Lavagem de dinheiro: o que é e como funciona?

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Lavagem de dinheiro: o que é e como funciona? - Politize!
Dinheiro no varal, em referência à metáfora de ‘lavar o dinheiro’. Foto: Domínio Público / Pixabay

Em 2014, a Operação Lava Jato trouxe à tona grandes esquemas de lavagem de dinheiro envolvendo empresas privadas, estatais e políticos. Em março de 2019, uma delação premiada denunciou o envolvimento do ex-presidente Michel Temer em um esquema de lavagem de dinheiro e pagamento de propina.

Afinal, você sabe como funciona essa prática? Neste post, te ajudamos a entender como funciona a lavagem de dinheiro. Para começar, confira nosso vídeo:

O QUE É LAVAGEM DE DINHEIRO?

Lavagem de dinheiro é uma prática utilizada para encobrir a origem de dinheiro ilegal. Na prática, ela consiste em um esquema para fazer parecer que recursos obtidos por meio de atividades ilegais, vieram de atividades legais.

Isso é feito porque quando alguém consegue dinheiro através de de atividades ilícitas – como roubo, corrupção, tráfico de drogas,  esse dinheiro não pode simplesmente ser utilizado, pois a Receita Federal perceberia irregularidades. Dessa forma, a lavagem de dinheiro é utilizada para “limpar” o dinheiro, ou seja, criar uma falsa origem para ele.

Trata-se de uma prática ilegal observada em diversos países ao redor do mundo, muitas vezes adotando inclusive caráter internacional.

Se você preferir, temos também um conteúdo em vídeo sobre a lavagem de dinheiro

COMO OCORRE A LAVAGEM DE DINHEIRO?

Confira no infográfico abaixo como funcionam os esquemas de lavagem de dinheiro:

Lavagem de dinheiro: o que é e como funciona? - Politize!
Que tal baixar esse infográfico em alta resolução? Clique aqui.

O processo básico de lavagem de dinheiro ocorre em três etapas:

Colocação (placement) – Nesta fase, o lavador insere o dinheiro sujo em uma instituição financeira legítima. Isso geralmente ocorre na forma de depósitos bancários. Esta é a fase mais arriscada do processo de lavagem, pois grandes quantidades de dinheiro são bem visíveis e os bancos são obrigados a reportar transações de alto valor.

Camadas (layering) – Esta etapa envolve o envio de dinheiro através de várias transações financeiras para mudar sua forma e dificultar a sua perseguição. O layering pode consistir em várias transferências de banco para banco, transferências bancárias entre diferentes contas em diferentes nomes em diferentes países, fazendo depósitos e retiradas para variar continuamente a quantidade de dinheiro nas contas, alterar a moeda do dinheiro e comprar itens de alto valor (barcos, casas, carros, diamantes) para mudar a forma do dinheiro. Este é o passo mais complexo em qualquer esquema de lavagem, e trata-se de tornar o dinheiro sujo original tão difícil de rastrear quanto possível.

Integração (integration) – No estágio de integração, o dinheiro reencontra o país de origem em forma legítima, parecendo vir de uma transação legal. Isso pode envolver uma transferência bancária final para a conta de um negócio local em que o lavador está “investindo”, a venda de um iate comprado durante o estágio de layering ou a compra de bois de uma fazenda de propriedade do lavador. Neste ponto, o criminoso pode usar o dinheiro sem ser pego. É muito difícil pegá-lo durante o estágio de integração se não houver documentação durante as etapas anteriores.

Confira: os 5 órgãos mais importantes no combate à corrupção no Brasil.

PRINCIPAIS TÉCNICAS UTILIZADAS

Existem muitas técnicas de lavagem de dinheiro que as autoridades conhecem e, provavelmente, inúmeras outras que ainda não foram descobertas. Aqui estão algumas das mais populares. A maioria dos esquemas envolve alguma combinação desses métodos:

Depósitos estruturantes – Também conhecido como smurfing, esse método implica dividir grandes quantidades de dinheiro em quantidades menores e menos suspeitas. No Brasil, esse montante deve ser inferior a apenas R$ 2 mil para pessoas físicas e R$ 6 mil para empresas (valor no qual os bancos devem comunicar a transação para o governo). O dinheiro é então depositado em uma ou mais contas bancárias por várias pessoas (smurfs) ou por uma única pessoa durante um longo período de tempo.

