Artigo Quinto

PUBLICADO EM:
4 de fevereiro de 2020

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Inciso XXXV – Princípio constitucional do acesso à justiça

“a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito”

INCISO XXXV – O PRINCÍPIO CONSTITUCIONAL DE ACESSO À JUSTIÇA

O princípio constitucional de acesso à justiça é um direito fundamental previsto no inciso XXXV do artigo 5º da Constituição Federal de 1988 – nossa atual constituição. Este direito garante a possibilidade de acesso ao poder judiciário e à justiça a todos os brasileiros. Dessa maneira, é de responsabilidade do Estado que todos os cidadãos brasileiros e estrangeiros residentes do país possam reivindicar seus direitos. 

Quer saber mais sobre essa garantia? Então, continue conosco! A Politize! e a Civicus, em parceria com o Instituto Mattos Filho, irão explicar o que é o inciso XXXV do artigo 5º, como o direito nele previsto é assegurado na prática, o histórico dessa garantia e sua devida importância em mais um post do projeto Artigo Quinto. Para conhecer outros direitos fundamentais acesse a nossa página.

O QUE É O INCISO XXXV?

O Inciso XXXV do artigo 5ª da Constituição Federal de 1988 assegura que:

a lei não excluirá da apreciação do poder judiciário lesão ou ameaça a direito;

Este direito garante a todos a possibilidade de acesso ao poder judiciário e à justiça “e pode ser considerado como o requisito fundamental – o mais básico dos direitos humanos – de um sistema jurídico moderno e igualitário que pretenda garantir, e não apenas proclamar, os direitos de todos”. Dessa maneira, é responsabilidade do Estado garantir que todos possam reivindicar seus direitos. 

O princípio constitucional do acesso à justiça, também chamado de direito de ação ou princípio da inafastabilidade da jurisdição, possibilita que todos reivindiquem seus direitos e busca garantir uma atuação irrestrita do Estado para que as medidas necessárias sejam tomadas caso ocorra violação de algum direito ou garantia. 

O inciso XXXV também funciona como vedação à criação de obstáculos para que a população busque o poder judiciário, assim como forma de resguardo frente a ameaças, assegurando a todos o socorro judicial diante do risco de violação de direitos. 

Esse direito é colocado em prática, principalmente, pelo acionamento do poder judiciário, o órgão competente para prestar a tutela jurisdicional, ou seja, julgar e decidir conflitos de maneira imparcial com base na legislação. As decisões do poder judiciário devem ser concretizadas no tempo certo e de maneira efetiva. 

Por meio desse princípio, é possível compreender que a auto satisfação de interesses individuais, conhecida como “justiça com as próprias mãos”, é proibida no Brasil. Ou seja, em caso de violação de algum direito, as pessoas não devem tomar medidas arbitrárias para resolver o impasse por conta própria. Apenas o poder judiciário pode tomar decisões obrigatórias e definitivas sobre um impasse jurídico. 

O acesso à justiça também é prestigiado por meio dos chamados “métodos alternativos de resolução de disputas”, tais como a mediação, a conciliação e a arbitragem. Por meio desses mecanismos, os conflitos são resolvidos pelas próprias partes (conciliação e mediação) ou por um terceiro de sua confiança (arbitragem). 

Além disso, o acesso à justiça deve estar disponível a todos de forma igualitária, satisfazendo, dessa forma, o caput do artigo 5º da Constituição Federal

Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade […].

Dessa forma, o direito de acesso à justiça, em linha com o espírito da Constituição Federal, deve ser assegurado a todos pelo Estado de forma positiva. Isto é, não basta garantir o acesso meramente formal à justiça, pois os governantes devem garantir que os indivíduos consigam resolver seus conflitos de forma acessível e efetiva. 

