a imagem mostra uma colagem do primeiro ministro de Israel, Benjamin Netanyahu.

Reforma do Judiciário em Israel: a democracia israelense corre risco?

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Se você costuma acompanhar notícias internacionais, já deve ter ouvido falar da Reforma do Judiciário em Israel. Mas por que ela tem gerado tanta repercussão? O que leva o mundo a observar atentamente os últimos acontecimentos políticos na nação de maioria judaica? Quais fatores motivaram os maiores protestos da história israelense?

Continue lendo este texto da Politize! para ficar por dentro da situação política de Israel e entender os aspectos mais relevantes dessa proposta polêmica.

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O que é a Reforma do Judiciário em Israel?

A Reforma do Judiciário é um projeto do governo israelense composto por uma série de propostas que buscam retirar poderes do Judiciário, em especial da Suprema Corte, e ampliar os do Parlamento do país, conhecido como Knesset.

O plano foi apresentado em janeiro deste ano por Yariv Levin, ministro da Justiça do governo comandado pelo primeiro-ministro Benjamin Netanyahu. Veja a seguir os quatro pontos principais da reforma proposta inicialmente:

1 – Impedir que a Suprema Corte revise leis aprovadas pelo Parlamento.

Diferentemente de outras democracias, Israel não possui uma Constituição escrita. Há um conjunto de leis, chamadas leis básicas, que definem o papel do Estado e de suas principais instituições, bem como a maneira pela qual elas se relacionam. Porém, o legislativo pode criar ou alterar essa legislação com a mesma facilidade das leis comuns.

Isso se distingue do que acontece no Brasil, por exemplo, onde uma Proposta de Emenda Constitucional (PEC) exige aprovação em dois turnos, na Câmara e no Senado, por ao menos 3/5 dos votos. Assim, a Constituição brasileira é mais difícil de alterar do que outras leis.

Se aprovado este ponto da Reforma do Judiciário, o Parlamento israelense poderia passar ou modificar qualquer legislação sem nenhum tipo de revisão pela Suprema Corte do país. Para tanto, o órgão legislativo poderia simplesmente classificá-la como uma lei básica.

2 – Permitir que o Parlamento rejeite decisões da Suprema Corte por maioria simples.

Por essa regra, o Knesset poderia impedir que o tribunal, atualmente composto por 15 juízes, revisasse as ações do governo e as leis por ele aprovadas. Para tanto, seriam necessários os votos de apenas 61 entre os 120 parlamentares.

3 – Realizar mudanças no comitê responsável por indicar membros do Poder Judiciário.

Atualmente, o Comitê de Seleção Judicial, responsável por indicar os juízes dos tribunais da nação – inclusive, os da Suprema Corte -, possui 9 membros. 4 deles estão ligados ao Executivo/Legislativo, que são poderes muito próximos em Israel, pois o país adota o parlamentarismo como sistema de governo.

A reforma contém uma proposta para ampliar o número de integrantes desse comitê, dando maioria permanente aos representantes do governo.

4 – Alterar os critérios de nomeação dos assessores jurídicos que integram os ministérios.

Hoje, é obrigatório que os ministérios cumpram os pareceres dos assessores jurídicos. Com as mudanças propostas, a obrigatoriedade deixaria de existir e a assessoria passaria a ser composta por cargos de confiança, isto é, seus ocupantes seriam escolhidos pelos próprios ministros. Além disso, o governo passaria a contar com a possibilidade de ter representação jurídica privada perante os tribunais.

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Em que estágio se encontram as discussões da reforma?

Desde que foram apresentadas, as propostas têm gerado polêmica e embates no Parlamento e na sociedade israelense. Devido à grande pressão, o governo recuou em alguns pontos, como o 2° apresentado acima.

Porém, a coalizão de Netanyahu obteve uma vitória relevante, ao aprovar uma parte da Reforma do Judiciário no dia 24 de julho. O placar final no Parlamento foi de 64 votos favoráveis e 0 contrários, já que a oposição boicotou a votação da nova lei. Com a mudança, a legislação passa a proibir o uso do chamado “padrão de razoabilidade” nas decisões judiciais, dificultando que o Judiciário invalide atos do governo.

