Jânio Quadros é uma das figuras mais marcantes da história política brasileira. Conhecido por suas posturas excêntricas e seu discurso anticorrupção, ele conquistou a presidência da República com uma campanha populista que cativou o eleitorado. Seu governo, curto e cheio de fatos curiosos, é até hoje um dos mais discutidos pela historiografia no país.
Neste texto, a Politize! vai te mostrar como foi a trajetória de Jânio, passando por curiosidades e medidas controversas que o tornaram um dos presidentes mais polêmicos da nossa história.
A vida de Jânio Quadros antes da política
Jânio Quadros nasceu no dia 25 de janeiro de 1917 em Campo Grande, atual capital de Mato Grosso do Sul (à época, parte do estado de Mato Grosso). Filho de Gabriel Quadros e Leonor da Silva Quadros, Jânio passou parte da infância em Curitiba, mas mudou-se ainda jovem para São Paulo.
Na capital paulista, formou-se em 1939 na Faculdade de Direito do Largo São Francisco, parte da então recém-fundada Universidade de São Paulo. Apesar de ter atuado por um curto período na advocacia, sua principal fonte de renda vinha das aulas de português e geografia que ministrava em colégios tradicionais da cidade, como o Dante Alighieri e o Vera Cruz.
Jânio era conhecido por ser um professor rígido. Não permitia que as alunas usassem batom e obrigava os alunos atrasados a entrarem pela janela. Apesar disso, era querido pelos estudantes, que viriam a ser importantes cabos eleitorais em suas campanhas.
O início da carreira política de Jânio Quadros
Jânio Quadros ingressou na política como vereador em São Paulo. Eleito pelo Partido Democrata Cristão (PDC) com 1.707 votos, ele rapidamente ganhou notoriedade com seu estilo populista e uma mescla de apoio a bandeiras da esquerda e da direita.
Ao mesmo tempo em que denunciava as más condições dos trabalhadores e atacava as grandes empresas, Jânio abraçava pautas moralistas, como o combate à exibição de seios no cinema.
Em 1950, foi eleito deputado estadual e teve um mandato marcado pela defesa da moralização do serviço público, com uma pauta anticorrupção, e pelo início de uma ascensão meteórica na carreira política.
Jânio Quadros prefeito e governador de São Paulo
Com o crescimento da popularidade, Jânio Quadros candidatou-se à prefeitura da capital paulista pela coligação PDC-PSB nas eleições de 1953, as primeiras desde o início da Era Vargas, em 1930.
Seu principal adversário na disputa era Francisco Cardoso, apoiado por um grande número de partidos e pelos governos municipal e estadual. Com uma campanha modesta, conhecida como “o tostão contra o milhão”, em alusão aos elevados gastos publicitários da campanha rival, Jânio surpreendeu ao vencer com uma ampla vantagem: 65,8% dos votos contra 26,6% de Cardoso.
A passagem pela prefeitura foi breve e ficou marcada pela melhoria no sistema de transporte coletivo e pelas demissões em massa de funcionários públicos, com um intuito moralizador de combate à corrupção. Jânio licenciou-se do cargo em 1954 para candidatar-se ao governo do estado, agora pelo Partido Trabalhista Nacional (PTN).
Mais uma vez, o político novato tinha um forte oponente: o ex-governador Adhemar de Barros, que havia ocupado o cargo em duas ocasiões. A primeira, enquanto interventor nomeado por Getúlio Vargas durante a ditadura do Estado Novo, e a segunda de 1947 a 1951, eleito pelo voto popular.
Jânio saiu vitorioso da acirrada disputa, com 35,22% dos votos, contra 34,25% do adversário – menos de 1 ponto percentual de diferença. Como governador, adotou uma postura de oposição ao presidente Juscelino Kubitschek (JK) e de austeridade fiscal, buscando reduzir a dívida deixada pelas administrações anteriores.
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Jânio Quadros na presidência da República
Agora que conhecemos um pouco da vida pessoal de Jânio Quadros e do início de sua trajetória na política, veremos como foi sua passagem pela presidência do Brasil, desde a emblemática campanha eleitoral até a misteriosa renúncia.