Bancos no exterior – Os lavadores muitas vezes enviam dinheiro através de várias “contas offshore” (contas abertas em paraísos fiscais) em nações que possuem leis de sigilo bancário, o que significa que, para todos os efeitos, esses países permitem contas anônimas (ou identificadas por números apenas). Um esquema complexo pode envolver centenas de transferências bancárias entre bancos offshore. De acordo com o Fundo Monetário Internacional (FMI), os principais centros “offshore” incluem as Bahamas, Ilhas Cayman, Hong Kong, Catar, Panamá e Cingapura.

Bancos subterrâneos/alternativos – Alguns países da Ásia possuem sistemas bancários alternativos legais bem estabelecidos que permitem depósitos, retiradas e transferências sem a necessidade de documentos. Estes são sistemas baseados em confiança, muitas vezes com raízes antigas, que não deixam trilhas em papel e operam fora do controle do governo. Isso inclui o sistema hawala no Paquistão e na Índia, e o sistema fie chen na China.

Sociedades fictícias (shell companies) – Estas são empresas falsas que existem sem outra razão além de lavagem de dinheiro. Elas recebem dinheiro sujo como “pagamento” por supostos bens ou serviços, mas na verdade não fornecem nem um, nem outro: simplesmente criam a aparência de transações legítimas através de falsas faturas, contratos e balanços.

Investir em negócios legítimos – Os lavadores às vezes colocam dinheiro sujo em negócios legítimos de modo a limpá-lo. Eles podem usar grandes empresas, como corretoras ou casinos que lidam com tanto dinheiro que é fácil se misturar, ou podem usar pequenas empresas com uso intensivo de dinheiro como bares, restaurantes ou postos de gasolina. Essas empresas podem ser “empresas de fachada” que realmente oferecem um bem ou serviço, mas cujo propósito real é limpar o dinheiro do lavador. Este método normalmente funciona de duas maneiras: o lavador pode combinar seu dinheiro sujo com as receitas limpas da empresa – neste caso, a empresa relata maiores receitas de seus negócios legítimos do que realmente ganha; ou o lavador pode simplesmente esconder seu dinheiro sujo nas legítimas contas bancárias da empresa com a esperança de que as autoridades não comparem o saldo do banco com as demonstrações financeiras da empresa.

Contas na Suíça? Saiba mais sobre os paraísos fiscais.

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Foto: Domínio Público / Pexels

OS CASOS DE LAVAGEM DE DINHEIRO NO BRASIL

Eduardo Cunha

Em 2017, o então deputado federal e ex presidente da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha, foi condenado pela Operação Lava Jato pelos crimes de lavagem de dinheiro, corrupção passiva e evasão de divisas. Cunha foi condenado a 15 anos e 4 meses de prisão.

O ex deputado desenvolveu um sofisticado sistema de lavagem de dinheiro utilizando duas contas no exterior em nome de trustes diferentes. Em função da complexidade do esquema de lavagem de dinheiro aplicado, o juiz Sérgio Moro aplicou um agravamento da pena.

Lula

Em 2017, Lula foi condenado pelos crimes de corrupção passiva e lavagem de dinheiro no caso do triplex. Além dessa condenação, o ex-presidente ainda é acusado de lavagem de dinheiro em outros dois processos.

Confira nosso post sobre a Condenação de Lula.

Michel Temer

Em março de 2019, o ex presidente Michel Temer – que responde a dez inquéritos – foi preso. A prisão foi realizada pela Operação Lava Jato e diz respeito ao caso do recebimento de propina da empresa Engevix, envolvida no contrato de Angra 3. A investigação apura os crimes de peculato, corrupção e lavagem de dinheiro.

Leia também: “pequenas” corrupções, grandes impactos.

CASO INTERNACIONAL

No final dos anos 80 e início dos anos 90, um economista formado em Harvard chamado Franklin Jurado (lembra dele na 3ª temporada de Narcos?) realizou uma operação para lavar dinheiro para o narcotraficante colombiano José Santacruz-Londono do temido Cartel de Cali. Seu esquema era muito complexo. Na sua forma mais simples, a operação foi algo assim:

Colocação (placement): Jurado depositou o dinheiro das vendas de drogas nos EUA em contas bancárias no Panamá.

