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Social-desenvolvimentismo: entenda essa ideologia

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Provavelmente você já ouviu falar sobre desenvolvimentismo. Mas e sobre o social-desenvolvimentismo?

Calma! A temática realmente é recente. Segundo o economista e professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro, Ricardo Bielschowsky, o social-desenvolvimentismo é uma ideologia. É um projeto desenvolvimentista com inclusão social e sustentabilidade ambiental.

Ainda está tudo meio confuso? Então, vem com a gente que hoje a Politize! vai te explicar tudo o que você precisa saber sobre essa ideologia.

Social-desenvolvimentismo: história e teoria

O desenvolvimentismo é uma ideologia que objetiva o crescimento econômico com participação ativa do Estado. O pensamento desenvolvimentista não decorre de um grande pensador, trata-se de uma ideologia mutante. Por isso mesmo, ao longo das décadas, pudemos acompanhar sua reformulação em novas correntes como: novo desenvolvimentismo e social-desenvolvimentismo.

Sendo assim, os princípios do social-desenvolvimentismo – mesmo não sendo assim denominado – começaram a ser debatidos na década de 1980, de maneira dispersa pelos economistas Maria da Conceição Tavares e Carlos Lessa.

Foto de mulher idosa branca com cabelos curtos pretos.
Maria da Conceição Tavares: uma das maiores intelectuais do Brasil | Foto: Wikimedia Commons

A teoria do social-desenvolvimentismo sempre teve forte influência política dentro do Partido dos Trabalhadores. Observa-se sua presença já na sua plataforma para eleições presidenciais em 1989. Contudo, a consolidação teórica só ocorreu com o artigo O Brasil a caminho do mercado de consumo de massa(1990), escrito por Antônio Barros de Castro, ex-presidente do BNDES.

A abordagem do social-desenvolvimentismo é focada na expansão do mercado interno através da ampliação do consumo em larga escala pela população. Além disso, o aumento dos salários também é utilizado como estratégia para o crescimento econômico. Por estes motivos, o projeto também é conhecido como “modelo de desenvolvimento inclusivo”, “desenvolvimentismo distributivo orientado pelo Estado” ou até mesmo “desenvolvimentismo de esquerda”.

Nas eleições presidenciais de 2002, um documento foi elaborado por economistas e cientistas políticos associados ao PT com o intuito de servir como programa da candidatura de Lula. No texto havia proposta de reintrodução da participação ativa do Estado na política econômica, defendendo um intervencionismo mais vigoroso e destacando a importância de valorizar o salário mínimo.

Em 2004, as diretrizes constantes naquele documento tornaram-se oficialmente as principais orientações do social-desenvolvimentismo quando publicadas sob o nome Um outro Brasil é possível”. De acordo com o documento:

[…] A constituição do novo modelo priorizará três aspectos: (a) o crescimento do emprego; (b) a geração e distribuição de renda; (c) a ampliação da infraestrutura social. […] A ampliação do emprego, a melhoria das remunerações e de sua distribuição e a ampliação da oferta de bens e serviços públicos têm significativos impactos econômicos. […] A partir desses ganhos de produtividade poderá se estabelecer o seguinte círculo virtuoso:

gráfico mostrando que o aumento de rendimentos das famílias trabalhadoras gera a ampliação do consumo popular que gera maiores investimentos, com aumento de produtividade e volta gerando o aumento de rendimentos das famílias trabalhadoras.
Gráfico de elaboração própria . [Fonte: “Um outro Brasil é possível”]

Aloizio Mercadante, ex vice-presidente do PT, afirmou em seu livro “Brasil: a reconstrução retomada” (2010), que o social-desenvolvimentismo consiste “[…] no compromisso fundamental de impulsionar a constituição de um amplo mercado de consumo de massa”. Ainda, segundo Mercadante, promoveria a inclusão de milhões de brasileiros e universalizaria as políticas sociais básicas. Sendo assim, resolveria a questão histórica da concentração de renda e riqueza no Brasil.

O social-desenvolvimentismo e outras vertentes

Social-desenvolvimentismo x nacional-desenvolvimentismo (ou desenvolvimentismo clássico)

A escola do social-desenvolvimentismo foi nomeada dessa forma em 2007 pelo então Ministro da Fazenda, Guido Mantega. O intuito era diferenciar a nova vertente do antigo nacional-desenvolvimentismo e de sua teoria de desenvolvimento clássica.

“Eu chamo esse novo ciclo de social-desenvolvimentismo porque é um crescimento que ocorre concomitantemente ao aumento da renda da população, aumento do poder aquisitivo e fortalecimento do mercado de massa.”

