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Ilusão política: a democracia falha em cumprir suas promessas?

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Atualmente, está em voga no debate político o termo “democracia”. Certamente, vivemos em uma e a defendemos com fervor, mas você já se perguntou o que ela realmente significa? Seria a melhor maneira de garantir nossos direitos ou será que a democracia falha?

Seria ela apenas o modelo que se consolidou com o passar dos anos e, dessa forma, não é alvo de críticas? Ou as pessoas que não compreendem suas reais possibilidades e limitações?

No decorrer deste texto, iremos explicar todas as nuances desse modelo, suas origens, mudanças ao longo dos séculos e, ainda, mostrar que nem tudo são flores e a democracia falha em muitas das suas promessas e preceitos. Acomode-se, beba uma xícara de chá e vamos lá!

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Na democracia, o poder emana do povo. Imagem: Freepik.

O que é democracia?

Por mais que seja um termo comum e muito falado, será que sabemos seu real significado? É bem provável que não, assim como afirmava o famoso filósofo Heidegger, quanto mais um termo é empregado no dia a dia, mais ele cai em desuso e passa a ser um conceito supérfluo, muito dito mas pouco entendido.

Com a “democracia” não é diferente, mas devemos reconhecer a dificuldade em lhe conferir atributos, visto que ela surgiu há cerca de 2500 anos e, desde então, sofreu uma série de significações de acordo com o governo e época em que estava sendo utilizada.

Vamos focar em cinco aspectos na nossa análise do termo: sua origem etimológica, suas três tradições históricas que confluem na teoria contemporânea e, por fim, a conceituação elencada pelo jusfilósofo Norberto Bobbio, o qual conseguiu encontrar o justo-meio entre tantas acepções.

Veja também nosso vídeo sobre democracia!

Etimologia da palavra e tradição clássica

A origem etimológica da palavra “democracia” remonta ao século V a.C. na região de Atenas e significa o poder (kratos) do povo (demos). Sendo assim, o termo representa a ideia de que os cidadãos detêm o poder político e são soberanos em suas decisões e deliberações.

Essa significação vai diretamente ao encontro da tradição aristotélica/clássica da palavra, a qual afirma que a democracia, como governo de todos os cidadãos, ou seja, de todos aqueles que gozam dos direitos de cidadania, distingue-se da monarquia, como governo de um só, e da aristocracia, como governo de poucos.

VOCÊ SABIA QUE: Aristóteles possuía uma visão bem interessante da democracia. Para ele, ela seria o governo do povo, da maioria e, portanto, dos pobres.

Esse argumento faz bastante sentido, pois Sólon, tido como pai da democracia ateniense, instituiu esse regime para evitar uma guerra civil motivada pela concentração da propriedade de terra e a alta taxa de escravidão por dívidas, fato que desfavorecia os pobres.

Algumas características dessa tradição são bem evidentes, como:

1) isocracia (igualdade de poder entre os cidadãos para cada um contribuir em igual medida na gestão da pólis);

2) isegoria (igualdade e liberdade para proclamar em praça pública);

3) eleuteria (não submissão à vontade arbitrária de outra pessoa);

4) responsabilidade de prestação de contas e, por fim, eleições realizadas por meio do sorteio (embora não em todos os cargos). Em resumo, uma democracia direta.

A democracia ateniense pode ser chamada de radical, não por ser extrema (embora, talvez, seja), mas por estar na raiz da ideia de democracia.

Tradição medieval

A teoria medieval possui origem romana e é apoiada na soberania popular, na qual há a contraposição de uma concepção da soberania conforme o poder derivado do povo e se torna representativo, ou deriva do príncipe e se transmite por delegação do superior para o inferior.

Tradição moderna

A teoria moderna, elaborada por Maquiavel, nasceu com o Estado moderno na forma de monarquias. Neste novo paradigma, o governo de base popular é chamado, em vez de democracia, de república. A democracia, a partir daqui, é reduzida a um modo de gerir a administração de um governo, e não mais um sistema ou forma de governo.

