participação política das FARC, segundo ponto da agenda de negociações, foi acordada em outubro de 2013, ficando decidido que o grupo guerrilheiro não apenas teria sua representatividade política legitimada, como também nos dois próximos processos eleitorais nacionais (2018 e 2022), seu partido terá a disposição vagas mínimas tanto na Câmara alta, quanto na Câmara baixa, mesmo se não alcançarem o mínimo de votos suficientes para ocuparem os postos. A legenda foi lançada em 2017 sob o nome de Força Alternativa Revolucionária do Comum, mantendo a sigla FARC.

Um dos principais entraves das negociações de paz foi superado no final de 2015, quando definiram a primeira data para o acordo final entre entre o governo colombiano e o grupo guerrilheiro, então previsto para 23 de março de 2016. 

No entanto, o dia chega e o acordo final é postergado indefinidamente, criando um clima de pessimismo na população colombiana. Apenas em 23 de agosto de 2016 é que as negociações foram concluídas, totalizando mais de três anos de conversas. Alguns dias depois, teve início o cessar-fogo bilateral definitivo, atitude que não ocorria desde 1984. O acordo final foi assinado na cidade colombiana de Cartagena das Índias, em setembro. O processo foi o mais duradouro e mais bem sucedido da história do conflito colombiano, sob a ótica internacional.

E AGORA, A COLÔMBIA ESTÁ EM PAZ?

Não exatamente. As FARC estão finalizando o processo de desarmamento total previsto no acordo firmado com as autoridades de Bogotá e se preparam para atuar na esfera política como um partido legítimo. Em setembro de 2017, as FARC formaram o novo partido Força Alternativa Revolucionária do Comum.

No entanto, a principal ameaça que atualmente preocupa as autoridades colombianas é o ELN (Ejército de Libertación Nacional), outro grupo guerrilheiro que surgiu no mesmo período que as FARC e com o qual o governo de Juan Manuel Santos também iniciou diálogos pacíficos, processo que se tornou público apenas em 2017. O grupo vem constantemente desrespeitando as conversas e atuando de forma violenta em todo o território colombiano. Além disso, novos grupos têm chamado a atenção das mídias colombiana e internacional.

Não só o governo colombiano tem urgência em apaziguar seu país, como também diversos organismos internacionais estão preocupados com a situação colombiana. De acordo com a Agência da ONU para Refugiados, a Colômbia é um dos países com mais deslocados internos do mundo. A situação humanitária na Colômbia chega a ser comparada com a Síria e o Sudão do Sul, sendo bastante expressiva no cenário internacional. Assim, embora vários passos em direção à paz já tenham sido tomados na Colômbia, a linha de chegada ainda parece estar bem distante.

Gostou do conteúdo? Ficou mais fácil entender os acordos de paz e a história das FARC? 

Fontes (ordem de aparição no texto): Indexmundi; História da Revolução Cubana; Stanford; WilsonCenter; The Economist; La Republica; El Tiempo; El Tiempo 2; El Espectador; GAO Portal; ABC News; El Tiempo: proceso de paz; El Tiempo: CMS; Semana: Atentado Centro Andino; ONU Refugiados. GMH. ¡BASTA YA! Colombia: Memorias de guerra y dignidad. Bogotá: Imprenta Nacional, 2013; Força Alternativa Revolucionária do Comum.

Última atualização em 12 de setembro de 2017.
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Lange, Maria. As FARC e o governo colombiano: entre a guerra e a paz. Politize!, 4 de julho, 2017
Disponível em: https://www.politize.com.br/farc-entre-a-guerra-e-a-paz/.
Acesso em: 3 de nov, 2024.

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