Personagens da Política Brasileira: quem foi Carlos Lacerda?

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Carlos Lacerda. Imagem: Acervo UH/Folhapress.

A Marquesa de Santos, o Rei “medroso”, o Pai dos Pobres e muitos outros; é certo que a história brasileira está repleta de personagens políticos controversos, não é mesmo?

De alguma forma, determinadas figuras aparecem no cenário político e, conforme sua influência aumenta ou diminui, vão sendo criadas narrativas simbólicas sobre aquilo que elas representam (ou devem representar) no imaginário do povo. Pois bem, Carlos Lacerda é uma delas.

Durante toda a conjuntura da política nacional no século XX, ele se consolidou como uma dessas personalidades polêmicas, eternizado nos livros de história como um dos protagonistas do famoso Atentado da Rua Tonelero, e marcado pela intensa e quase novelística rivalidade com Getúlio Vargas.

Durante o texto, você vai conferir um pouco de sua importância para os capítulos da história brasileira moderna e verá porque sua imagem é cercada de polêmicas e controvérsias. Boa leitura!

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Quem foi Carlos Lacerda?

Nascido em 30 de abril de 1914, no Rio de Janeiro, Carlos Frederico Werneck de Lacerda foi um dos mais influentes jornalistas e políticos brasileiros do século XX, fundador do jornal Tribuna da Imprensa, que viria a se tornar um dos mais fortes símbolos do antigetulismo na década de 50.

Filho e sobrinho de ativistas que se identificavam com a ideologia comunista, seu nome carrega um significado que, ao repassarmos toda sua trajetória política, torna-se no mínimo curioso: o primeiro nome “Carlos”, é uma homenagem de seu pai ao infame filósofo e pai do socialismo científico, Karl Marx. Já o “Frederico” homenageia Friedrich Engels, outro dos principais nomes representativos do marxismo.

Durante toda sua trajetória política e jornalística, Lacerda colecionou grande quantidade de rivalidades, sendo Getúlio Vargas a mais intensa e significativa delas.

Seu jornal Tribuna da Imprensa, fundado em 1949, consolidou-se como um dos mais fortes elementos de pressão para a renúncia do presidente gaúcho no Estado Novo, e muitos apontam que os sucessivos ataques foram parte da causa de seu suicídio, em 1954.

No meio do caminho, transformou-se de comunista radical a conservador cristão; pediu pela ditadura como inevitável solução e a ela se opôs fortemente; e manteve relações conturbadas com outras figuras políticas ilustres como Juscelino Kubitschek, Jânio Quadros e João Goulart.

Morreu em 1977, aos 63 anos, após complicações causadas por uma gripe. Essa versão oficial, porém, é um tanto contestada, e suspeita-se que o jornalista teria sido assassinado a mando da ditadura militar.

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Para alguns, o símbolo da oposição às velhas estruturas abusivas e burocráticas do poder brasileiro; para outros, o maior e mais ridicularizado representante da demagogia e da ausência de um posicionamento político consolidado.

Se esse “gostinho” da história de Carlos Lacerda ativou sua curiosidade e te deixou interessado para saber mais, continue lendo! Vamos dar uma olhada em alguns momentos específicos – e cruciais – de sua carreira política e jornalística:

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Momentos importantes da vida de Carlos Lacerda

Aos 16 anos de idade, assistiu com algum entusiasmo um dos momentos mais decisivos de ruptura com as velhas estruturas oligárquicas da sociedade brasileira: a Revolução de 1930, e acreditava que a ascensão de Getúlio Vargas poderia significar, enfim, a inserção de toda a sociedade na vida pública.

No mesmo ano, já se apresentou ao meio jornalístico e seguiu escrevendo artigos no jornal carioca Diário de Notícias, tecendo duras críticas a diversos personagens do cenário político e ensaiando os futuros caminhos que tomaria como principal oposição na imprensa.

Na juventude, suas convicções políticas de fato fizeram juz ao nome dado pelos pais em homenagem aos revolucionários marxistas.

Iniciou seu ativismo nas organizações estudantis quando cursava Direito na UFRJ, e em 1935 se filiou à Aliança Nacional Libertadora (ANL), importante organização de esquerda anti-imperialista e antifascista que contou com o apoio do Partido Comunista Brasileiro (PCB) e articulou a Intentona Comunista de Luis Carlos Prestes.

Sabendo que a nova ditadura instaurada por Getúlio Vargas em 1937 não pouparia seu ativismo jornalístico e estudantil com orientação marxista, Lacerda se isolou na velha chácara da família localizada em Vassouras – RJ. Lá, conheceu-se e casou com Letícia Abruzzini, que seria sua companheira até o fim da vida.

Rompimento com a esquerda e filiação à UDN

Não seriam assim tão longas as aspirações comunistas de Lacerda, que para alguns eram nada mais nada menos do que o fruto de uma “rebeldia juvenil”, e viriam a divergir enormemente dos rumos políticos tomados pelo carioca durante o resto de sua trajetória.

