Mulheres diplomatas: a inserção das mulheres no Itamaraty

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Imagem: Diplomacia no Feminino/ Global Imagens/ Diário de Notícias.

Entrar no Itamaraty não é uma tarefa fácil, sobretudo para aquelas que habitam a alcunha de sexo frágil, tendo a sua capacidade limitada por uma concepção estigmatizada que classifica as mulheres como inferiores. 

Ao longo da história do Itamaraty, o capital social e cultural foram estabelecidos como auxiliadores da formulação de uma entidade masculina, hierárquica e alinhada aos padrões europeus (GOBO, 2018). Para Karla Gobo (2018, p. 441), as questões de gênero e raça foram marginalizadas, reforçando a construção imaginária do Itamaraty como um locus “da elite da elite”, classificando a diplomacia brasileira como um espelho desta.

Veja também nosso vídeo sobre o que é gênero!

Instituído como a “Casa da Elite”, o Itamaraty foi compreendido como um espaço onde a normatividade seria predominante, estabelecendo como verídica a segregação de grupos e indivíduos considerados inadequados ou fora dos padrões.

Embora a proibição da candidatura de mulheres ao cargo de diplomata, a limitação da atuação destas a partir da permissão do seu ingresso na instituição ou a sua alocação majoritária para cargos consulares sejam ações superadas, uma limitação ainda é existente quando o assunto é promoção, reconhecimento ou chefia. 

Por mais que habite o século XXI, o Itamaraty ainda reflete as concepções patriarcais que o acompanharam durante a sua formação e efetivação como instituição do Estado brasileiro, fazendo do gênero um limitador de oportunidade e acesso igualitário.

Cansadas da opressão existente e do patriarcado disfarçado de meritocracia, no ano de 2013 um Grupo de Mulheres Diplomatas nasceu como confronto a burocrática, machista e opressiva estrutura em que estavam inseridas, reivindicando o direito de sair das sombras dos homens, e serem reconhecidas pelo seu papel na instituição. 

Veja também: Machismo: você entende mesmo o que significa?

Diante disso, neste texto, a Politize juntamente com o Radar Governamental, buscam visitar as principais bibliografias que abordam este determinado assunto, trazendo uma relação entre os principais autores e documentos que evidenciem a questão das mulheres, o papel do gênero e, sobretudo, as movimentações destes aspectos dentro do Itamaraty e os seus ganhos. 

O concurso, a carreira e a hierarquia: a dificuldade de ser mulher no Itamaraty

Maria José Rebello, primeira diplomata. Imagem: Correio Braziliense/ Acervo.

A inserção das mulheres no mercado de trabalho é uma temática há muitos anos no centro do debate. O desenvolvimento de uma sociedade baseada na promoção igualitária dos indivíduos, em que o gênero não seja um problema de inserção, promoção e efetivação, é o sonho de muitas mulheres oprimidas por habitar a caracterização de “sexo frágil”.

Para aquelas que desejam uma ascensão, seja econômica ou social, terão que se desfazer da sua feminilidade e assumir o papel de “andrógina” (BALBINO, 2011, p.43), fazendo da masculinização das suas características tidas como femininas, o novo normal. As mulheres são obrigadas a sair do seu papel de feminino e assumir a rigidez das palavras, das ações e da postura como lema, conforme explicita Balestero (2019, p.627) ao utilizar a caracterização de Margaret Thatcher como “Dama de Ferro”.

Embora masculinizadas, as mulheres continuam sendo minoria quando o assunto é política, sobretudo internacional. Em muitos setores da sociedade, a baixa representatividade feminina é um fato, que apesar de muita luta, continua presente e estruturada. Para Balestero (2019), como um reflexo da sociedade que representa, o Itamaraty é uma instituição, que na atualidade ainda enfrenta problemas relacionados à inserção efetiva das mulheres no corpo diplomático brasileiro.

 Farias e Carmo compreendem que a diplomacia é vista como uma carreira para homens, em que o imperativo masculino é estabelecido, mesmo que implicitamente, como o mais correto e promissor, sendo uma profissão em que as redes de poder masculinas reinam (2016, p.28). 

