Desenvolvido entre as décadas de 1960 e 1970, o Cinema Novo é tido como o primeiro marco a atrair atenção internacional para as produções cinematográficas feitas no Brasil.
O movimento expôs questões políticas e sociais latentes até os dias de hoje, como desigualdades de várias origens e opressões impostas por governos totalitários, repensando as possibilidades artísticas em nível nacional.
Mas, afinal, quais eram as características e os precursores dessa corrente fílmica? Como suas ideias e manifestações influenciaram o meio audiovisual brasileiro? Neste artigo, a Politize! te conta tudo isso e muito mais!

Origem do Cinema Novo
O Cinema Novo nasceu como uma resposta ao caráter das produções que dominavam as bilheterias brasileiras nos anos 1950.
Extremamente influenciado pelo estilo hollywoodiano, exportado a todo vapor pelos Estados Unidos após o fim da Segunda Guerra Mundial, o cinema do período investia em musicais, comédias e histórias épicas – obras frequentemente realizadas com recursos de produtoras e distribuidoras estrangeiras.
O contexto social e político da época, por sua vez, englobava discussões afiadas e mobilizações conturbadas. Ao redor do mundo, despontavam o embate ideológico da Guerra Fria, a Revolução Cubana e muitas guerras de descolonização na África e na Ásia.
Já em terras brasileiras, processos de industrialização e urbanização se misturavam ao agravamento da pobreza e do analfabetismo.
Enquanto certos grupos populares manifestavam o desejo de romper com padrões culturais autoritários, o conservadorismo e a repressão ascendiam intensamente, abrindo caminho para a instalação de ditaduras em países então considerados de terceiro mundo.
Principalmente para a juventude brasileira, transformar essa realidade significava lutar contra a alienação intelectual e as desigualdades sociais que assolavam a população, produzindo longa-metragens que refletissem experiências mais palpáveis de suas vidas.

Nesse cenário, destacou-se a reunião de um grupo de cineastas que visava combater o tradicionalismo no modus operandi das obras brasileiras, então caracterizado pelo movimento como “cinema prostituído”.
Dispostos a atacar o industrialismo cultural e o tom paródístico das chanchadas, os precursores do Cinema Novo passaram a propor a criação de uma arte engajada, enraizada na cultura brasileira e movida pelas preocupações sociais.
Aos poucos, o movimento se tornaria cada vez mais sintonizado com a realidade vivida pelas camadas populares do Brasil, sendo considerado o momento cinematográfico mais político da América Latina naquele período.
Principais características do Cinema Novo
Inspirado por outros movimentos cinematográficos subversivos, como o Neorrealismo Italiano e a Nouvelle Vague francesa, o Cinema Novo priorizava filmagens em locações reais, usando atores amadores e orçamentos reduzidos para retratar o cotidiano de populações marginalizadas e oprimidas.
A ideia era desafiar e provocar o público, apropriando-se do cinema autoral como um instrumento de transformação da realidade.
Para gerar tais efeitos, cortes abruptos na transição de cenas, o descompromisso com a linearidade narrativa e a linguagem ora poética, ora documental eram aplicados de diferentes formas. Logo, o principal lema do Cinema Novo ficou conhecido como “uma câmera na mão e uma ideia na cabeça”.
A escassez de recursos e a grande liberdade criativa que definiram o movimento também tornaram cada uma de suas produções uma visão singular de seus autores.
Portanto, o Cinema Novo não apresentou homogeneidade estética, uma vez que o visual e o conteúdo de suas obras variavam constantemente.
Embora compartilhasse tal ausência de unicidade, o movimento como um todo foi impactado pelo manifesto Uma Estética da Fome, escrito por Glauber Rocha, em 1965.
O texto propunha um projeto artístico que revolucionasse o conceito de cinema, tomando-o como ferramenta de denúncia das injustiças sociais e de mudança política.
“Uma estética da violência antes de ser primitiva é revolucionária, eis aí o ponto inicial para que o colonizador compreenda a existência do colonizado. Somente conscientizando sua possibilidade única, a violência, o colonizador pode compreender, pelo horror, a força da cultura que ele explora”, afirmava o cineasta.
Conheça as eras do Cinema Novo
Mesmo que a busca por representar os dilemas brasileiros de forma autêntica, crítica e inovadora tenha perpassado toda a história do movimento, o Cinema Novo pode ser dividido em três fases. As diferenças entre elas compreendem, sobretudo, estilo e conteúdo.
Primeira fase
Articulada entre 1960 e 1964, foi responsável por representar os propósitos primordiais do movimento: retratar temáticas sociais presentes no cotidiano brasileiro, como pobreza, violência, alienação religiosa e exploração econômica.
Suas produções se distanciavam do imaginário anteriormente cultivado sobre o Brasil para o exterior, deixando de exaltar cenários paradisíacos do país para mostrar vivências dos sertões e periferias, por exemplo.
As críticas em tela também se estendiam à maneira como o povo lidava com questões históricas e sociais, ainda que os filmes da época apresentassem um certo otimismo em relação ao futuro.
Segundo o cineasta Cacá Diegues, um dos maiores expoentes do Cinema Novo, o foco dessa fase não estava na edição e no enquadramento das imagens, mas em espalhar a filosofia do proletariado – o que imprimiu um estilo documental nas narrativas visuais.
Algumas das principais criações do período são Cinco Vezes Favela (1961), dirigido por Cacá Diegues, Joaquim Pedro de Andrade, Leon Hirszman, Miguel Borges e Marcos Farias; e Deus e o Diabo na Terra do Sol (1964), de Glauber Rocha.