O HISTÓRICO DO DIREITO DE ACESSO À JUSTIÇA

Globalmente, o acesso à justiça foi ampliado de maneira gradual, juntamente com as transformações sociais que ocorreram ao longo da História. No Brasil, esse direito foi materializado somente a partir da Constituição de 1946, segundo a qual a lei não poderia excluir do poder judiciário qualquer violação de direitos individuais

Este foi um grande avanço da legislação brasileira, mas, pouco tempo depois, durante o regime militar (1964-1985), o acesso ao poder judiciário foi bastante limitado:

  • Em 1968, nenhuma conduta praticada de acordo com o Ato Institucional n. 5 (AI-5) – um dos dezessete grandes decretos emitidos pela ditadura militar – seria apreciada ou julgada pelo poder judiciário. Nesse sentido, até mesmo os atos de tortura foram excluídos da apreciação judicial.
  • Em 1969, a Emenda Constitucional nº 1, promulgada tomando como base os Atos Institucionais anteriores e mantendo a vigência do AI-5, agravou ainda mais a situação: todas as ações ilegais praticadas pelo Governo Federal, que na época era comandado pelos militares, foram excluídas da apreciação judicial (art. 181).
  • A partir de 1970, o Brasil começou a caminhar para a consagração efetiva do direito de acesso à justiça. Isso porque os movimentos sociais começaram a intensificar sua luta por igualdade social, cidadania plena, democracia, efetivação de direitos fundamentais/sociais e efetividade da justiça. 
  • Em 1988, com o fim do período de ditadura, foi promulgada a atual Constituição Federal, que materializou expressamente em seu artigo 5°, inciso XXXV, o acesso à justiça como direito fundamental de todos os brasileiros e estrangeiros residentes no Brasil. 

Nesse sentido, o constituinte não só concedeu a possibilidade de acesso aos tribunais, como também estabeleceu a criação de mecanismos adequados para garantir e efetivar esse acesso. Exemplos disso são o reconhecimento do direito à assistência jurídica gratuita (art. 5º, LXXIV) e a criação da Defensoria Pública enquanto órgão autônomo nos âmbitos federal e estadual (art. 134).

QUAL É A RELEVÂNCIA DO INCISO XXXV? 

A relevância do inciso XXXV do artigo 5º é evidente: sem o acesso à justiça para todos, não há democracia. Nesse sentido, o acesso à justiça é um dos pilares do que chamamos de Estado Democrático de Direito, em que todas as pessoas estão subordinadas à lei de maneira igual para que a ordem seja mantida. Isso significa, por exemplo, que caso um governante queira tomar alguma medida, esta deve estar em concordância com a legislação.

Além disso, é por meio desse direito que todos os outros são assegurados, ou seja, este inciso atua como um mecanismo de efetivação de direitos (sociais e individuais). Isso porque, sem acesso à justiça, não há garantia de que as leis sejam respeitadas. 

Todos podem reivindicar seus direitos e o poder judiciário não pode se esquivar de solucionar as solicitações. Nesse sentido, é interessante analisar que o acesso à justiça é o principal meio para se atingir a função principal do direito: garantir a pacificação social, isto é, fazer com que uma sociedade se mantenha civilizada e em pleno funcionamento. 

O DIREITO DE ACESSO À JUSTIÇA NA PRÁTICA

Como mencionado anteriormente, todas as pessoas – físicas ou jurídicas – que tiveram um direito violado, ou até mesmo ameaçado de violação, podem obter a tutela do poder judiciário, ou seja, recorrer a esse poder para resolver seus impasses. 