Dessa forma, apesar de estarem no Itamaraty, as mulheres assumem os postos mais baixos da hierarquia, no ano de 2011, apenas de 7,7% delas estavam no cargo de Ministro de Primeira Classe, como evidência Balbino (2011, p.66). Segundo a autora, essa baixa representação, bem como a dificuldade de ascensão na carreira, acaba inibindo a entrada de outras mulheres que pretendem seguir a profissão.

Em uma sociedade baseada numa estrutura patriarcal, o gênero ainda parece ser o definidor das relações de trabalho (BALBINO, 2011, p.48). Balestero (2019) entende que a estrutura machista existente na sociedade brasileira do século XXI é atuante no campo político, em que a inserção feminina é algo de difícil efetivação.

No Ministério das Relações Exteriores (MRE), por exemplo, Farias e Carmo (2016, p.13) dissertam que as mulheres têm dificuldade para acessar locais de mais prestígio, como o Gabinete do Ministro ou a Secretaria-Geral , sendo a atuação destas no exterior proporcionalmente menor do que a dos homens.

Ou seja, o gênero é estabelecido como um aspecto limitador do desenvolvimento feminino, seja no campo doméstico ou internacional, contendo  até mesmo o crescimento das diplomatas na carreira, como defende Balbino. 

É importante ressaltar, contudo, que a baixa representação feminina no MRE não é um aspecto pertencente apenas à estrutura interna da instituição, pois, desde as inscrições no Concurso de Admissão à Carreira Diplomática (CACD) as mulheres já são marginalizadas. Para Balbino, isso acontece devido à carreira diplomática ser alinhada à imagem masculina, sendo os modelos femininos pouco difundidos pelas mídias do Ministério (2011, p.67). Dessa forma, as mulheres de fora do Itamaraty não conseguem se reconhecer ou se sentir representadas por aqueles que atuam na instituição.

 Como defende Farias e Carmo (2016, p.29), a presença feminina é desarticulada pelo MRE, estabelecendo uma desigualdade de acesso entre homens e mulheres quando o assunto é divulgação midiática. Dessa maneira, não é possível a implementação de uma efetiva igualdade de gênero, pois, para isso ocorrer, Balestero (2019, p.626) compreende que “é necessária a igualdade de oportunidades de acesso entre homens e mulheres na carreira diplomática e ser incentivada a participação no concurso de admissão e fornecidos mecanismos que apoiem a progressão feminina na carreira”.

Veja também: Paridade de gênero: todos são iguais perante a lei?

Balestero compreende que a hierarquia existente na diplomacia acaba oprimindo as mulheres e estagnado suas carreiras, tendo a maioria destas que pretendem entrar no Itamaraty ingressado na carreira de oficial de chancelaria, algo mais próximo ao secretariado (2019, p. 625). 

Para aquelas que desejam trabalhar no MRE, a carreira como oficial de chancelaria tem sido estabelecida como uma possibilidade de ocupação. Balbino defende, contudo, que a ampla presença feminina nesse cargo não é nada positiva, pois reflete a postura assistencialista concedida à figura feminina (2011, p.68). Nota-se, portanto, que os cargos administrativos mais estagnados, bem como os assistencialistas e as atividades de subordinação são desempenhadas por mulheres, evidenciando a concepção de Farias e Carmo de que a “mobilidade é um atributo masculino, enquanto situações estacionárias e sedentárias são feminizadas.”(FARIAS E CARMO, 2016, p.21).

Entre avanços e retrocessos: a movimentação das mulheres dentro no Itamaraty e a criação do Grupo de Mulheres Diplomatas

Como agentes subjacentes, às mulheres habitam o Itamaraty, possuindo papéis secundários quando o assunto é articulação política, negociação ou chefia. Karla Gobo defende que, embora estejam no Ministério, essa conquista não as garante uma efetiva atuação: elas vivem às sombras dos grandes cavaleiros, ou seja, dos homens brancos e eruditos. (2018, p.441). 