Esse critério era utilizado pelas cortes israelenses devido à falta de uma Constituição escrita e foi empregado em janeiro pela Suprema Corte para determinar o afastamento do então ministro do Interior e da Saúde, Aryeh Deri. Considerado o número 2 do governo, Deri havia sido condenado por fraude fiscal, mas confessou o crime em 2022 como parte de um acordo judicial para evitar a pena de prisão.

Quem compõe o atual governo israelense e por que ele quer reformar o Judiciário?

Primeiro-ministro israelense Benjamin Netanyahu. Imagem: Band News/ Reuters.

Netanyahu é o primeiro-ministro mais longevo de Israel. Ele já havia liderado o governo da nação em dois momentos (1996-1999 e 2009-2021) e seu terceiro mandato teve início no mês de dezembro de 2022. Líder do partido conservador Likud, o político está à frente da coalizão mais à direita da história israelense, composta também por partidos de extrema direita e ultrarreligiosos.

As eleições parlamentares de outubro de 2022 garantiram ao bloco formado por Likud, Sionismo Religioso, Shas e Torá Unida no Judaísmo a maioria dos assentos no Knesset, totalizando 65 membros.

Para os governistas, o judiciário do país – em especial, a Suprema Corte – tem agido de forma ativista e tendenciosa. Eles argumentam que o Parlamento precisa ter mais autonomia para tomar suas decisões, pois foi eleito pelo povo, diferentemente dos juízes.

Além disso, os defensores da reforma alegam que ela é necessária para restaurar o equilíbrio entre os Poderes e que as restrições à intervenção judicial tendem a facilitar a tarefa de governar o país.

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Críticas à Reforma do Judiciário

A oposição, por outro lado, entende que a Reforma do Judiciário pode trazer retrocessos e até minar a democracia israelense. Vários especialistas alertam sobre a possibilidade de as medidas abalarem o sistema de freios e contrapesos da nação.

Também conhecido como checks and balances, esse modelo foi proposto no período do Iluminismo para evitar abusos de poder pelo Estado e pode se manifestar de diferentes formas, de acordo com as diferentes organizações políticas dos países.

No Brasil e nos Estados Unidos, por exemplo, adota-se o presidencialismo, em que a figura do presidente concentra as chefias de Estado e de governo. O sistema presidencialista leva a uma separação mais clara entre os três Poderes nessas nações.

Além disso, ambas possuem um Legislativo nacional bicameral, dividido em Câmara dos Deputados e Senado, bem como um Estado federativo. Isso faz com que o poder fique mais diluído, tanto geograficamente quanto em relação ao número de indivíduos ocupando posições de grande influência.

Já em Israel, não existem tantos mecanismos para garantir o funcionamento dos freios e contrapesos, pois trata-se de um Estado unitário, com Parlamento unicameral e proximidade entre os poderes Executivo e Legislativo. Para Gideon Rahat, professor da Universidade Hebraica de Jerusalém, essas características do sistema político israelense tornam o Poder Judiciário a única barreira efetiva contra eventuais abusos do governo.

Assim, segundo os críticos, retirar poderes dos tribunais por meio da Reforma do Judiciário pode abrir caminho para medidas que ferem direitos de minorias, como os palestinos. Os opositores argumentam também que as mudanças propostas podem blindar Netanyahu e seus aliados das acusações que sofrem na Justiça.

Preocupações mundiais com a reforma e a crise democrática

Os acontecimentos em Israel têm despertado preocupações de líderes e analistas ao redor do mundo. Isso porque o país é um ator-chave no Oriente Médio e possui uma democracia forte até o momento, ao contrário de muitos dos seus vizinhos. Assim, uma derrocada democrática por lá poderia desestabilizar ainda mais a região, que tem um papel importante na geopolítica.