Dessa maneira, tornam-se necessários mecanismos que efetivem o que está previsto na Constituição. Estes são alguns exemplos de mecanismos criados pelo Estado para esse fim:

  • Juizados especiais (Lei n. 9.099, de 26 de setembro de 1995): têm competência para as causas cíveis de menor complexidade e para as infrações penais de menor potencial ofensivo. Os juizados representam uma das maneiras mais efetivas para concretização do acesso à justiça, em razão de sua informalidade, sua eficiência e sua rapidez, pois o interessado, a depender do valor de sua causa, pode propor uma ação sem advogados.
  • Assistência judiciária gratuita (Lei n. 1.060, de 5 de fevereiro de 1950): para aqueles que não tiverem condições financeiras de pagamento de custas e demais despesas decorrentes de uma ação judicial, esse tipo de assistência judiciária possibilita até mesmo a prestação gratuita de serviços advocatícios.
  • Defensoria Pública (Lei Complementar n. 80, de 12 de janeiro de 1994): garante o acesso à justiça para todas as pessoas, com a prestação da assistência jurídica integral e gratuita. Os defensores públicos prestam assistência jurídica, dão orientação e promovem a defesa de direitos em todas as instâncias e nos âmbitos federal (com a Defensoria Pública da União) e estaduais (Defensorias Públicas dos estados e Distrito Federal).
  • Pro bono: prestação de serviços jurídicos gratuitos por advogados profissionais liberais de modo caritativo, de acordo com as determinações da Ordem dos Advogados do Brasil.

Além desses mecanismos, o acesso à justiça pode ser assegurado por meios alternativos de solução de conflitos (conciliação, mediação e arbitragem), que têm ganhado relevância nos últimos anos por oferecerem prestação jurisdicional mais eficiente e satisfatória:

  • Conciliação (Código de Processo Civil, arts. 165 e 334): é um método autocompositivo de solução de controvérsias segundo o qual cabe às próprias partes discutir uma solução para o conflito, com base em sugestões e intervenções realizadas por um conciliador. Idealmente, as partes não devem ter vínculo anterior. A conciliação está prevista no Código de Processo Civil e uma audiência de conciliação será designada pelo juiz no início de todos os processos cíveis, salvo se ambas as partes discordarem;
  • Mediação (Código de Processo Civil, art. 165 e Lei n. 13.140, de 26 de junho de 2015): também é um método autocompositivo de solução de controvérsias em que cabe às próprias partes discutir e negociar uma solução para o conflito, com o auxílio de um mediador capacitado. Ao contrário da conciliação, na mediação as partes já têm vínculo anterior. Pode ocorrer no âmbito judicial ou extrajudicial e resultar em um acordo assinado e de caráter obrigatório para ambas as partes;
  • Arbitragem (Lei n. 9.307, de 23 de setembro de 1996): é um método heterocompositivo (assim como o poder judiciário) em que a disputa será solucionada por uma pessoa de confiança escolhida pelas partes (o árbitro). A decisão do árbitro é obrigatória e vale como uma sentença judicial.

CONCLUSÃO

Mesmo com os diversos avanços alcançados na efetivação do direito de acesso à justiça, muitos obstáculos ainda impedem a sua concretização em toda a sociedade. Essa dificuldade é ainda mais evidente em causas de menor valor, de autores individuais e, entre eles, de pessoas que não têm condições financeiras para contratar um advogado. 

Portanto, é muito importante que todos nós possamos exercer a democracia por meio de debates, da reivindicação da ampliação e da facilitação do direito de acesso à justiça. Assim, talvez, em um futuro próximo, conseguiremos garantir o acesso pleno e eficaz à justiça no Brasil.


Esse conteúdo foi publicado originalmente em fevereiro/2020 e atualizado em setembro/2023 com objetivo de democratizar o conhecimento jurídico sobre o tema de forma simples para toda população. Para acessar maiores detalhes técnicos sobre o assunto, acesse o Livro do Projeto Artigo Quinto.


Autores

Bruno Araújo França

Mariana Mativi

Matheus Silveira


Fontes

Instituto Mattos Filho

Inciso XXXV, Artigo 5º, CF – Planalto

CAPPELLETTI, Mauro; GARTH, Bryant. Acesso à Justiça. Tradução de Ellen Gracie Northfleet. Porto Alegre: Fabris, 1988. p. 12.

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