E então, o que temos hoje?

Como dissemos, essas três tradições são as que contribuem para a compreensão da democracia nos tempos atuais, ou seja, podemos enxergar características de todas elas nos sistemas políticos contemporâneos.

Pensando em sintetizar um histórico milenar de ideias de maneira a universalizar o termo “democracia”, Norberto Bobbio desenvolve escritos muito importantes. Segundo ele, a democracia pode ser entendida sob dois lados de uma mesma moeda, isto é:

1) Democracia formal: o conjunto de regras de procedimento para a constituição do governo e para a formação das decisões políticas;

2) Democracia substancial: a qual pressupõe um conjunto de fins ideais — igualdade jurídica, social e econômica — independentemente dos meios adotados para os alcançar.

Essas noções distintas se complementam no conceito que Bobbio explicita, visto que o ideal igualitário que o inspira (democracia como valor – substancial) se realiza somente na formação da vontade geral fundamentada por regras e procedimentos (democracia como método – formal).

O sistema democrático se estende por alguns objetivos, os quais buscam alcançar o resultado mais próximo de sua aspiração que, em um contexto pluralista, são:

  1. liceidade de dissenso;
  2. participação mais ampla das pessoas nos assuntos públicos por meio de associações, partidos, sindicatos, etc;
  3. descentralização do poder em diversos polos, nos quais cada grupo encontrará sua identidade e representatividade.

Portanto, a democracia hoje é dividida em seus fins e métodos. Mas a grande problemática surge agora: ela consegue cumprir com suas promessas, seus objetivos, ou ela falha?

A democracia falha em seu próprio excesso

Podemos identificar a falha da democracia quando ela não cumpre com o que prometeu e, dessa forma, os governos acabam por não conseguir controlar os conflitos e demandas que surgem na sociedade.

Com isso, podemos elencar os cinco fatores principais que causam essa situação:

  • sobrecarga de demandas;
  • excesso de dissenso;
  • poder difuso;
  • sobrecarga financeira e
  • crise de legitimação do poder central.

Antes de prosseguirmos, é importante notar que todas essas problemáticas se referem não apenas ao descumprimento dos objetivos democráticos, mas também ao excesso de alguns preceitos ligados a valores desse regime político.

1) No que diz respeito à sobrecarga de demandas, ela caracteriza um cenário em que as exigências dos cidadãos atingem um número tão extremo que os governos não conseguem responder tais demandas.

Esse fenômeno acontece devido a alguns fatores, como a liberdade de deliberação popular e a facilidade de encaminhamento de propostas ao poder central, além do próprio aparato burocrático presente nos sistemas políticos, o qual torna a resolução de problemas um longo e cansativo processo.

2) Quanto ao excesso de dissenso, ele possui as mesmas raízes do exemplo citado acima: promoção do debate plural, bem como direito à discordância. Inicialmente, é evidente que isso representa algo benéfico que a democracia traz consigo, mas até mesmo essas características possuem limites.

O grande problema das discussões entre diferentes é quando alguma das partes (ou ambas) desarticula totalmente as demandas do grupo oposto para apenas satisfazer a sua própria, característica marcante não de regimes democráticos, mas de autocráticos.

3) O poder difuso, assim como os outros fatores citados, não é por si só algo ruim, mas o seu excesso sim. A atual sociedade é marcada pelo pluralismo, isto é, pela presença e influência de vários polos de poder, fato este que evita a centralização de decisões em um grupo seleto de pessoas.

Porém, essa fragmentação em excesso pode preceder uma consequência maléfica: a polarização e o possível revanchismo entre grupos opostos, marcando um cenário de forte instabilidade social e política, tal como é perceptível em países com lideranças extremistas e radicais.

4) Já a sobrecarga financeira é bem semelhante à sobrecarga de demandas: a abertura para participação de todos os cidadãos invoca o caráter assistencial do Estado, e isso traz o iminente risco de ele não conseguir atender as demandas da população.

