Artigo Quinto

PUBLICADO EM:
28 de maio de 2019

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Caput

Em seu caput, o artigo 5º da Constituição assegura igualdade perante a lei, válida para todos. Confira como os direitos básicos são assegurados na Constituição.

ARTIGO 5º DA CONSTITUIÇÃO – DEFININDO NOSSOS DIREITOS FUNDAMENTAIS

O artigo 5º da Constituição Federal (CF) de 1988 conta com 79 incisos que determinam quais são nossos direitos fundamentais, como a Igualdade de Gênero, a Liberdade de Manifestação do Pensamento e a Liberdade de Locomoção, que têm como objetivo assegurar uma vida digna, livre e igualitária a todos os cidadãos de nosso país.

Entretanto, poucos lembram que todo artigo tem um texto próprio, chamado de Caput, que traz a ideia principal que seus incisos, parágrafos e/ou alíneas devem respeitar, defender e regular.

A Civicus e a Politize!, em parceria com o Instituto Mattos Filho, desenvolveram uma série de conteúdos exclusivos sobre os incisos do artigo 5º da Constituição de 1988, além de seu Caput, que será analisado neste texto.

Para conhecer outras liberdades e direitos fundamentais garantidos na Constituição de maneira didática e descomplicada, não deixe de visitar o site do projeto Artigo Quinto.

ANTES DE MAIS NADA, O QUE É UM CAPUT?

A palavra Caput é originária do latim e significa “cabeça” ou “parte superior”. O Caput se refere ao texto que acompanha o artigo em sua linha principal, logo após a sua numeração. Por isso, podemos pensar nele realmente como a “cabeça” do artigo, ou seja, como o material-fonte para seus parágrafos, incisos e alíneas.

A organização das leis pode ser assim resumida: o artigo, em seu caput, indica a ideia central daquele dispositivo normativo, com os parágrafos prevendo seus desdobramentos, como exceções e condições. Já os incisos são enumerações, complementos e adições que dão suporte ao caput, enquanto as alíneas costumam ser usadas  para explicações ainda mais detalhadas, geralmente dentro dos incisos

Se está com dificuldade para entender o “juridiquês” da estrutura das leis, não tem problema! Fizemos um texto exclusivo explicando detalhadamente como compreender uma lei.

O QUE DIZ O CAPUT?

Pode-se compreender, com base no texto da lei, que o Caput do artigo 5º é um resumo de como devem ser garantidos os direitos fundamentais dos indivíduos no Brasil. É por meio deles que os direitos fundamentais encontram meios, segundo a Constituição,  de alcançar os seus objetivos, previstos em seu próprio artigo 3º. São eles:

“Art. 3º. Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil:

 I – construir uma sociedade livre, justa e solidária;

II – garantir o desenvolvimento nacional;

III – erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais;

IV – promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação”.

Note que os incisos do artigo 5º guardam relação com esses objetivos. O princípio da igualdade, por exemplo, é um dos direitos fundamentais que visam assegurar o inciso IV do artigo 3º, que busca “promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação”.

A igualdade também é indispensável para que se atinja o objetivo de “erradicar a pobreza e a marginalização”. Porém, mesmo com a previsão legal, a realidade nos apresenta outro cenário, com quase 7 milhões de famílias sem um teto para morar no Brasil. Por isso, é importante ressaltar que a mera previsão de um direito na Constituição não basta para torná-lo efetivo.  Existem medidas que requerem ações concretas do Estado.

Há no Caput do artigo 5º o “direito à propriedade privada”, que também se faz presente em seu inciso XXII, garantindo aos cidadãos o direito a possuir propriedade privada sem interferência do Estado ou de terceiros. Esse direito, no entanto, admite exceções como a possibilidade da desapropriação caso a propriedade não atenda à sua função social.

As liberdades são protegidas, mais notoriamente, nos incisos IV (Livre Manifestação do Pensamento), VI (Liberdade Religiosa), XV (Liberdade de Locomoção) e XVII (Liberdade de Associação).

Por suas altas responsabilidade e relevância, os constituintes decidiram incluir o artigo 5º no elenco das cláusulas pétreas (art. 60, § 4º, inciso IV, CF). Essa decisão assegura a proteção de nossos direitos fundamentais e dos princípios da Constituição face a eventuais emendas constitucionais. Com isso, caso o Congresso Nacional tente abolir um dos direitos ali previstos, por exemplo aprovando uma emenda constitucional para criar a possibilidade de pena de morte em época de paz (o que é vedado pelo art. 5º, inciso XLVII, alínea “a”, CF), é possível que uma ação seja proposta no STF para que a proposta seja declarada inconstitucional.