Apesar de a nação ter uma ligação estreita com os EUA, por ora inabalada, o presidente americano Joe Biden classificou a aprovação da primeira parte da Reforma do Judiciário como lamentável e declarou que há elementos muito extremos no governo israelense.

Diversos cientistas políticos temem que Israel entre para a lista de nações que transacionaram de democracias para autocracias eleitorais, aprofundando a já preocupante recessão democrática que o mundo enfrenta.

De acordo com Steven Levitsky e Daniel Ziblatt, professores de ciência política da Universidade de Harvard, o sistema judicial deve servir como uma espécie de árbitro neutro na democracia. Por isso, é comum que aspirantes a ditadores ajam para torná-lo mais alinhado ao governo.

Dessa forma, os tribunais passam a proteger seus membros de acusações criminais e deixam de censurar as ilegalidades, os abusos e as violações de direitos cometidas pelos governantes em exercício.

Além disso, segundo o cientista político da Universidade Johns Hopkins, Yascha Mounk, uma das características do populismo autoritário é promover mudanças que corroem gradualmente as bases democráticas, sob o pretexto de representarem a vontade do povo.

Exemplo disso é a Hungria sob liderança do primeiro-ministro Viktor Orbán. Aos poucos, o político aprovou medidas que levaram, por exemplo, ao aparelhamento do Judiciário. Hoje, o país europeu é considerado uma autocracia eleitoral, entre outros motivos porque, embora tenha eleições livres, elas não são justas. As regras eleitorais foram alteradas durante o governo Orbán para favorecer o partido governista e prejudicar a oposição na distribuição de assentos do Legislativo.

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Reações populares à reforma

Desde janeiro, quando foi anunciada a Reforma do Judiciário, milhares de manifestantes passaram a tomar as ruas de Israel para marcar sua posição contrária à proposta. As manifestações são as maiores registradas nos 75 anos de história do país.

Manifestantes reunidos ao lado do Parlamento de Israel em Jerusalém no dia 27 de março deste ano. Imagem: Estadão/ Ahmand Gharabli.

O movimento reúne pessoas de diferentes orientações políticas: esquerda, centro e direita moderada. Até mesmo reservistas do exército, tradicionalmente ligados a setores mais conservadores, aderiram aos protestos, mostrando-se insatisfeitos com as propostas e argumentando que o enfraquecimento da democracia coloca a própria segurança nacional em risco.

Em março, o principal sindicato israelense convocou uma greve geral, paralisando inclusive os voos no Aeroporto Internacional Ben Gurion, o principal do país.

Diante das tensões, Netanyahu recuou, alegando que havia necessidade de buscar um consenso, e a reforma foi adiada. Porém, ela voltou a tramitar no Knesset em julho, gerando uma nova onda de protestos.

Entre os apoiadores das manifestações está Yuval Noah Harari, autor do best seller Sapiens: uma breve história da humanidade. Em entrevista a uma TV americana, o historiador conclamou as pessoas a se engajarem na luta para salvar a democracia israelense, que considera estar sob grave ameaça.

Quais são os próximos passos?

Após a aprovação da primeira parte da reforma, o Parlamento de Israel entrou em recesso e retomou todas as suas atividades apenas em outubro. Porém, no dia 07 desse mês, o país foi alvo de um ataque sem precedentes do Hamas, o que desencadeou um conflito armado de grandes proporções.

Dado que a guerra passou a ocupar um lugar de destaque na agenda política israelense, é improvável que a reforma volte a ser discutida tão cedo.

Há pedidos na Justiça para a derrubada da lei votada no dia 24 de julho. O início da sua apreciação na Suprema Corte ocorreu no dia 12 de setembro, quando, pela primeira vez, todos os ministros do tribunal participaram de uma mesma sessão. Porém, o conflito contra o Hamas deve adiar o fim do julgamento.

Conseguiu entender a Reforma do Judiciário proposta pelo governo de Israel e por que ela tem sido tão discutida? Deixe suas impressões e dúvidas nos comentários!

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23 abr. 2024

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