Como o PL da Fome afeta as doações de comida para pessoas em situação de rua?

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O PL 445/2023 ou PL da Fome, virou tema no mês de junho após ser aprovado na Câmara Municipal de São Paulo. Pelo projeto, ONGs, entidades ou pessoas físicas que realizassem ações de doação de alimentos para pessoas em situação de rua, poderiam ser multadas em até 17 mil reais.

A constitucionalidade do PL foi questionada pela OAB de São Paulo, o que afetou o encaminhamento do projeto de lei. Além disso, movimentos sociais criticaram a proposta em trâmite.

A Politize! preparou este texto com as informações sobre o projeto que ficou conhecido como PL da Fome e separou alguns dados de pesquisas sobre pessoas em situação de rua, sobretudo após a pandemia do Covid-19. Acompanhe este texto!

O que pretendia o PL da fome?

Uma pessoa com luvas rasgadas segura uma tigela com algumas moedas, sentada no chão com as pernas esticadas. Esta cena remete a pessoas em situação de rua, público-alvo do PL da Fome.
Imagem: Freepik.

Em junho de 2024, a Câmara Municipal de São Paulo aprovou o Projeto de Lei 445/2023, de autoria do vereador Rubinho Nunes (União Brasil), que ficou conhecido como PL da Fome. 

A proposta do projeto era definir requisitos para que ONGs, entidades e pessoas físicas pudessem doar alimentos à população em situação de rua. Caso as regras fossem descumpridas, haveria multa de R$ 17.680,00.

De acordo com Rubinho Nunes (União Brasil), o objetivo do PL era:

“[…] garantir protocolos de segurança alimentar na distribuição, prestigiando a higiene e acolhimento das pessoas vulneráveis durante a alimentação”, disse Rubinho Nunes (União Brasil) para o portal UOL.

Veja, a seguir, as regras do PL 445/2023.

Para pessoas físicas:

  • Fazer a limpeza da área de distribuição de alimentos;
  • Disponibilizar tendas, mesas, cadeiras, talheres, guardanapos e demais utensílios essenciais para alimentação;
  • Autorização prévia da Secretaria Municipal de Subprefeituras e da Secretaria Municipal de Assistência e Desenvolvimento Social (SMADS);
  • Cadastrar todos os voluntários da ação de doação na SMADS.

Para ONGs e entidades:

  • Possuir razão social registrada e reconhecida por órgãos competentes do município;
  • Apresentar documento atualizado com informações sobre o quadro administrativo da entidade, incluindo nomes e cargos dos membros e as devidas comprovações de identidade;
  • Cadastrar as pessoas em situação de vulnerabilidade social e manter as informações atualizadas no SMADS;
  • Os voluntários deverão estar identificados com crachá da entidade durante a entrega do alimento;
  • Documentos da ONGs e entidades deverão ser autenticadas em cartório ou estar acompanhadas de atestado de veracidade.

Veja também: O que são ONGs?

O PL da Fome é constitucional?

Em nota, a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) de São Paulo disse que o projeto de lei é inconstitucional.

A entidade declarou que:

“Se todos são iguais perante à lei e aos poderes públicos constituídos, não pode o Município se sobrepor às relações humanas e às relações interpessoais. Desta forma, a Câmara não pode, em hipótese alguma, proibir que pessoas doem a outras pessoas, seja alimentos, bens ou afetos.”

Segundo a instituição, esta proposta configura uma ação de abuso de poder pela Câmara Municipal.

Além disso, desde 2020, a Lei n.º 14.016 permite o combate ao desperdício de alimentos por meio da doação para o consumo humano. A legislação expõe critérios apenas para os estabelecimentos dedicados à produção e ao fornecimento de alimentos.

Nesse sentido, não existe legislação voltada para pessoas físicas e organizações. 

Quadro da população em situação de rua no Brasil

Pessoas em situação de rua são aquelas que não possuem moradia fixa, por este motivo, vivem sob marquises, viadutos, pontes, em praças ou até mesmo lugares degradados, como prédios e casas abandonadas.