As mulheres estão condicionadas a uma participação pouco significativa devido à estrutura patriarcal da instituição, que reina disfarçada de meritocracia, como compreendem Farias e Carmo (2016).

Com o intuito de contestar as ações machistas e opressoras presentes no MRE, no ano de 2013 foi criado o Grupo de Mulheres Diplomatas, um coletivo informal. O grupo parte da iniciativa de uma colega da diplomata Viviane Rios Balbino, a qual tinha interesse em discutir temáticas de gênero e busca reunir mulheres que se preocupavam com a causa. 

Desta forma, estas mulheres criaram um grupo no Facebook em que se propunham a discutir temas diversos, como as questões familiares — problemas envoltos a maternidade, acesso à creche, horário de funcionamento das escolas — e políticos — debates acerca da ascensão profissional,  saúde da mulher, saúde sexual e reprodutiva

De acordo com Nogueira e Balbino (2018), o grupo tinha como intuito a defesa da mulher e a rejeição ao gênero como aspecto definidor das relações de trabalho. O Grupo de Mulheres Diplomatas nasce como uma resposta à grande insatisfação das mulheres de permanecer imersas em uma história de subordinação e desigualdade no ambiente de trabalho

Entre desafios e interesses comuns, o coletivo elegeu as redes sociais como mecanismo para expor a luta pelos direitos das mulheres e alcançar uma efetiva conquista, a igualdade de gênero. Dessa maneira, utilizando da “tomada democrática de decisões, por meio de votações on-line; formato horizontal, sem hierarquia ou corpo diretor fixo; e designação pontual de representantes, também por votação” (NOGUEIRA E BALBINO, 2018, p.42) para construir um ambiente onde todas as mulheres pudessem falar e se expressar.

Veja também nosso vídeo sobre direitos das mulheres!

Marginalizadas e esquecidas: a minoria exótica que habita o Itamaraty  

Vista como uma carreira em que a ótica feminina permanece negligenciada, desde a preparação para o concurso de admissão à carreira diplomática barreiras são impostas e desafios são lançados sobre aquelas que pretendem contestar a masculinidade da profissão  e romper o estigma social posto. 

A falta de apoio familiar, bem como o não reconhecimento da diplomacia como um ambiente que também pode ter rosto de mulher, são aspectos que quando somados acarretam uma inserção acidental. 

O sonho de ser diplomata é tardio, somado-lhe o pouco  apoio, assim como a falta de recursos financeiros para custear os estudos para o concurso, torna a chegada das mulheres ao Itamaraty uma conquista constrangida por dilemas. 

Uma vez dentro da instituição, o lugar da mulher não está dado, sendo uma constante conquista. Tratadas como uma minoria exótica, essas mulheres são contempladas com o dever de sempre terem que lutar para estarem nos locais onde está o poder. Atividades assistencialistas são concedidas às mulheres, enquanto atos de maior relevância ficam a cargo dos homens. Embora a luta seja empreendida, as conquistas são desarticuladas por aqueles que exercem o privilégio da masculinidade, que  desqualificam  as problemáticas existentes.

Como uma constante, a depreciação das reivindicações das diplomatas é efetivada, classificando os seus anseios como inúteis e desnecessários.

Limitadas pelo gênero que possuem e as precedem nas relações de poder, as diplomatas são tratadas como um corpo homogêneo que pensa e atua da mesma maneira, descartada a individualidade. Se uma mulher não é capaz, todas são incapazes, se uma mulher erra, todas as mulheres erram. 

O substantivo mulher é transformado em um adjetivo para caracterizar a incompetência, a fraqueza e a inferioridade. Aquelas que habitam essa caracterização, são apartadas do poder, ou seja, a minoria exótica permanece marginalizada e esquecida, apartada das grandes discussões.

Desfecho

Numa  sociedade em que o lugar da mulher é pré-determinado, se afastar da alcunha da fragilidade, da maternidade, bem como do cuidado, é uma tarefa difícil para aquelas que não querem ser reconhecidas pelo jugo dessas caracterizações.

