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Governabilidade: o xadrez político e a relação de poderes

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A governabilidade é um elemento-chave presente no sistema político de um país democrático. Tal conceito se estabelece na relação entre os poderes Executivo e Legislativo e a adoção de uma agenda de governo.

No Brasil, a governabilidade está associada ao modelo de presidencialismo de coalizão, visto que é indispensável que o presidente da República negocie com o Congresso Nacional para viabilizar – a partir de alianças e coalizões – que seus projetos sejam aprovados.

O ex-deputado federal e ex-presidente da Câmara dos Deputados, Ulysses Guimarães, uma vez declarou que o “governo no Brasil é presidente da República mais o Congresso Nacional; presidente sem Congresso não governa”. Esta afirmação tem ligação direta com a governabilidade e seus desdobramentos. Mas por quê? Venha conferir!

Veja também nosso vídeo sobre presidencialismo!

O que é governabilidade e qual sua importância?

Saiba o que é governabilidade. Foto: Freepik.

A governabilidade se refere às condições favoráveis para o exercício do poder de forma legítima em um regime democrático. Desta forma, observa-se a capacidade de integrar interesses distintos em prol de um objetivo ou agenda.

A forma que a governabilidade é exercida é por meio de capacidade política. Esta capacidade se dá por meio de articulações, composição de alianças e coalizões entre grupos políticos. Estes atores mantêm negociações acerca de seus temas de interesse, barganhando politicamente e buscando influência na política.

O conceito de governabilidade implica na necessidade de que mecanismos do sistema político permitam a atuação dos atores envolvidos, para que estes tomem decisões acerca da implementação de políticas públicas e administrativas. 

Logo, a maior governabilidade indica que há maior entendimento na mobilização desses atores.

De forma prática, seja em um sistema parlamentarista ou presidencialista, a governabilidade decorre da relação de capacidade entre o poder executivo em coordenar uma agenda política conjunta com o poder legislativo.

O objetivo do governo é aumentar a taxa de aprovação da agenda política e, em um regime democrático, a aprovação necessita da avaliação do parlamento.

Fonte: Pixabay – Congresso Nacional.

A importância da governabilidade é atribuída pela legitimidade do regime democrático, uma vez que há apreciação e entendimento das pautas por atores políticos vinculados aos dois poderes. Além disto, o conceito quando positivo (oposto a ingovernabilidade), evita a paralisia decisória do sistema, cooperando para a consolidação do sistema governamental.

Diferença entre governabilidade e governança

Como visto acima, o conceito de governabilidade se orienta para a existência de mecanismos políticos que permitem a tomada de decisão para fins de administração política, através da coordenação dos atores envolvidos. A estrutura do sistema político em si pode variar o nível de governabilidade.

A governança se refere às estratégias adotadas por estes atores políticos para produzir determinada política pública. É voltada aos meios instrumentais da governabilidade, a capacidade financeira e técnica para colocá-la em prática e atingir metas coletivas.

O Banco Mundial traz o seguinte significado para governança:

“é a forma como o poder é exercido na gestão dos recursos econômicos e sociais de um país para o desenvolvimento […] a maneira pela qual funcionários e instituições públicas adquirem e exercem a autoridade para moldar políticas públicas e fornecer bens e serviços públicos […] capacidade do governo de formular e implementar efetivamente políticas sólidas”.

Enquanto a governabilidade decorre da capacidade política para exercício do poder através da incorporação de múltiplos interesses da sociedade – atribuindo um sentido comum após adoção de uma agenda -, a governança se refere às qualificações técnicas, financeiras e gerenciais das instituições e seus funcionários para produção de políticas públicas.

Governabilidade em regimes parlamentaristas e presidencialistas

A partir da caracterização multipartidária do regime político em determinado país, há grande chance de que a estrutura de governo se baseie em coalizões. Tal atributo se aplica a sistemas parlamentaristas e presidencialistas.

O que se altera em ambos os sistemas é a forma de que a figura do Poder Executivo é eleita. Em sistemas parlamentaristas, o primeiro-ministro é eleito de forma indireta pelo parlamento, sendo que este costuma ser o líder do partido que conquistou o maior número de cadeiras, presumindo um apoio majoritário dos parlamentares.

Para que o primeiro-ministro se mantenha no cargo, seus atos têm que estar alinhados com a maioria formada no parlamento. Em outros casos, se o primeiro-ministro estiver fragilizado, a oposição pode manifestar o voto de desconfiança ao governo e, se o voto vencer, pode levar à dissolução de seu governo.

