Artigo Quinto

PUBLICADO EM:
dezembro 10, 2019

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Inciso XXXI – Sucessão de bens de estrangeiros

"A sucessão de bens de estrangeiros situados no País será regulada pela lei brasileira em benefício do cônjuge ou dos filhos brasileiros, sempre que não lhes seja mais favorável a lei pessoal do ‘de cujus’”

INCISO XXXI – SUCESSÃO DE BENS DE ESTRANGEIROS SITUADOS NO BRASIL

O inciso XXXI do artigo 5º foi promulgado pela Constituição Federal de 1988 com o intuito de solucionar possíveis problemas de sucessão de bens de estrangeiros situados no Brasil. Nesse contexto, o direito de sucessão relaciona-se ao direito de herança previsto no inciso XXX do mesmo artigo, também sobre o direito sucessório.

Quer saber mais sobre o que é e como funciona esse direito fundamental, bem como sua devida importância e seu histórico? Continue conosco, pois a Politize! em conjunto com a Civicus e o Instituto Mattos Filho vão esclarecer essa garantia em mais um texto do projeto Artigo Quinto.

Para conhecer outros direitos fundamentais acesse a página do Artigo Quinto, criada com intuito de difundir, de maneira descomplicada, as nossas garantias fundamentais enquanto cidadãos brasileiros.

O QUE DIZ O INCISO XXXI?

O presente inciso dispõe que:

Art. 5º, XXXI, CF – a sucessão de bens de estrangeiros situados no País será regulada pela lei brasileira em benefício do cônjuge ou dos filhos brasileiros, sempre que não lhes seja mais favorável a lei pessoal do ‘de cujus

Esse inciso da Constituição assegura que a sucessão de bens que estão no Brasil e que pertencem a estrangeiros será regulada pela lei brasileira. Essa condição pode ser afastada apenas nos casos em que a legislação do Estado do falecido seja mais vantajosa ao cônjuge ou filhos brasileiros. 

Nesse sentido, a intenção do constituinte foi a de favorecer os herdeiros, para que não só o direito de propriedade fosse garantido, mas também a dignidade da pessoa humana. Isso porque algumas legislações estrangeiras são mais rígidas e apresentam empecilhos para o recebimento de heranças em alguns casos. 

Um exemplo disso é quando o filho do falecido é de outro casamento: na legislação brasileira, não há restrições para que ele receba sua parte da herança. Entretanto, em leis mais rígidas, como a Sharia – conjunto de leis islâmicas baseadas no Alcorão –, não seria permitido que este filho recebesse sua parte da herança. 

Nesse contexto, o inciso XXXI do artigo 5° garante que a legislação reguladora do direito sucessório deste filho seja a brasileira, evitando que cenários internos de diferentes países afetem direitos fundamentais garantidos pela Constituição Brasileira. Por outro lado, o inciso prestigia a legislação estrangeira naquilo que se mostrar mais vantajosa e protetiva do que a brasileira, reforçando sua finalidade de salvaguardar o melhor interesse do cônjuge e filhos brasileiros.

O HISTÓRICO DO DIREITO DE SUCESSÃO NO BRASIL

  Para entender o histórico desse direito no Brasil, é necessário refletir acerca da propriedade. O direito de sucessão sempre esteve atrelado a diversos preconceitos, sobretudo em relação à transmissão dessas propriedades por meio de herança. 

Antigamente, por exemplo,  apenas os filhos homens podiam receber a herança dos pais, enquanto as mulheres ou não possuíam tal garantia ou se deparavam com entraves – como estarem ou não casadas com um homem – para receber sua parte da herança.

Além disso, especificamente no cenário brasileiro, o Código Civil de 1916 também não reconhecia que os filhos concebidos fora do casamento tivessem quaisquer direitos sucessórios, pois, segundo esse Código, a família era constituída apenas pelo casamento legal e com filhos legítimos. 

Tal disciplina foi vedada pela atual Constituição, por meio do princípio da igualdade jurídica entre os filhos, que garantiu o direito de herança aos filhos fora do casamento. 