Segunda fase
Tendo como ponto de demarcação a deposição do então presidente João Goulart pelos militares, essa etapa durou de 1964 a 1968 e representou uma desconexão da população brasileira com os objetivos do movimento pelo Cinema Novo.
Sua promessa de proteger a democracia e os direitos civis usando a arte como instrumento político não se concretizou, levando a uma descrença generalizada nos princípios norteadores do movimento.
Buscando reconquistar o público e renovar suas forças, alguns autores se afastaram da “estética da fome” e começaram a trabalhar em uma atmosfera tecnicamente mais sofisticada, além de abranger críticas politizadas à elite.
O primeiro filme do Cinema Novo gravado em cores, inclusive, surgiu nessa época: Garota de Ipanema (1968), de Leon Hirszman.
Outros representantes do movimento, entretanto, permaneceram dedicados a um cinema engajado seguindo os moldes originais. Foi o caso de Glauber Rocha, que lançou “Terra em Transe” em 1967, fazendo clara alusão ao regime ditatorial-militar que comandava o Brasil. A obra acabou proibida pela censura por ser avaliada como subversiva.
Esse período também abarca contribuições da cineasta e roteirista Helena Solberg, única mulher realizadora do Cinema Novo. Seu primeiro trabalho, o curta-metragem A Entrevista (1966), agitou debates ao capturar a perspectiva de 70 mulheres de classe média-alta, na faixa de 19 a 27 anos, sobre assuntos como casamento, sexo, trabalho e papéis sociais.
Terceira fase
De 1968 a 1972, o Cinema Novo buscou inspirações e referências no Tropicalismo, que aderia cores que remetiam à flora brasileira e influências da cultura pop e do concretismo.
Assim como na música e na pintura, a ideia do cinema desenvolvido nesse período era romper com as expectativas de arte e chocar os espectadores. Também conhecida como “canibal-tropicalista”, a terceira fase do movimento brincou com o conceito de antropofagia em filmes como Macunaíma (1969), de Joaquim Pedro de Andrade, e Como Era Gostoso o Meu Francês (1971), de Nelson Pereira dos Santos.
Vale ressaltar que a perseguição da ditadura militar a seus opositores se intensificou após a instauração do AI-5, o que levou grandes cineastas do movimento ao exílio.
Por outro lado, as obras produzidas na época apresentavam avanços técnicos significativos, frutos dos processos crescentes de modernização e globalização.
As modificações de estilo e conteúdo levaram ao surgimento de uma nova vertente no movimento, o Novo Cinema Novo. Seu objetivo era retomar o foco inicial do Cinema Novo: personagens marginalizados e problemáticas sociais, que eram representados sob aspectos nus e crus, construindo a chamada “estética do lixo”.
A partir de então, nasceram obras como O Bandido da Luz Vermelha (1968), de Rogério Sganzerla, e Matou a Família e Foi ao Cinema (1969), de Júlio Bressane.