Nestas circunstâncias, o primeiro-ministro precisa de apoio parlamentar em dois sentidos: para manutenção de seu governo, evitando a moção de desconfiança, e para obter sucesso no avanço de suas propostas políticas.

Já no presidencialismo, o presidente é escolhido pelo voto direto dos eleitores, ou seja, não há dependência com o Poder Legislativo. O chefe do Executivo possui um mandato fixo e, caso queira, pode governar sem apoio do Legislativo.

Na teoria, presidentes podem governar com minoria legislativa sem que sofram a ameaça de uma dissolução de seu governo. Entretanto, tal posicionamento irá afetar a sua governabilidade e a possibilidade de exercer sua agenda política, sem falar em casos de apoio em um cenário de impeachment, que também possui um caráter político.Contando com a necessidade de governabilidade e apoio parlamentar, o presidente tende a cooperar e criar condições para negociação com o Poder Legislativo em troca de suporte. A coalizão chega a ser frequente, assim como em regimes parlamentaristas.

Governabilidade no Congresso Nacional

No caso do presidencialismo brasileiro, o Congresso tem poder para vetar projetos que tenham origem do Poder Executivo, portanto, a falta de governabilidade poderia causar uma paralisia decisória na administração pública federal.

A condução da coalizão depende da cooperação dos diversos atores políticos e, assim como em outras democracias, envolve negociação e barganha política. Estes pontos de negociação são inerentes à relação entre Executivo e Legislativo, e não necessariamente consistem em corrupção ou atos ilícitos.

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O sistema político brasileiro atualmente é estruturado pela atuação política da coalizão de governo. A tomada de decisão ocorre a partir do entendimento e o presidente emprega sentido a coalizão a fim de que as políticas públicas sejam desenvolvidas.

A coalizão geralmente possui orientação partidária, pois negociar diretamente com um parlamentar em particular demandaria mais tempo para se alcançar os congressistas individualmente e sua base seria mais pulverizada.

Lembrando que no Brasil há uma grande fragmentação partidária, ademais, dentro dos próprios partidos pode haver fracionamento ideológico. Partidos pouco disciplinados, parlamentares interessados em benefícios particulares e falta de conexão identitária com os valores partidários podem dificultar a articulação planejada pelo governo federal.

Veja também: Fragmentação partidária: afinal, por que temos tantos partidos políticos?

Após a Constituição de 1988, foi  atribuído ao Poder Executivo a atividade de formular as leis, não desconsiderando o Poder Legislativo a esta questão.

Neste cenário, o Legislativo fica encarregado de emendar os projetos propostos e operar como coalizão, considerando o papel dos partidos da base, resultando em políticas da coalizão. Estes corrigem e aperfeiçoam os projetos e colaboram com a implantação da agenda do governo.

O poder de agenda dos presidentes da Câmara e do Senado somado ao poder decisório dos líderes de partidos políticos, bem com as regras internas do parlamento, apresentam ao presidente a necessidade de voltar seus olhos ao Legislativo para procurar apoio político.

A negociação política é ordenada em torno dos partidos políticos. Não há como o presidente impor sua agenda programática sem a cooperação dos líderes partidários e seus integrantes.

A partir deste ponto, a coalizão de governo confere ao poder Executivo não apenas a figura de ator central da gestão pública, mas desempenhando um papel de ator coletivo. A coalizão apresenta um caráter mais abrangente e une os partidos de sua base ao mesmo corpo político.

Tal fato ocorre porque o partido do presidente sozinho não consegue eleger a maioria das cadeiras no Congresso Nacional.

“As coalizões são, então, o resultado de um processo de barganha política na qual os partidos abandonam a agenda defendida durante a eleição para adotarem em conjunto a agenda de toda a coalizão” – Michael Laver e Norman Schofield [1].

Aspectos da governabilidade no presidencialismo de coalizão

O presidencialismo de coalizão já foi apresentado aqui na Politize!, desta forma, vamos nos limitar ao aspecto da governabilidade nesta configuração política.

O termo foi elaborado por Sérgio Abranches, em 1988, destacando o dilema institucional brasileiro: propensão à instabilidade política ocorrida até a nova República.

Elementos institucionais como o presidencialismo, o federalismo, o bicameralismo, o multipartidarismo (altamente fragmentado) e a representação proporcional criaram um arranjo propenso ao conflito, assim, o presidente teria dificuldade de aprovar sua agenda.