Ricardo Bielschowsky, um dos principais pensadores do social-desenvolvimentismo, o diferencia do desenvolvimentismo clássico. O professor pontua que enquanto o desenvolvimentismo é a ideologia de industrialização conduzida pelo Estado, o social-desenvolvimentismo é a de transformação produtiva com inclusão social e importante participação do Estado. Ainda destaca que, atualmente, há ênfase na sustentabilidade e no princípio de harmonização entre crescimento e estabilidade de preços.

Social-desenvolvimentismo x neoliberalismo

Os economistas Esther Dweck e Pedro Rossi afirmam que o social-desenvolvimentismo se opõe ao projeto neoliberal onde:

“O conceito de desenvolvimento é esvaziado, entregue a um pretenso caráter natural do sistema capitalista, cuja operação, livre de interferências do Estado, levaria a uma alocação eficiente de recursos”.

Dweck e Rossi ainda defendem que um projeto social de desenvolvimento deve estruturar a vida coletiva. Isso quer dizer garantir emprego de qualidade e acesso universal à saúde, educação, cultura e demais serviços sociais básicos, constituindo objetivos finais da política econômica.

Social-desenvolvimentismo x novo-desenvolvimentismo

Como já exposto acima, o desenvolvimentismo é uma ideologia passível de transformação. Na história recente observamos essa transformação em duas vertentes: o social-desenvolvimentismo (tema deste texto) e o novo-desenvolvimentismo.

Ambos concordam que o governo desempenha um papel importante no modo como o país se desenvolve, mas têm maneiras diferentes de lidar com o mercado. Enquanto o social-desenvolvimentismo dá ênfase na distribuição orientada pelo Estado, o novo-desenvolvimentismo prioriza a exportação do setor privado.

Nas eleições presidenciais de 2022, economistas e cientistas políticos descreveram o plano de governo do presidente Lula como social-desenvolvimentismo. Já a plataforma de Ciro Gomes foi interpretada como projeto do novo-desenvolvimentismo.

O social-desenvolvimentismo no Brasil e na América Latina

No Brasil, na primeira década dos anos 2000, a teoria e retórica do social-desenvolvimentismo ganhou espaço na Universidade de Campinas. Em 2011, passou a ser desenvolvida com estudos do Centro de Estudos de Conjuntura e Política Econômica (Cecon), bem como a estruturação da Rede Desenvolvimentista. No decorrer dos anos, surgiram contribuições expressivas de economistas da UFRJ, como Ricardo Bielschowsky, e da América Latina , destacando-se Argentina, México e Uruguai.

Implementação no Brasil

Ainda que os temas de um projeto social de desenvolvimento fossem apresentados no programa do governo de Lula na campanha de 2002, sua materialização se deu em 2005, estendendo-se para o governo de Dilma Rousseff. Na ocasião, o governo do PT conseguiu elevar o salário mínimo, ampliar o crédito ao consumidor e adotar políticas sociais.

Foto de Lula, homem branco baixo idoso, com cabelos curtos e arba curta branca usando um terno, cumprimentando Dilma, mulher de mesma estatura de Lula, cabelos curtos loiros, usando um vestido preto.
Lula e Dilma | Foto: Flickr

Entre as medidas adotadas pelos governos petistas, vale destacar a expansão de programas de transferência de renda, como o Bolsa Família. O programa beneficiou milhões de famílias em situação de vulnerabilidade e foi crucial para retirar o Brasil do Mapa da Fome. Também houve aumento nos investimentos em setores como educação e saúde, buscando melhorar a qualidade de vida da população.

Na economia, o governo promoveu medidas de proteção e incentivo ao setor produtivo brasileiro tentando fortalecer a indústria nacional. O intuito era reduzir a dependência de importações e reforçar a capacidade de produção interna, o que promoveria um crescimento econômico de modo sustentável.

Porém, o modelo também enfrentou críticas, principalmente em relação à gestão fiscal e ao aumento do endividamento público. Além disso, a economia brasileira enfrentou desafios externos – como a crise financeira global de 2008 – que impactaram a implementação dessas políticas.

Portanto, a implementação teve resultados mistos, com avanços notáveis na redução da pobreza e na melhoria de indicadores sociais, mas também enfrentou desafios econômicos que geraram debates sobre a eficácia e a sustentabilidade do projeto.

Essas medidas sociais adotadas pelo governo do PT também fazem parte da chamada social-democracia, nesse vídeo a Politize! explica o que é essa ideologia.

Implementação na América Latina

A “onda progressista” que tomou conta da América Latina – de 1998 a 2016- trouxe com ela um discurso que apelava à necessidade de reabilitar o papel do Estado democrático na promoção do desenvolvimento e na luta contra a pobreza e as desigualdades sociais. O avanço do social-desenvolvimentismo se deu para além das fronteiras brasileiras, em países como Argentina, Uruguai, Chile, Venezuela, Bolívia e Equador, por exemplo.

