Artigo Quinto

PUBLICADO EM:
outubro 13, 2020

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Inciso LXXII – Habeas data

“Conceder-se-á habeas data: a) para assegurar o conhecimento de informações relativas à pessoa do impetrante, constantes de registros ou bancos de dados de entidades governamentais ou de caráter público; b) para a retificação de dados, quando não se prefira fazê-lo por processo sigiloso, judicial ou administrativo”

HABEAS DATA

O inciso LXXII do artigo 5º da Constituição trata sobre o habeas data, que é um “remédio constitucional” usado para que seja garantido o direito à informação e à intimidade. Por meio dessa ação, o cidadão interessado – juridicamente chamado de impetrante – pode ter acesso às informações que constam nos bancos de dados governamentais em seu nome, bem como pode exigir que tais informações sejam corrigidas e/ou retificadas.

Quer saber mais sobre como a Constituição define este direito e por que ele é tão importante, bem como sua história e como é aplicado na prática? Continue conosco! A Politize!, em parceria com a Civicus o Instituto Mattos Filho, irá descomplicar mais um direito fundamental nessa série do projeto “Artigo Quinto”.

Para conhecer outros direitos fundamentais, confira a página do projeto, uma iniciativa que visa tornar o direito acessível aos cidadãos brasileiros.

DESCOMPLICANDO O INCISO LXXII

O inciso LXXII do artigo 5º, promulgado pela Constituição Federal de 1988, define que:

conceder-se-á habeas data: a) para assegurar o conhecimento de informações relativas à pessoa do impetrante, constantes de registros ou bancos de dados de entidades governamentais ou de caráter público; b) para a retificação de dados, quando não se prefira fazê-lo por processo sigiloso, judicial ou administrativo

É por meio do habeas data (HD – “tenha os dados” em latim), que o cidadão interessado – juridicamente chamado de impetrante – pode ter acesso às informações que constam nos bancos de dados governamentais em seu nome, bem como pode exigir que tais informações sejam corrigidas e/ou retificadas.

O direito contido neste inciso é um “remédio constitucional” que visa à proteção do direito à informação e à identidade informática, da intimidade, da vida privada, da honra e da imagem, garantias previstas em outros dispositivos constitucionais. 

Assim, ele assegura a qualquer indivíduo o direito de acessar e ter conhecimento sobre suas informações pessoais constantes em registros ou bancos de dados de entidades governamentais ou de caráter público, bem como o direito à correção desses dados.

Nesse sentido, o habeas data pode ser utilizado para a obtenção de registros constantes em bancos de dados estatais, como o da Receita Federal, ou privados, mas de caráter público, como os de serviços de proteção ao crédito (SPC) ou os cadastros de consumidores. 

A aplicação do inciso LXXII do artigo 5º é mais simples de se entender com um exemplo prático: imagine que você solicita um empréstimo a uma empresa. Para tomar sua decisão, a empresa precisa consultar seus dados de crédito, contudo, o SPC se nega a informá-los. Nesse caso, seria possível solicitar um habeas data à Justiça para ter acesso aos seus dados de crédito presentes em tal banco de dados.

Contudo, o direito à informação e à intimidade protegido pelo HD não é absoluto, já que o próprio artigo 5º, inciso XXXIII, da Constituição Federal autoriza o poder público a recusar, em hipóteses muito restritas, fornecer informações cujo sigilo seja indispensável à segurança da sociedade e do Estado.

HISTÓRICO DO HABEAS DATA

Ainda que com nome diferente, figuras semelhantes ao habeas data existiram desde a década de 1970 em diferentes países, como Portugal, Espanha e Estados Unidos. No Brasil, o habeas data surgiu com a Constituição Federal de 1988 – vigente até os dias de hoje – como uma forma de a Assembleia Constituinte demonstrar seu repúdio pela ditadura militar, que impunha sigilo às informações relativas aos cidadãos, sobretudo aquelas em poder dos órgãos de segurança nacional.

Nesse período, o Estado brasileiro mantinha informações sigilosas sobre a vida privada das pessoas, muitas vezes adquiridas de modo ilegal, que acabavam por sustentar o aparato de repressão política e ideológica da ditadura. Com o habeas data, o acesso dos cidadãos brasileiros a esses dados foi viabilizado e facilitado.

Vale ressaltar também que, em tese, já existia na época o mandado de segurança, que é um instrumento constitucional capaz de garantir ao interessado o conhecimento de seus dados e de suas informações, bem como sua correção, no caso de recusa injustificada do Estado. Contudo, a introdução de um processo específico para tal finalidade reforça o caráter simbólico do habeas data como meio de proteção do indivíduo contra eventuais atos do Estado.

A IMPORTÂNCIA DO INCISO XLVIII

O habeas data foi introduzido na Constituição Federal de 1988 como um instrumento para barrar o controle indevido do Estado sobre os indivíduos. Assim, os cidadãos passaram a ter acesso aos registros relativos a seus dados pessoais, até então controlados pelo Estado – muitas vezes de forma arbitrária e abusiva. 

Paralelamente, ele funciona como uma forma de controle da atuação do Estado por parte dos indivíduos, que podem ter acesso às suas informações sobre o poder do Estado, podendo atuar também para corrigi-las. 

Com isso, o objetivo primordial do habeas data é proteger a esfera íntima dos indivíduos. Essa proteção ocorre de duas maneiras: prevenindo o uso abusivo de registros de dados pessoais obtidos por meios fraudulentos ou ilícitos e, também, evitando a inclusão de dados sensíveis nos registros públicos. 

Esses dados sensíveis incluem informações como opinião política, religião, filiação partidária ou sindical, orientação sexual, entre outros. Vale ressaltar que essa prática de inclusão de dados sensíveis nos registros públicos era amplamente utilizada durante o período ditatorial de 1964.