A campanha presidencial: populismo e excentricidade
A campanha presidencial de Jânio Quadros nas eleições presidenciais de 1960 foi um espetáculo à parte. Adotando a vassoura como símbolo, ele prometia varrer a corrupção do Brasil. Seu jingle “varre, varre, vassourinha“, um dos mais famosos na história política brasileira, reforçava a mensagem moralizadora do candidato. Ouça um trecho e veja a letra abaixo:
Varre, varre, vassourinha!
Varre, varre a bandalheira!
Que o povo já está cansado
De sofrer dessa maneira
Jânio Quadros é a esperança desse povo abandonado
Jânio Quadros é a certeza de um Brasil moralizado
Alerta, meu irmão!
Vassoura, conterrâneo! (tsh, tsh, tsh)
Vamos vencer com Jânio!
Outro elemento curioso na construção de sua imagem era o desleixo: Jânio costumava guardar sanduíches de mortadela nos bolsos do paletó e despejar talco nos ombros para simular caspa, com o intuito de reforçar a imagem de homem simples e “do povo”.
Além do PTN, faziam parte de sua coligação outros quatro partidos, sendo o principal deles a União Democrática Nacional (UDN), de Carlos Lacerda. Representante do conservadorismo, a UDN via o apoio a Jânio como oportunidade de ampliar sua influência, após uma série de derrotas nas corridas presidenciais.
Com um discurso populista capaz de conquistar apoiadores tanto na classe trabalhadora quanto nos setores mais conservadores, Jânio venceu as eleições com 48,26% dos votos, contra 32,94% do Marechal Henrique Teixeira Lott, apoiado por JK.
Na disputa pela vice-presidência, o vencedor foi o candidato da chapa adversária, João Goulart (à época, a escolha do presidente e do vice se dava por votações distintas e independentes entre si). Jango, como era conhecido, havia sido ministro do Trabalho de Vargas e tinha posições ligadas à esquerda e ao trabalhismo, vertente política centrada na defesa de interesses dos trabalhadores e do movimento operário.
O governo de Jânio Quadros: austeridade e polêmicas
O governo de Jânio Quadros começou em 31 de janeiro de 1961. No dia da posse, o presidente recém-eleito fez um discurso duro contra JK. Com transmissão em cadeia nacional de rádio, a fala destacava a terrível situação financeira do Brasil, culpando o ex-presidente pela inflação e pela dívida externa.
Na tentativa de ajustar a economia, Jânio recorreu ao Fundo Monetário Internacional (FMI), que aceitou conceder um empréstimo sob certas condições, como a desvalorização da moeda nacional.
No entanto, as medidas de ajuste econômico afetaram o poder de compra da população, gerando um aumento do descontentamento com o governo. Além disso, sua relação com o FMI logo se deteriorou, devido ao relaxamento das políticas de austeridade.
Fora da área econômica, o mandato de Jânio é lembrado, sobretudo, pela criação de leis inusitadas. O presidente proibiu as brigas de galo, o uso de biquíni nas praias, de maiô nos concursos de beleza e de lança-perfume no carnaval, bem como as corridas de cavalo durante a semana.
Embora fosse conservador na política doméstica, o presidente adotou uma política externa independente em relação aos Estados Unidos e à União Soviética, potências que se opunham na Guerra Fria. Para evidenciar essa independência, Jânio tomou mais uma medida polêmica: condecorou Che Guevara com a Ordem do Cruzeiro do Sul, o que causou desconforto entre os militares brasileiros.
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A renúncia: mistério e consequências
Mesmo com todas as controvérsias durante o mandato, é possível que a parte mais emblemática do governo de Jânio Quadros tenha sido seu fim, com uma inesperada renúncia em 25 de agosto de 1961.
Em sua carta ao Congresso Nacional, alegou que, apesar de ter tentado combater a corrupção, “forças terríveis” o impediam de governar, sem, no entanto, esclarecer quais seriam essas forças. Ao longo dos anos, os historiadores formularam algumas hipóteses na tentativa de explicar os motivos que levaram Jânio a renunciar.
A mais robusta delas, com base nos depoimentos e documentos da época, é a de que ele teria apostado em um retorno triunfal e com poderes ampliados, acreditando que seria reconduzido ao cargo pelo Congresso ou pelas Forças Armadas.
Os militares, em especial, temiam a posse do vice João Goulart, pois isso significaria uma guinada do governo à esquerda. Para agravar o receio em relação à sua figura, ele se encontrava na China comunista em uma missão oficial, armada pelo presidente.