Com a criação da Embrafilme (Empresa Brasileira de Filmes), em 1969, o cinema nacional registrou um enorme crescimento na produção de filmes – o que não se refletiu na continuação da trajetória do Cinema Novo.
Alinhados ao regime militar, os novos longa-metragens se preocupavam em retratar aspectos e temas aceitos pela censura, fugindo da reprodução estética e/ou ideológica do movimento. Com isso, a era se dissolveu até o final da década de 1970.
Quais obras marcaram o movimento do Cinema Novo?
Além dos títulos já citados, muitos outros caracterizaram a trajetória singular do Cinema Novo. Confira mais produções fundamentais para compreender o movimento:
- Couro de Gato (1962), de Joaquim Pedro de Andrade;
- Ganga Zumba (1963), de Cacá Diegues;
- Porto das Caixas (1963), de Paulo César Saraceni;
- Vidas Secas (1963), de Nelson Pereira dos Santos;
- Os Fuzis (1964), de Ruy Guerra;
- A Falecida (1965), de Leon Hirszman;
- O Desafio (1965), de Paulo César Saraceni;
- O Padre e a Moça (1966), de Joaquim Pedro de Andrade;
- Todas as Mulheres do Mundo (1966), de Domingos de Oliveira;
- O Dragão da Maldade contra o Santo Guerreiro (1969), de Glauber Rocha.
Críticas ao Cinema Novo
Apesar de representar um marco simbólico para o audiovisual brasileiro, o Cinema Novo também é alvo de críticas importantes.
No Brasil, além de enfrentarem dificuldades de distribuição, as poucas produções do movimento que entraram em cartaz nos cinemas não despertaram o interesse do grande público.
Para alguns cineastas e historiadores, isso se deve à grande rejeição das classes burguesa e média aos assuntos retratados pelo movimento e à impossibilidade de acesso às obras pelas camadas populares.
Isso teria tornado o Cinema Novo mais consumido por estudantes e intelectuais que compartilhavam as mesmas noções políticas de seus idealizadores.
As denúncias e problematizações realizadas por determinados filmes do movimento também desagradaram críticos de cinema, que apontaram uma priorização estética em detrimento de propostas de ações claras para resoluções sociais e políticas.
Em muitos momentos, o tom pessimista e violento aderido pelo Cinema Novo foi visto como “derrotista”. Nesse sentido, suas obras eram consideradas extremamente críticas ao cenário brasileiro, mas pouco interessadas em oferecer caminhos possíveis para a ultrapassagem de múltiplas crises.
Legado histórico, cultural e artístico do Cinema Novo
Ainda que os filmes em questão tivessem poucas exibições nos cinemas nacionais, o empenho de seus autores atraiu atenção mundial, sobretudo da crítica europeia. Entre 1960 e 1972, o Cinema Novo ganhou 45 prêmios internacionais.
Essas condições não reduziram o impacto promovido por seus longa-metragens na história do cinema brasileiro. Marcado pelo descontentamento com questões políticas e sociais, o Cinema Novo é visto como um movimento de resistência e expansão da cinematografia nacional, dando início a construção de uma identidade anteriormente refém de ciclos descontinuados.

O movimento deixou marcas significativas no Terceiro Cinema, gênero que abrangia a produção cinematográfica de outros países considerados subdesenvolvidos na época.
Especialmente na América Latina e na África, as obras se debruçavam sobre diferentes contextos históricos, investindo em alto teor crítico e provocativo.
Embora seus representantes não se identificassem com os princípios da Embrafilme, o Cinema Novo também possibilitou o surgimento e fortalecimento da estatal diante do desgaste de suas lutas políticas.
Durante seu funcionamento, o órgão produziu e distribuiu longa-metragens nacionais de diversos gêneros, configurando-se como catalisador de poder econômico para a produção cinematográfica no Brasil.
Porém, a herança mais simbólica do Cinema Novo foi apostar em uma tentativa de desenvolver visões artísticas, culturais e sociais voltadas para o público brasileiro, abdicando de modelos hollywoodianos e outras pré-definições estrangeiras.
E aí, conseguiu compreender mais sobre a história do Cinema Novo e suas contribuições para o cinema brasileiro? Conta pra gente o que você achou nos comentários!
Referências
- JÚNIOR, Ailton da Costa Silva. Cinema novo brasileiro e representações sociais: diálogos entre sétima arte e sociologia. Revista Sinais, v. 2, n. 1, 2015.
- COLVERO JUNIOR, Thirso Naval. O nascimento do Cinema Novo no Brasil e sua representação da Marginalidade Social – Uma análise fílmica (1960-1964), 2020.
- Academia Internacional de Cinema – Cinema Novo
- Enciclopédia Itaú Cultural – Cinema Novo
- Instituto de Cinema – Cinema Novo: “uma câmera na mão e uma ideia na cabeça”