A indevida utilização de dados armazenados pode acabar por restringir uma série de outros direitos fundamentais. Entre eles: 

  • direito à igualdade pode ser violado em razão da utilização de informações constantes de bancos de dados para fins de discriminação; 
  • liberdade de exercício de trabalho pode ser afetada quando um candidato a emprego tem sua contratação recusada por constar em cadastros de pessoas que ajuizaram ações trabalhistas; 
  • A liberdade de reunião em espaço público pode ser afetada se os seus participantes forem filmados e registrados sem justificativa; e
  • O processo eleitoral pode ser prejudicado se dados pessoais forem tratados de forma ilegal para tentar influenciar os eleitores.

O INCISO LXXI NA PRÁTICA

Até a introdução da Lei n. 9.507/1997, que regulamenta o procedimento a ser adotado na efetivação do direito ao habeas data, adotava-se como modelo para o uso desse instrumento o rito do mandado de segurança individual, outro remédio constitucional. Assim, a Lei n. 9.507/1997 é um avanço na concretização do direito à privacidade e da proteção à identidade informática, que ocorreu quase dez anos após o advento da Constituição Federal de 1988. 

Nesse sentido, trazendo novamente o debate observado no capítulo anterior (sobre o mandado de injunção), fica evidente a ineficiência do Poder Legislativo para regulamentar direitos garantidos na Constituição e, assim, torná-los úteis aos cidadãos, visto que apenas dez anos depois da promulgação da Constituição o habeas data foi finalmente regulado.

Além das possibilidades de obter informações sobre o que consta nos registros públicos e solicitar a retirada ou correção desses registros, a Lei n. 9.507/1997 prevê mais uma situação: a anotação, isto é, uma nota nos registros do requerente, de contestação ou explicação sobre determinado dado, que continuará nos bancos de dados, mas com uma explicação de por que está lá.

COMO SOLICITAR UM HABEAS DATA?

O direito garantido pelo habeas data, via de regra, somente poderá ser exercido pelo próprio titular dos dados que se pretende conhecer e/ou corrigir, incluindo pessoas jurídicas. Contudo, em caso de falecimento, admite-se que herdeiros legítimos ou cônjuge possam solicitar, por meio do habeas data, o direito ao conhecimento ou à correção de dados.

Outro ponto relevante é que o habeas data é uma medida gratuita, não sendo cobradas custas e despesas judiciais no curso do processo, sendo necessário apenas um advogado para sua elaboração e sua condução.

Além disso, uma condição para a impetração do habeas data é que seja primeiramente apresentado um requerimento, pelo interessado, à autoridade ou órgão detentor das informações que se pretende conhecer ou corrigir. A autoridade terá, então, 48 horas para atender ou não ao pedido e 24 horas para comunicar sua decisão ao indivíduo que fez o requerimento. 

Somente com a recusa ou omissão dessa autoridade ou órgão, no prazo estabelecido, é que poderá ser impetrado o habeas data pelo interessado. Ou seja, para que o habeas data seja cabível, é necessário que, antes, a informação seja solicitada pela via administrativa e negada pelo órgão que foi solicitado.

Caso se pretenda a retificação de informações, o interessado deverá apresentar petição acompanhada dos documentos que comprovem a incorreção dos dados armazenados. O órgão ou autoridade terá até 10 dias para efetuar a correção e comunicá-la a quem a requereu. 

Apenas com a recusa ou com a omissão da apresentação ou correção das informações é que se pode propor o habeas data. A propositura é feita por meio de uma petição inicial em que é obrigatória a apresentação de prova de que o órgão ou autoridade recusou-se a apresentar ou alterar as informações ou deixou de se manifestar a respeito dos pedidos. 

Feito isso, o juiz que analisar essa petição inicial ordenará que se notifique a autoridade ou órgão detentor dos dados, para que sejam prestados os devidos esclarecimentos no prazo de 10 dias. Após esse prazo, o Ministério Público terá até cinco dias para se manifestar, para que então o juiz apresente sua decisão em até cinco dias. Caso o habeas data seja aceito, será marcada uma data para que o órgão ou autoridade disponibilize ou corrija os dados do cidadão.

Recentemente, a Lei n. 13.709/2018 (Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais – LGPD) estabeleceu um marco legal específico sobre proteção de dados no país, que dispõe sobre o tratamento de dados pessoais, inclusive nos meios digitais. 

É possível que as recentes discussões envolvendo a LGPD e a utilização de dados pessoais dos cidadãos por entidades governamentais e privadas acabem por ampliar a utilização do habeas data. Isso porque a LGPD prevê que o titular de dados pessoais tem o direito de obter, após requisição à entidade que controla tais dados, acesso a eles e correção daqueles incompletos, inexatos ou desatualizados. A negativa de apresentação ou retificação desses dados, como vimos, autoriza a solicitação do habeas data.

CONCLUSÃO

Assim, chegamos ao fim de mais um texto do projeto “Artigo Quinto”. Nele, você aprendeu sobre a importância do habeas data para a proteção do direito à informação e à intimidade bem como, sua utilidade e histórico. Até a próxima!

  • Esse conteúdo foi publicado originalmente em outubro/2020 e atualizado em setembro/2023 com objetivo de democratizar o conhecimento jurídico sobre o tema de forma simples para toda população. Para acessar maiores detalhes técnicos sobre o assunto, acesse o Livro do Projeto Artigo Quinto.

Autores:
  1. Mariana Mativi
  2. Matheus Silveira da Silva
  3. Paloma Caetano Silva Almeida

Fontes:
  1. Instituto Mattos Filho;
  2. Artigo 5° da Constituição Federal – Senado;

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