Em diferentes momentos da sua história, a Argentina adotou políticas associadas ao social-desenvolvimentismo. Especialmente durante os governos de Nestor Kirchner e Cristina Kirchner. O país buscou impulsionar a economia por meio de políticas sociais e medidas voltadas para o fortalecimento da produção interna.

Durante o período, o governo tentou aumentar a influência do Estado na economia e garantir o controle sobre recursos estratégicos através da nacionalização de setores-chave, como o de energia. No entanto, essas medidas foram objeto de debate e críticas. A alta inflação e questões relacionadas à dívida externa influenciaram a eficácia dessas políticas.

Já no Uruguai o modelo foi implementado durante os governos de Tabaré Vázquez e José Mujica. Foram aplicadas diversas medidas voltadas para a melhoria das condições sociais. Destaca-se a busca por diversificar sua matriz produtiva e promover a autonomia econômica, reduzindo a dependência de setores específicos.

O Chile experimentou elementos do social-desenvolvimentismo principalmente durante o governo de Michelle Bachelet, que ocupou a presidência em dois mandatos não consecutivos. Algumas das iniciativas incluíram reformas na educação, como a introdução de ensino superior gratuito, e medidas para fortalecer a seguridade social.

O modelo enfrentou desafios e críticas, especialmente em relação aos custos financeiros e à sustentabilidade a longo prazo. Além disso, a transição entre diferentes abordagens econômicas ao longo dos anos no Chile reflete uma dinâmica política complexa.

Na Venezuela o período associado ao social-desenvolvimentismo coincide com os governos liderados por Hugo Chávez e, em certa medida, com o governo de Nicolás Maduro. O governo venezuelano adotou uma política de nacionalização de setores-chave da economia, como petróleo, telecomunicações e energia. Isso visava aumentar o controle estatal sobre recursos estratégicos. Mas também redirecionar a receita para financiar programas sociais e de desenvolvimento.

Contudo, a dependência excessiva da receita do petróleo, a falta de diversificação econômica e a gestão questionável das finanças públicas contribuíram para desafios econômicos significativos, incluindo hiperinflação, escassez de bens e serviços e uma crise humanitária.

Na Bolívia, o projeto social de desenvolvimento foi uma abordagem característica durante o governo de Evo Morales. Uma das características distintivas foi a nacionalização de recursos naturais, como gás e petróleo. O objetivo era aumentar a participação do Estado na gestão desses recursos e direcionar os lucros para investimentos sociais.

No Equador a abordagem se deu principalmente no governo de Rafael Correa. A renegociação da dívida externa, a exploração responsável dos recursos naturais e a promoção de programas sociais foram elementos-chave desse governo.

A aplicação do social-desenvolvimentismo na América Latina não foi homogênea. Cada país apresentou desafios específicos. Questões relacionadas à gestão fiscal, instabilidade política e a influência de fatores externos impactaram a efetividade dessas políticas.

Conclusão

Apesar dos desafios, o social-desenvolvimentismo contribuiu para importantes avanços sociais e econômicos em muitos países da região. Entretanto, as experiências variadas destacam a complexidade da implementação dessas estratégias e a necessidade de considerar as particularidades de cada nação ao buscar conciliar desenvolvimento econômico e inclusão social.

O economista Luiz Carlos Bresser-Pereira é um dos grandes críticos do social-desenvolvimentismo. Entende que o modelo não possui arcabouço teórico e que não se sustenta a longo prazo. De outro lado, o economista Ricardo Bielschowsky defende e teoriza sua viabilidade, demonstrando a necessidade de adaptações.

Conseguiu entender a ideologia do social-desenvolvimentismo? Diante do seu entendimento, você está de acordo com Bresser-Pereira ou Bielschowsky? Deixe seu comentário! Ele é muito importante para enriquecer o debate.

Referências:

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1 comentário em “Social-desenvolvimentismo: entenda essa ideologia”

  1. Ótimo texto, muito esclarecedor! Há muito conteúdo acessível sobre desenvolvimentismo, mas quase nada sobre social-desenvolvimentismo. Fico com Bielschowsky… me parece que a estruturação da economia em consonância com os ideais do social-desenvolvimentismo tende ao menos a nos aproximar de um caminho para diminuição da desigualdade social.

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Conteúdo escrito por:
Pesquisadora. Graduada em Direito pela UFRRJ. Mestranda em Ciência Política pela UFF. Ativista Social. Advogada (mas só nas horas vagas).

Social-desenvolvimentismo: entenda essa ideologia

26 abr. 2024

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