Camadas (layering): Ele transferiu o dinheiro do Panamá para mais de 100 contas bancárias em 68 bancos em nove países da Europa, sempre em transações com menos de US$ 10 mil para evitar suspeitas. As contas bancárias estavam em nomes das amantes e familiares de Santacruz-Londono. Jurado, então, criou empresas shell na Europa para documentar o dinheiro como renda legítima.

Integração (integration): o plano era enviar o dinheiro para a Colômbia, onde Santacruz-Londono usaria para financiar seus inúmeros negócios legítimos lá. Mas Jurado foi preso.

No total, Jurado canalizou US$ 36 milhões em dinheiro da droga através de instituições financeiras legítimas. O esquema de Jurado surgiu quando um banco em Mônaco entrou em colapso, e uma auditoria posterior revelou numerosas contas que poderiam ser rastreadas até Jurado.

O COMBATE À LAVAGEM DE DINHEIRO NO BRASIL

A lavagem de dinheiro é um passo crucial no sucesso de atividades ilícitas e há inúmeras organizações tentando lidar com o problema.

É uma tarefa desafiadora traçar as origens de qualquer depósito quando ocorrem cerca de 700.000 transferências globais diariamente. Como dizer qual é o dinheiro sujo e qual é o limpo?

Acima de tudo a cooperação global é essencial. A organização internacional mais proeminente a este respeito é provavelmente a Força-Tarefa de Ação Financeira (FATF), que possui 37 estados-membros e organizações internacionais em sua lista. O FATF emitiu as “40 recomendações” para os bancos que se tornaram o padrão anti-lavagem de dinheiro. Essas recomendações incluem:

  • Identificar e fazer verificações de antecedentes sobre os depositantes;
  • Informar todas as atividades suspeitas (por exemplo, se uma verificação de antecedentes revelou que o depositante X geralmente deposita US$ 2 mil a cada duas semanas, uma série de 10 depósitos de US$ 9 mil ao longo de duas semanas deve levantar uma bandeira vermelha);
  • Criar uma força-tarefa interna para identificar pistas de lavagem.

As “recomendações” são realmente mais como regras do que dicas amigáveis. O FATF mantém uma lista de “países não cooperativos” – aqueles que não aprovaram as recomendações (Irã, Coreia do Norte, Iraque, Síria, Bósnia e Arábia Saudita são alguns deles).

No Brasil, o crime da lavagem de dinheiro foi regulamentado pela Lei 12.683 de 2012, que ampliou a abrangência da legislação penal e configurou o crime como sendo a “dissimulação e ocultação da origem de recursos provenientes de qualquer crime ou contravenção penal”, como jogo do bicho e exploração de máquinas de caça-níqueis.

Além disso, a Estratégia Nacional de Combate à Corrupção e à Lavagem de dinheiro (ENCCLA), criada em 2003 pelo Ministério da Justiça, contribui para a sistematização das várias iniciativas em torno do tema e para a articulação de diversos órgãos dos três poderes, MPs, sociedade civil e iniciativa privada.

Estas entidades atuam direta ou indiretamente na prevenção e no combate com o objetivo de identificar e propor seu aprimoramento. Atualmente existem cerca de 60 instituições integradas à Estratégia.

Embora o aumento dos esforços a nível mundial esteja diminuindo a indústria de lavagem de dinheiro, o problema é enorme e os lavadores estão ganhando em geral. Países com regras de segredo bancário, que sem dúvida têm benefícios legítimos para o depositante honesto, tornam extremamente difícil rastrear o dinheiro depois de transferido para o exterior. 

Somente o aumento da conscientização e cooperação global pode conter o sucesso dessas operações.

Conseguiu entender por que a lavagem de dinheiro é tão interessante aos corruptos? Deixe suas dúvidas e sugestões nos comentários! 

Fontes

Valor: quantos reais o crime movimenta no Brasil; Veja: cocaína no Brasil e no mundo; Casa da Moeda; Justiça: estratégias contra lavagem de dinheiro; Dados da ONUFATF; Globo: prisão do Maluf.

Última atualização em 21 de março de 2019.

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Formado em direito e mestre em gestão política, há 5 anos investe em práticas colaborativas para construção de negócios que façam sentido para o mundo atual através da Decah. Desde 2016 também atua como estrategista de campanhas políticas, sendo cofundador da Base.Lab, consultoria voltada principalmente para atuar com o campo progressista.

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