Em 1939, Carlos Lacerda tinha como importante fonte de renda seus escritos à revista Observador Econômico e Financeiro. Nessa época, o Departamento de Imprensa e Propaganda – órgão do governo ditatorial – ficou responsável pela comemoração do aniversário do Estado Novo e tinha, como uma de suas apelações propagandísticas, o sucesso do combate ao comunismo.

O Observador, que era financiado pelo governo e devia cooperar na divulgação do anticomunismo nessa ocasião, designa Lacerda para escrever um artigo que comprometia gravemente sua ligação com organizações políticas e acadêmicas de esquerda. E não deu outra: após a publicação do artigo, a Revista Proletária e o PCB acusaram o jornalista das mais inaceitáveis traições com o movimento, e esse episódio passou a representar um ponto de ruptura decisivo em suas convicções ideológicas.

Na década de 40, sua conversão à religião católica se juntou ao ressentimento com o movimento comunista para que se desenhassem os novos posicionamentos de Lacerda.

A partir daí, assumiu uma postura intensamente anticomunista, com a opinião de que a doutrina se afastaria radicalmente da realidade popular brasileira, e se filiou ao UDN (União Democrata Nacional), partido mais famoso como representante do pensamento conservador e liberal no país.

Nos seus escritos como jornalista, permanecia no combate ferrenho ao varguismo e seus apoiadores, agora com o adicional de críticas e ataques anticomunistas cada vez mais frequentes.

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O tribuna da imprensa e o forte antigetulismo de Carlos Lacerda

Fundado pelo próprio Lacerda no dia 27 de dezembro de 1949, o Tribuna da Imprensa viria a se constituir não apenas como uma das principais oposições ao segundo governo de Vargas, mas também se tornaria um símbolo da imprensa liberal conservadora, defendendo valores da família, escola e o respeito à atividade profissional e competente dos veículos midiáticos.

O jornalismo, para Lacerda, possuía um papel social indispensável como mentor da opinião pública e orientador da política, e por isso precisava ultrapassar um estado de amadorismo muito comum na época.

Os jornalistas deviam, então, revestir-se de critérios objetivos, regras e normas de comportamento para que se conseguisse atingir a seriedade e o respeito à imprensa no país.

À parte de suas visões sobre o papel do jornalismo sério e de qualidade, sem dúvidas o antigetulismo foi o tema pelo qual o Tribuna da Imprensa mais se destacou no cenário brasileiro nas décadas de 50 e 60.

Toda compreensão fica melhor com um exemplo do que está sendo dito, certo? Confira aqui, a título de ilustração dessa oposição ferrenha de Lacerda ao getulismo, um trecho do jornal do dia 2 de fevereiro de 1951, logo depois da posse de Vargas para o seu segundo governo:

“Havemos de ensinar ao sr. Getúlio Vargas aquilo que hão de fazê-lo muito grato a nós. Vamos ensinar-lhe a cumprir a palavra. Se ele a violar, ou se alguém por ele ou para ele assim agir, estará desmascarado diante da nação o degenerado de São Borja.”

No teatro midiático brasileiro em que se enfrentavam os apoiadores e ferrenhos opositores do governo como o Tribuna, Lacerda dividia o palco com Samuel Wainer, fundador e editor-chefe do jornal Última Hora.

Apreciado por Vargas desde sua criação, o jornal era enxergado como o símbolo das possibilidades de apoio popular que o presidente poderia conquistar durante o mandato.

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Wainer, que era grande amigo de Carlos quando ambos desfrutavam da juventude, tornou-se apenas mais um na longa lista de inimigos que o nosso personagem colecionou durante a vida.

A atuação mais crítica do Tribuna da Imprensa foi no ano de 1954, em que seus ataques ao governo são vistos como potencializadores do suicídio do presidente, no dia 24 de agosto. Apenas 19 dias antes, sucedia-se a dramática crise que viria a desenhar os trágicos acontecimentos futuros: o Atentado da Rua Tonelero.

O que foi o Atentado da Rua Tonelero?

O local é Copacabana, Rio de Janeiro; a data, 5 de agosto de 1954. Carlos Lacerda voltava para casa acompanhado de seu filho e de um oficial da aeronáutica que fazia sua segurança. Na altura do número 180 da rua Tonelero, foram surpreendidos por sucessivos disparos realizados por um grupo de homens.

Sérgio, filho de Lacerda com apenas 15 anos à época, fora levado à garagem de casa e não sofreu lesões; o major Rubens Vaz foi atingido fatalmente no peito, e Lacerda se livrou do atentado que pretendia seu assassinato com um tiro no pé.

Imagem: Diário do Centro do Mundo

Os ataques da oposição ao governo, que já haviam se intensificado desde o início de 1954, ganharam ainda mais força com o atentado, principalmente com a suspeita – e posterior comprovação – de que Gregório Fortunato, chefe da guarda pessoal do presidente, havia sido o mandante do crime.

Não bastasse o escândalo da violência do atentado por si só, as investigações conduzidas pela Aeronáutica acabaram por descobrir uma série de casos de corrupção no Palácio do Catete, inclusive dentre os assessores de Vargas.