Mas, por outro lado, existe mais um risco, que é o Estado conseguir atender as demandas da população e isso causar déficits financeiros devido ao crescimento mais rápido dos investimentos, custos dos programas públicos e das solicitações salariais do que o produto nacional).

Para entendermos o problema citado acima, é necessário traçarmos um paralelo histórico: a situação social e econômica da grande massa populacional antes e depois da conquista do sufrágio universal.

Em um momento anterior, era perceptível a negligência do poder central com a população, visto que os interesses populares não eram assunto de pauta e de interesse político, de modo que programas sociais eram inexistentes.

Contudo, com a conquista do espaço público por parte dos cidadãos, a necessidade da garatia de seus direitos fundamentais passou a dominar os assuntos governamentais. Com isso, as despesas nacionais aumentam, mas tal fato não é uma adversidade; a adversidade surge quando essas despesas são desproporcionais com a acumulação de riquezas internas.

Essa problemática, nas devidas proporções, pode acarretar em profundas crises nos países. As soluções para elas tendem a ser bastante polêmicas, visto que marcam a clara diferença entre aqueles que preferem um Estado pouco participativo nas questões econômicas e aqueles que defendem o contrário disso.

Sendo assim, a grande dificuldade, nesse caso, reside na tentativa de equilibrar o estado de bem-estar social com o capital disponível e requerido por meio de taxações e impostos.

5) Por fim, mas não menos importante, existe o risco da crise de legitimação do poder central, que é o resultado de tudo aquilo que foi apresentado até o momento.

Algumas das principais regras do jogo democrático dizem respeito à forte participação popular nos assuntos públicos e o direito ao dissenso, mas se não forem acompanhadas por um governo fortemente estabelecido, transparente e plural, de nada irá adiantar.

Dessa maneira, é necessária a legitimação das próprias instituições políticas que conferem legalidade a governos e pessoas. Do contrário, situações de instabilidade serão frequentemente instauradas.

Veja também nosso vídeo sobre a democracia no Brasil!

Mais vale um copo meio cheio do que transbordando

Ainda mesmo nas circunstâncias benéficas, a excessividade configura-se como uma transgressão. Imagem: pexels.

Portanto, é evidente que todos esses riscos se referem ao excesso dos próprios preceitos da democracia, o que torna mais difícil ainda evitá-los.

Mas isso não significa que devemos rejeitar esse modelo e partir para outro. Até porque, como foi dito, a democracia assume, atualmente, o papel de indicar os objetivos e métodos que visam cada vez mais a garantia e respeito pelos cidadãos e suas necessidades.

A falha da democracia não deve ser encarada como uma falha intrínseca do sistema, mas uma articulação equivocada de suas características.

A fim de evitar tais erros, podemos pensar em soluções estruturais, como um melhor funcionamento dos órgãos decisionais; e individuais, como um maior engajamento político e o entendimento dos limites impostos pelos pressupostos democráticos. Dessa maneira, é possível evitar que o “copo” da democracia encha demais e acabe transbordando.

Então é isso, caro(a) leitor(a). A democracia está para além de um simples modelo político, ela é um conjunto de regras e objetivos que, caso não cumpridos (ou cumpridos em excesso, ao pé da letra) podem levar a falhas desastrosas.

Cabe a cada um de nós estudar e entender como esse fenômeno e outros ocorrem na sociedade, e para isso indicamos os demais conteúdos presentes aqui no portal Politize!.

E você, acredita que os princípios democráticos podem ser melhor executados? Deixe sua opinião nos comentários!

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Conteúdo escrito por:
Apaixonado por games e futebol. Graduando em Filosofia (UFSJ) e possuo Iniciação Científica e artigos publicados na área de Filosofia Política Contemporânea, com ênfase na análise do sistema democrático. Além disso, nos meus atuais estudos e pesquisas, busco uma intersecção entre assuntos que pertencem ao campo político com a neurociência e psicologia comportamental, a fim de compreender a tomada de decisão dos indivíduos na vida pública, bem como as influências de discursos e demais veiculações na escolha popular por um representante.

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23 abr. 2024

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