No entanto, o tiro saiu pela culatra. O Congresso não cedeu à chantagem de Jânio e aceitou sua saída. Após um acordo com os parlamentares e a mudança do sistema de governo para o parlamentarismo, as Forças Armadas permitiram o retorno de João Goulart, que tomou posse no dia 7 de setembro de 1961.
Uma profunda crise política se instalou no Brasil a partir de então, culminando na deposição do novo presidente pelo golpe de 1964. Nesse momento, iniciou-se uma ditadura militar que duraria 21 anos.
A vida política de Jânio Quadros após a presidência
Após sua renúncia à presidência, Jânio Quadros tentou mais uma vez disputar o governo de São Paulo nas eleições de 1962. Dessa vez, porém, foi derrotado, com 35,96% dos votos contra 39,87% de Adhemar de Barros. Logo no início do regime militar, o agora ex-presidente teve seus direitos políticos cassados e passou a dedicar-se a atividades privadas.
Foi apenas em 1982 que Jânio voltou à cena política para concorrer novamente ao cargo de governador. Na ocasião, terminou a disputa em terceiro lugar, atrás de Reynaldo de Barros e Franco Montoro, que saiu vencedor.
Quer saber como foi a treta entre Jânio Quadros e Franco Montoro no debate da Band? Veja este vídeo da Politize!
Em 1985, já após o fim do regime militar, Jânio tentou uma última empreitada eleitoral, agora na disputa pela prefeitura da capital paulista. Fernando Henrique Cardoso (FHC) era favorito para vencer o pleito e, às vésperas da votação, fez uma foto para a Revista Veja sentado na cadeira de prefeito.
No entanto, FHC acabou derrotado, com 35,8% dos votos contra 39,33% de Jânio (à época, ainda não havia segundo turno). Ao tomar posse como prefeito pela segunda vez, ele protagonizou uma de suas cenas mais famosas: entrou no gabinete com um desinfetante e, antes de sentar-se na cadeira, declarou: “estou desinfetando esta poltrona porque nádegas indevidas a usaram”.
Sua segunda passagem pela prefeitura durou de 1986 a 1988. Na ocasião, Jânio foi responsável pela criação da Guarda Civil Metropolitana (GCM) da capital paulista, que existe até os dias atuais.
Os últimos anos da vida de Jânio Quadros
Após 1988, quando terminou seu mandato em São Paulo, Jânio Quadros não ocupou outros cargos políticos. A partir de então, passou a sofrer problemas de saúde e, em novembro de 1990, foi abalado pela morte de sua esposa, Eloá do Vale, com quem teve dois filhos. Faleceu pouco mais de um ano depois, em 16 de fevereiro de 1992.
Jânio talvez tenha sido o presidente mais polêmico da história brasileira, deixando um legado de controvérsias, carisma e mistérios.
E aí, qual das passagens da trajetória de Jânio Quadros você achou mais curiosa? Conte-nos nos comentários!
Referências
- BAUER, Caroline S.; FREITAS, Eduardo P.; CORDEIRO, Jair S.; et al. História do Brasil República. Porto Alegre: Grupo A, 2021.
- Câmara Municipal de São Paulo: O vereador que virou presidente
- Estadão: Acervo – 22 de outubro de 1954
- Estadão: Favorito nas pesquisa, FHC sentou na cadeira de prefeito antes da hora e Jânio desinfetou móvel
- Estado de Minas: O alfabeto visual na corrida pelo voto
- FGV CPDOC: Jânio Quadros
- FICO, Carlos. História do Brasil contemporâneo: da morte de Vargas aos dias atuais. 1. ed., 5ª reimpressão. São Paulo: Contexto, 2022.
- FIDELIS, Thiago. O tostão contra o milhão: a cobertura da campanha pela prefeitura de São Paulo pelo jornal O Estado de S. Paulo (1952-1953). História e Cultura, Franca, v. 5, n. 2. p. 228-254, set. 2016.
- Folha de S. Paulo: Jânio Quadros criou GCM à frente da prefeitura e acumulou controvérsias
- Senado Federal: Arquivo S mostra como Jânio Quadros tentou manobrar a política brasileira
- Senado Federal: Em 1961, Congresso aceitou renúncia e abortou golpe de Jânio Quadros