Dentro de nossa legislação, existem outras ferramentas que buscam implementar os direitos fundamentais, como o Estatuto da Igualdade Racial (Lei n. 12.288, de 20 de julho de 2010), a Lei de Acesso à Informação (Lei n. 12.527 de 18 de novembro de 2011) e a Lei de Migração (Lei n. 13.445, de 24 de maio de 2017).

Já para a manutenção da igualdade entre todos os cidadãos, além do próprio inciso I do artigo 5º, há outras leis, como a Lei 11.789, que proíbe a inserção nas certidões de nascimento e de óbito de expressões que indiquem condição de pobreza e semelhantes, e as Leis n. 7.716, de 5 de janeiro de 1989, e n. 9.459, de 13 de maio de 1997, que criminalizam preconceitos de raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional.

Para assegurar a igualdade de direitos fundamentais às mulheres, houve a ratificação da Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra as Mulheres, que resultou no Decreto n. 4.377, de 13 de setembro de 2022, além da Lei 11.340 de 7 de agosto de 2006, conhecida como Lei Maria da Penha, que criou mecanismos para combater a violência doméstica contra a mulher. Já o Decreto n. 3.956, de 8 de outubro de 2001, que internalizou a Convenção Interamericana para Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra as Pessoas Portadoras de Deficiência, tem como objetivo combater a exclusão desta população e promover acessibilidade a todos.

ORIGEM DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS NO BRASIL E NO MUNDO

Os direitos fundamentais surgem a partir das Revoluções Liberais do Séc. XVIII, embora seja possível identificar em momentos anteriores da história “uma progressiva recepção de direitos, liberdades e deveres individuais que podem ser considerados [seus] antecedentes”. As principais marcas desse surgimento são a Declaração de Direitos do Povo da Virgínia, editada em 1776, no contexto da luta pela independência dos Estados Unidos, e a Declaração de Direitos do Homem e do Cidadão de 1789, produto da Revolução Francesa.

No Brasil, os direitos fundamentais fizeram-se presentes em todos os textos constitucionais, embora apresentassem a cada momento histórico níveis diferentes de efetividade perante o Estado e a sociedade. Por exemplo, na primeira Constituição brasileira, de 1824, os direitos fundamentais ficavam contidos no Título 8º, “Das Disposições Geraes, e Garantias dos Direitos Civis, e Políticos”. Seu artigo 179 apresentava, em sua redação, uma versão prematura do caput do artigo 5º. Ele dizia assim: 

A inviolabilidade dos Direitos Civis, e Politicos dos Cidadãos Brazileiros, que tem por base a liberdade, a segurança individual, e a propriedade, é garantida pela Constituição do Imperio, pela maneira seguinte.

A Constituição do Império parecia não ver qualquer contradição em tratar do direito à liberdade em um país onde existia escravidão. Apesar de não prever todos os direitos fundamentais que temos atualmente assegurados na Constituição de 1988, é interessante notar o quanto o Título 8º já trazia o escopo inicial do que se tornaria a base de nossa legislação vigente, o que indica o contínuo desafio de se concretizar e ampliar os direitos e garantias dos indivíduos no Estado brasileiro.

Um grande revés na implementação de direitos fundamentais ocorreu durante o regime militar. Mesmo com a previsão desses direitos na Constituição de 1967 e, depois, na Emenda Constitucional nº 61/1969, os cidadãos sofreram muitas limitações. As principais delas vieram após o Ato Institucional n. Cinco (AI-5) adotado pelo presidente à época, Artur da Costa e Silva, em dezembro de 1968. Entre as diversas arbitrariedades que prosperaram naquela época, houve a suspensão de direitos políticos, a privação do direito de ir e vir e a limitação à livre manifestação do pensamento, possibilitando a imposição de censura aos veículos de imprensa.     

Após esse período turbulento da história brasileira, ouvindo os anseios populares, como o movimento Diretas Já, foi elevado um Poder Constituinte que elaborou e promoveu a redação da atual Constituição, implementada em 1988, conhecida também como a Constituição-Cidadã. A voz do povo pedia a volta das liberdades individuais e dos direitos fundamentais e, assim, chegamos aonde estamos hoje, com um artigo 5º sólido e que defende toda a população – pelo menos na teoria.

  • Conheça cada uma das sete Constituições que o Brasil já teve acessando nossa Trilha de Conteúdo.

A REALIDADE GLOBAL DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS

Apesar de organizações internacionais influentes, como a Organização das Nações Unidas (ONU), promoverem a universalidade dos direitos fundamentais – que na esfera internacional são chamados de direitos humanos e consagrados em documentos como a Declaração Universal dos Direitos Humanos –, muitos países continuam cometendo arbitrariedades contra seu povo.