Dessa maneira, a sucessão é entendida, atualmente, como a transmissão de títulos e obrigações para alguém que é herdeiro, legítimo ou não, por conta da morte do titular destes. Esse conceito de sucessão foi abarcado pelo Código Civil de 2002, sobretudo em seus artigos 1.841 e 1.843, em adequação aos ideais propostos na Constituição Federal

Nessa conjuntura, a Constituição Federal, em consonância com o Código Civil, identificou que a garantia do patrimônio estava diretamente associada à dignidade da pessoa humana, bem como reconheceu a isonomia dos dispositivos legais, buscando  igualar o tratamento dado a todos os herdeiros necessários. 

Desse modo, o constituinte tentou evitar que preconceitos – como os que antes faziam parte de nossa legislação – pudessem ser empecilhos para a sucessão de bens de estrangeiros a seus respectivos herdeiros, especialmente os herdeiros brasileiros. Além disso, a legislação brasileira ampliou a noção de herdeiro necessário ao reconhecer novas composições familiares, estendendo essa garantia, por exemplo, a casais homoafetivos e filhos adotivos.

O INCISO XXXI NA PRÁTICA

O presente inciso, na prática, garante a aplicação da lei mais favorável no direito de herança. Tal regra soluciona possíveis discussões em relação, por exemplo, à sucessão de bens para parceiros homoafetivos. Isso porque, segundo a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal (STF), o cônjuge é considerado um herdeiro necessário e, assim, aplica-se a lei brasileira em detrimento de leis em que o casamento homoafetivo não seja reconhecido ou que não incluam essas formas de família em sua legislação reguladora do direito sucessório.

Além disso, há também jurisprudência no contexto de filhos adotivos. Segundo o STF, eles também são considerados herdeiros necessários e, portanto, têm o direito de herança assegurado. Assim, no contexto de sucessão de bens de estrangeiros, a legislação aplicada será aquela mais vantajosa ao filho, seja ele adotivo ou biológico.

Assim, considera-se que a  legislação brasileira é progressista e garantista, visto que diversos cenários e diferentes modelos de família são abarcados. Assim, opta-se por trazer o cenário mais favorável possível para todos os modos de família e, consequentemente, condizente com as liberdades individuais de constituir família e com a própria dignidade da pessoa humana. 

Todavia, caso o estrangeiro não domiciliado no Brasil faleça e não tenha herdeiros brasileiros ou bens situados no país, o processo de sucessão se inicia submetido à sua lei de domicílio. Neste caso, perde-se o caráter de aplicação da lei mais favorável ao herdeiro e, por conseguinte, não há mais obrigação de aplicação da lei brasileira. 

A IMPORTÂNCIA DO DIREITO DE SUCESSÃO 

O direito de herança deve ser observado dentro de um conjunto maior de direitos, como a igualdade entre os filhos — prevista no artigo 227, § 6°, da Constituição Federal —, a dignidade da pessoa humana — com o direito de família e sua moderna concepção ligada à socioafetividade — e, sobretudo, o direito de propriedade e sua função social  como previsto no artigo 5°, sobretudo incisos XXII e XXIII,  da Constituição:

Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: 

XXII – é garantido o direito de propriedade;

XXIII – a propriedade atenderá a sua função social;

Nesse sentido, assegura que os bens sigam o regime de sucessão mais favorável, e não outro regime que, em princípio, poderia ser utilizado. Também ratifica que os herdeiros sejam tratados igualmente, sem quaisquer distinções. Por conseguinte, dar garantias acerca do direito à propriedade, de maneira a garantir uma sucessão isonômica da herança de falecido estrangeiro, também é assegurar a dignidade humana na medida em que se combate preconceitos diversos. 

Além disso, tem-se a proteção à família e à igualdade entre os irmãos: o inciso XXXI busca aplicar a lei brasileira por ela ser favorável às diferentes composições familiares e pelo fato de o Brasil ter uma Constituição que traz diversas garantias. Logo, deve se utilizar a lei mais favorável ao herdeiro no sentido de promover garantias e igualdade.


Esse conteúdo foi publicado originalmente em dezembro/2019 e atualizado em setembro/2023 com objetivo de democratizar o conhecimento jurídico sobre o tema de forma simples para toda população. Para acessar maiores detalhes técnicos sobre o assunto, acesse o Livro do Projeto Artigo Quinto.


Autoras:

Nicolle Barbosa Silva

Matheus Silveira

Mariana Mativi 


Fontes:

Art 5, inciso XXXI, CF – Senado

Código Civil – Planalto

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