Esse famoso episódio, aliado às complexas dinâmicas econômicas que cercavam o Brasil na época, conduziu os rumos políticos do país ao trágico dia de 24 de agosto, quando Getúlio Vargas se suicidou, no interior das instalações do Palácio, com um tiro no coração.

Fora suas contribuições à classe trabalhadora e ao desenvolvimento industrial autônomo do país, Vargas deixou também um dos mais famosos bilhetes de suicídio da história, que termina com a ilustre sentença: “dou o primeiro passo no caminho da eternidade e saio da vida para entrar na História”.

Sua relação dúbia com a ditadura e a Frente Ampla

Já nos momentos mais críticos do segundo governo varguista, Lacerda defendia intervenções militares como única solução na tentativa de encontrar melhores caminhos políticos.

Alguns anos depois, em 1960, o jornalista e então governador do estado da Guanabara contribuiu para a eleição de Jânio Quadros, outro personagem excêntrico e importante da história brasileira no século XX, com quem Lacerda acreditava compartilhar convicções políticas e objetivos concretos para o projeto do país.

Pouco tempo seria o suficiente, porém, para que Lacerda se distanciasse radicalmente de seu ex-aliado, e voltasse a acreditar em algum tipo de intervenção militar para libertar o Brasil das amarras de uma tensa crise social e política, protagonizadas tanto pelo governo de Jânio quanto pelo de João Goulart, que assumiu após sua renúncia, ainda em 1961.

Quando as forças do exército concretizaram os movimentos conspiratórios e depuseram João Goulart da presidência, em 31 de março de 1964, Lacerda comemorava o golpe e dizia, em entrevista à rede Globo, que “a vitória cabia aos verdadeiros democratas, ao povo brasileiro, que soube impor à minoria comunista a sua vontade da maioria”.

Para ele, a inserção institucional dos militares no governo se justificaria pela ameaça comunista que pairava em meio ao estado caótico das convulsões sociais da época, e seria apenas uma etapa provisória para que o país retornasse aos trilhos da democracia e estabilidade.

Imagem: Socialista Morena

No momento em que esse caráter temporário passou a se perder de vista e o governo militar, sobretudo o de Costa e Silva, começou a se tornar cada vez mais agressivo em suas ações, Lacerda passa novamente por um período de grave desilusão, e se torna um ferrenho opositor do regime ditatorial.

Junto a seus antigos rivais – e também antigos aliados – Juscelino Kubitschek e João Goulart, em outubro de 1966 ele forma a Frente Ampla, importante movimento de resistência e combate à centralização de poder na mão dos militares.

Defendendo as eleições livres e diretas e a reforma partidária-institucional, os três líderes protagonizaram uma tendência que seria manifestada em outros momentos decisivos da política brasileira – a de união de grandes divergências em prol de um bem maior.

Caso as mobilizações da Frente Ampla tivessem força política o suficiente para engajar o apoio popular na reivindicação de eleições diretas, cada um dos integrantes concorreria no novo processo democrático representando partidos distintos: Jango pelo PTB, JK pelo PSD e Lacerda seria o candidato da UDN. Contudo, a organização acabou se frustrando em suas principais demandas, e nenhum dos três viveria para assistir à redemocratização do Brasil, que se daria somente em 1985.

Imagem: Memorial da democracia

Morte suspeita de Carlos Lacerda

Uma década após os esforços da Frente Ampla e de sua posterior proibição pela ditadura militar, Lacerda era internado na Clínica São Vicente, no Rio de Janeiro, com sintomas de desidratação em decorrência de uma gripe. Apenas um dia depois, o jornalista viria a falecer de uma infecção no coração (endocardite bacteriana), aos 63 anos.

Ainda que a versão oficial nunca tenha sido comprovadamente contestada e nem ao menos existam investigações sobre sua morte, é fato que, para muitos, a história é um tanto nebulosa, e acredita-se que Lacerda possa ter sido vítima da mesma operação militar que supostamente assassinou JK e João Goulart alguns meses antes.

Em uma reportagem antiga da revista Istoé, em que são entrevistadas a filha e uma amante de Lacerda, levanta-se algumas suspeitas sobre o seu estado de saúde na época; segundo elas, o carioca estava saudável há bastante tempo, e a notícia da morte chegou a todos como repentina surpresa.

As duas questionam, portanto, se na equipe médica não haveria a possibilidade de influências ocultas que possam ter contribuído para a infecção, assim como, na investigação da morte de Jango, há a suspeita de que tenham trocado seu remédio e a morte tenha sido causada por envenenamento.

Bom, parece razoável dizer que o personagem do texto de hoje teve uma carreira política conturbada e uma história, no mínimo, controversa. Mas e você, o que achou dessa breve síntese biográfica de Carlos Lacerda? Pode escrever para a gente nos comentários! Se tiver alguma dúvida, não hesite em nos enviar, e caso queira se aprofundar sobre a vida de Lacerda, abaixo estão algumas fontes utilizadas neste texto. Até a próxima!

Referências:

1 comentário em “Personagens da Política Brasileira: quem foi Carlos Lacerda?”

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03 out. 2024

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