Veja também nosso vídeo sobre a crise habitacional no mundo e direito a moradia!

O Ministério do Desenvolvimento Social, em 2005, conceituou como fatores intrínsecos à condição de rua, características como:

  • Ausência de moradia fixa;
  • Falta de um lar temporário ou permanente;
  • Vínculos familiares interrompidos ou fragilizados.

Esta definição também consta na Política Nacional para População em Situação de Rua (decreto n.º 7053/2009).

Este é um grupo heterogêneo, pois são pessoas de origem diferentes, que estão nesta situação por razões variadas. A Pesquisa Nacional sobre a População em Situação de Rua, realizada entre 2007 e 2008, revelou alguns motivos que levam as pessoas a morar nas ruas, entre eles, os maiores são:

  • Alcoolismo e/ou uso de drogas (35,5%);
  • Perda de emprego (29,8%);
  • Conflitos familiares (29,1%).

Em 2022, logo após a pandemia, o número de pessoas em situação de rua disparou em 50% no Brasil. Segundo o relatório População em situação de rua divulgado pelo Ministério dos Direitos Humanos, de 2021 para 2022, o número passou de 158,06 mil para 236,40 mil.

Saiba mais: Pessoas em situação de rua: a complexidade da vida nas ruas

Políticas públicas existentes para pessoas em situação de rua

No Brasil, alguns projetos liderados por Organizações da Sociedade Civil, como o Projeto RUAS, buscam elaborar estratégias para resolver a situação deste grupo marginalizado.

Até os anos 1980, não existia legislação voltada para garantia de direito de pessoas em situação de rua, nem no Brasil, nem nos demais países. Foi somente a partir de 1990 que a discussão começou a gerar recursos públicos para abrigos e casas de reabilitação.

A partir dos anos 2000, a pauta entrou com mais força na agenda da assistência social. A Política Nacional de Assistência Social (PNAS) e no artigo 23 da Lei Orgânica de Assistência Social (LOAS) incluíram o debate em seus textos. Além disso, a primeira e única Pesquisa Nacional no Brasil em 2008, responsável por levantar dados demográficos e socioeconômicos deste grupo, foi realizada.

Saiba mais: Sistema de Seguridade Social: como funciona?

Apesar da força do debate no final do século XX, ainda faltam políticas públicas para, de fato, acabar com a problemática no Brasil e no mundo.

O PL da Fome foi suspenso?

Assim que a proposta foi aprovada na Câmara, representantes de ONGs que atuam diretamente com pessoas em situação de rua, manifestaram-se contra o PL, organizando um “marmitaço” em frente à Câmara dos Vereadores. Além disso, o valor da multa foi contestado pela maior parte dos movimentos contra o projeto.

“É um absurdo pagar R$17 mil porque você dá comida a quem tem fome” – Auricélia da Silva, MTST para o Brasil de Fato.

A prefeitura de São Paulo pretendia analisar o projeto, caso fosse aprovado em segunda votação. Entretanto, antes mesmo disso acontecer, o autor do projeto decidiu suspender a tramitação do PL e iniciar o diálogo com a sociedade e ONGs antes retomar o texto para análise da Câmara dos Deputados.

Em suas redes sociais, Rubinho Nunes disse:

“Desde o início, o objetivo da proposta é ampliar a distribuição alimentar, otimizar as doações, evitar desperdício e, principalmente, acolher as pessoas em situação de rua e vulnerabilidade.”

E aí, conseguiu entender o PL da Fome e o quadro de pessoas em situação de rua? Deixei sua opinião nos comentários!

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Conteúdo escrito por:
Faço parte da equipe de conteúdo da Politize!. Cientista social pela UFRRJ, pesquisadora na área de Pensamento Social Brasileiro, carioca e apaixonada pelo carnaval.
Henrique, Layane. Como o PL da Fome afeta as doações de comida para pessoas em situação de rua?. Politize!, 4 de julho, 2024
Disponível em: https://www.politize.com.br/pl-da-fome/.
Acesso em: 11 de dez, 2024.

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