A caracterização multipartidária somada à representação proporcional de uma sociedade com grande diversidade social, traz consigo a necessidade da formação de coalizões, necessitando de uma composição de alianças com grande capacidade para negociar.

Autores apontavam para as dificuldades deste sistema de presidencialismo de coalizão, afirmando a respeito de sua instabilidade (possível conflito entre os poderes) e ao alto risco que o desempenho do governo poderia apresentar para a coalizão – envolvendo também pontos ideológicos que compõe a coalizão, podendo ocasionar paralisias decisórias.

Além disso, a ingovernabilidade também poderia ser causada pelo legislativo altamente fragmentado. Através do sistema político brasileiro, novos partidos teriam estímulos para serem criados, permitindo a entrada de novos atores com poderes de veto ao Executivo.

Gradativamente a literatura sobre o modelo de coalizão e a governabilidade em países presidencialistas multipartidários mostrou a existência de mecanismos capazes de incentivar a articulação entre os atores políticos.

O arranjo em torno da base política confere uma política da coalizão e as emendas nas propostas do Executivo se tornam frequentes. Desta forma, a paralisia decisória – que havia sido levantada inicialmente – não se desenvolve e as decisões de políticas públicas são tomadas, sendo o poder Executivo o autor de muitas delas.

Veja também: Você sabe o que é uma PEC?

Temos que lembrar que a aliança política com o Executivo não envolve apenas benefícios aos partidos, mas também pode envolver custos. Há um custo de alinhamento, principalmente em momentos de percepção negativa sobre o chefe do Executivo.

Taxa de sucesso, dominância e disciplina partidária

Há três métricas que nos ajudam a avaliar o sistema de coalizão, ou seja, o quanto ele é governável, estas são: taxas de sucesso, dominância e disciplina partidária.

A taxa de sucesso do Executivo demonstra a proporção de projetos que foram aprovados (Projetos de Lei, Medidas Provisórias, Propostas de Emenda à Constituição, Projeto de Lei do Congresso Nacional – PLN, etc) em relação ao total de projetos apresentados por este poder.

A taxa de dominância é caracterizada pela divisão do número de leis enviadas pelo Executivo que foram aprovadas pelo total de leis aprovadas no mesmo período.

Se uma matéria partir do poder Executivo e for alterada no Congresso, esta lei contabiliza para as taxas de sucesso e dominância do Executivo.

Ambas as taxas referentes aos governos brasileiros a partir de 1989 podem ser encontradas no Monitor Legislativo no site do Observatório do Legislativo Brasileiro. Vale a pena conferir a presença do Executivo frente ao Legislativo desde o início do período de redemocratização.

Há também a taxa de disciplina partidária, que expressa o apoio médio dos partidos de coalizão referente às propostas do Poder Executivo.

Esta última taxa considera as votações que os parlamentares expressaram abertamente seus votos, que tenham atingido quórum mínimo e que não foram unânimes. Levando estes dados em conta, é comparado o posicionamento do líder do governo com cada um dos parlamentares membros da coalizão.

Taxa de apoio médio dos partidos de coalizão no Brasil (1989 – 2018). Fonte: Banco de dados do Legislativo do CEBRAP – Elaboração: LUZ; AFLALO; DUTRA, 2018 [1].

O gráfico aponta que desde 1989 não houve apoio da coalizão menor do que 70%. A coalizão na maioria das vezes votou de forma conjunta com o governo, atestando o alinhamento político.

Através desta coordenação, o governo trabalha para garantir uma maioria parlamentar e, assim, garantir a governabilidade.

E aí, ficou alguma dúvida em relação a governabilidade? E referente ao sistema político brasileiro? Fique à vontade para compartilhar com a gente! Deixe suas dúvidas e opiniões nos comentários!

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Olá, prazer! Sou graduado em Relações Internacionais e atualmente curso a pós graduação em Ciência Política pela FESPSP. Lembro que desde o início da minha graduação me senti atraído por todos os aspectos teóricos discutidos em sala de aula, me encontrei fazendo parte do debate político e, particularmente, me interessei pelo desenvolvimento da agenda ambiental internacional. A curiosidade de entender o mundo e os movimentos sociais – até mesmo indagando os clássicos teóricos – me servem de combustível para compreender um pouquinho mais os vínculos entre as relações econômicas, as dinâmicas de Estado, a história, o direito legal, enfim, esse universo de coisas que se apresentam no campo político, fruto de processos que foram construídos socialmente.

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29 abr. 2024

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