Com efeito, a análise de 197 países no Atlas de Risco de Direitos Humanos de 2014, elaborado pela Maplecroft, revelou que, nos últimos seis anos, o número de países com um “risco extremo” de ferir os direitos humanos aumentou dramaticamente. Em 2008, eram 20 países com essa possibilidade, mas em 2014 esse número subiu para 34, o que representa um aumento de quase 70%. Dos países com alto risco de violações, Síria, Egito, Líbia, Mali e Guiné-Bissau são os que apresentam maior deterioração de sua situação de direitos humanos.

Geograficamente falando, nações do Oriente Médio e do Norte da África formam a grande maioria dos países na categoria de “risco extremo”. Com a repressão estatal de protestos e conflitos generalizados, a Síria é a mais perigosa entre os países avaliados. Já vários países da África Subsaariana estão na lista graças aos conflitos étnicos e à violência sexual.

Por comparação, podemos dizer que nós, brasileiros, temos nossos direitos fundamentais assegurados de forma razoavelmente consistente e uma legislação que busca nos garantir liberdades, igualdade e acessibilidade. Entretanto, essa é uma afirmação feita em tese. Na prática, ainda temos muitos desafios para superar, como a desigualdade de gênero, os preconceitos e a acessibilidade aos mecanismos do poder judiciário pelos mais pobres.     

Mesmo representando metade da população e parcela expressiva da força de trabalho nacional, as mulheres ainda enfrentam desafios na busca por um tratamento igualitário na sociedade, como demonstra a grande disparidade salarial em relação aos homens. São 107 milhões de brasileiras que, juntas, representam 42% da renda total dos trabalhadores do país e movimentam R$ 1,8 trilhão anualmente. Porém, mesmo com números tão expressivos, a desigualdade de gênero ainda as prejudica. Estima-se que, no Brasil, as trabalhadoras ganhem 24% a menos que um homem no mesmo cargo.

Quanto aos preconceitos, podemos mencionar o religioso, por exemplo. O Brasil é um Estado laico e a CF garante, no art. 5º, inciso VI, a livre prática religiosa da população. Porém, a realidade é outra: em 2016, segundo dados da Comissão do Combate à Intolerância Religiosa, foram registrados 1.014 casos de violência relacionados à intolerância religiosa no país, com mais de 70% deles sendo direcionados aos praticantes do Candomblé e da Umbanda, que são religiões de matriz africana. Portanto, há uma mistura entre racismo e preconceito religioso no tom dessas agressões, que acontecem com certa frequência e em números elevados mesmo com a proibição constitucional.      

Diante de tudo isso, podemos dizer que, comparativamente, não estamos mal no cenário internacional, mas ainda temos bastante coisa para melhorar.

CAPUT: O RESUMO DE NOSSOS VALORES

O caput do artigo 5º da Constituição de 1988 nos apresenta alguns dos principais direitos fundamentais do nosso sistema político, detalhando-os nos incisos seguintes. Ele é um norte de nossos valores como sociedade, sendo vital para um Estado justo e próspero.

Com o objetivo de assegurar uma vida digna, livre e igualitária a todos os cidadãos de nosso país, o caput do artigo 5º garante, na teoria, um Brasil ideal, mas isso segue longe de ser alcançado na prática. Apesar de estarmos relativamente bem no cenário internacional, permitindo que nossa população participe da democracia e do governo, ainda existem muitas barreiras aos nossos direitos fundamentais. Podemos – e devemos – melhorar.

Esse conteúdo foi publicado originalmente em junho/2019 e atualizado em agosto/2023 com objetivo de democratizar o conhecimento jurídico sobre o tema de forma simples para toda população. Para acessar maiores detalhes técnicos sobre o assunto, acesse o Livro do Projeto Artigo Quinto.

FONTES

https://www.politize.com.br/estrutura-das-leis-entenda/;

Coleção SARAIVA de Legislação – Constituição de 1988 comentada – 53ª edição;

Direito Romano – Portal Oficial do STF;

Legislação e ideias da Revolução Francesa;

Ideias Iluministas;

Independência dos EUA;

Bill of Rights// Emendas;

Constituições Nacionais;

Direitos Humanos pelo Mundo: https://www.maplecroft.com/solutions/human-rights-due-diligence/; https://www.huffpostbrasil.com/entry/human-rights-risk-atlas-2014-violations-maplecroft_n_4374133?ec_carp=7880008139935539679

Desigualdade de Gênero no Brasil;

Intolerância Religiosa no Brasil;

Índice de Desenvolvimento Humano 2018

BBC – Por que há uma guerra no Iêmen e qual é o papel das potências internacionais?

 Relatório de Disparidade de Gênero no Mundo 2019

 Diário de Notícias – O Iêmen e o direito das mulheres

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