Habitar locais onde o imperativo masculino é o regente das relações, requer das mulheres a força de se empoderar. Aspecto nobre a um primeiro olhar, mas que carrega consigo o sacrifício de sempre terem que se afirmar, lutar e gritar para serem aceitas, ouvidas e compreendidas. 

Herdeiro de muita luta, o Grupo de Mulheres diplomatas têm alcançado cada vez mais conquistas. No final de 2021,  cinco embaixadoras foram sabatinadas em uma única sessão no Senado Federal (TV SENADO, 2021), já no ano de 2022 as mulheres passaram a representar ⅓ de total de diplomatas em todas as classes da carreira (ESTADÃO, 2022). 

Veja também nosso vídeo sobre o que fazem embaixadores!

Além disso, no concurso de 2022 dos 34 candidatos aprovados no Concurso de Admissão à Carreira Diplomática (CACD), 14 são mulheres. Outro fator importante foi o estabelecimento pela ONU do dia 24 de junho como o Dia Internacional da Mulher na Diplomacia. (INSTAGRAM, 2022). Embora as conquistas sejam notórias, a luta ainda é persistente. 

O que não se pode esquecer, contudo, é que conquistas efêmeras mascaram o fortalecimento de uma instituição hierárquica, homogênea e masculinizada. A consolidação de um grupo informal, não institucionalizado, complexifica a luta pela igualdade de gênero abrindo espaço para a manutenção do patriarcado. 

O reconhecimento da heterogeneidade entre as mulheres, a legitimidade e a mobilização regular deste grupo coletivo, são extremamente fundamentais para uma transformação que impulsione a igualdade de gênero no ambiente de trabalho e assegure a permanência das mulheres no Itamaraty, rompendo com a perspectiva do gênero como um aspecto regulador das relações de trabalho, bem como limitador da atuação feminina.

Referências:
  • A, Diplomata. Atuação e inserção das mulheres no Itamaraty. Entrevistadores: PESSOA,  E.  e FAGARAZ, J. São Paulo, 2022. Entrevista concedida ao projeto de pesquisa Os patinhos feios no lago dos cisnes: a invasão das mulheres ao Itamaraty. 
  • BALBINO, Viviane Rios. Diplomata. Substantivo Comum de Dois Gêneros: Um retrato da presença feminina no Itamaraty no início do século XXI. Brasília: FUNAG, 2011.
  • BALESTERO, G. S. Mulheres no Lago dos Cisnes: Desigualdades de Oportunidades no Itamaraty Brasileiro. Confluências | Revista Interdisciplinar de Sociologia e Direito, v. 21, n. 3, p. 148-168, 2 dez. 2019.
  • COMISSÃO  DE RELAÇÕES EXTERIORES SABATINA DIPLOMATAS INDICADOS A EMBAIXADAS BRASILEIRAS – 25/11/2021. TV Senado. YouTube. 25 de novembro de 2021. 08h11min45s.  Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=3pOwJlP2Ql8>. Acessado em: 24 de junho de 2022. 
  • FARIAS, Rogério; CARMO, Géssica. As mulheres na carreira diplomática brasileira: uma análise do ponto de vista da literatura sobre mercado de trabalho e gênero. Mundorama, jan. 2016.
  • GOBO, Karla. Da Exclusão à Inclusão Consentida: negros e mulheres na diplomacia brasileira. Política & Sociedade, v. 17, n. 38, 2018, p. 440-464.
  • Estadão – Itamaraty promove recorde de mulheres no topo da carreira diplomática
  • NOGUEIRA, Ana Beatriz; BALBINO, Viviane. Prólogo. In: FRIAÇA, Guilherme. Mulheres Diplomatas no Itamaraty (1918-2011). Brasília: FUNAG, 2018.
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Conteúdo escrito por:
Estudante de Relações Internacionais (PUC-SP) que acredita na democratização do conhecimento como um ato político. Leitor de clássicos e escritor nas horas vagas.
Pessoa, Estevão. Mulheres diplomatas: a inserção das mulheres no Itamaraty. Politize!, 5 de dezembro, 2022
Disponível em: https://www.politize.com.br/itamaraty/.
Acesso em: 1 de dez, 2024.

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