O objetivo deste texto é contribuir para o entendimento da extrema direita no Brasil atualmente. Mas, antes de falarmos sobre os movimentos e partidos de extrema direita no Brasil, é importante discutirmos sobre sua classificação política e o que o termo extrema direita quer dizer.
Abaixo, abordaremos os debates que o termo envolve, seu significado e a história da direita no Brasil. Acompanhe!

Breve história do termo “direita”
Desde a Revolução Francesa, de 1789 a 1799, a organização dos sistemas políticos em grande parte do mundo é feita a partir de partidos e posicionamentos ideológicos divididos entre direita e esquerda.
É importante entender que a Revolução Francesa foi fruto de um longo processo histórico que culminou no fim do Antigo Regime marcado pela monarquia absolutista.
A Revolução Francesa representa a ascensão da burguesia como classe dominante e o processo de formulação da democracia representativa que conhecemos atualmente, regido pelos princípios de igualdade e liberdade formal entre todos cidadãos.
Os termos direita e esquerda surgem nesse contexto se referindo a dois grupos da burguesia que disputavam o poder na Assembléia Nacional Constituinte e os rumos da Revolução.
Direita se referia aos Girondinos, pois estes sentavam à direita na Assembleia. Já Esquerda, ao outro grupo, os Jacobinos, pois se sentavam à esquerda.
Apesar de ambos serem parte da burguesia – lembrando que naquela época ainda não era a classe dominante – os Jacobinos e Girondinos divergiam sobre aspectos importantes da Revolução.
Os Girondinos, compostos pelas alta burguesia, eram mais moderados na extensão das mudanças que deveriam ser mantidas com a Revolução Francesa e apoiavam a existência de uma monarquia constitucional.
Os Jacobinos, por outro lado, defendiam que a Revolução deveria representar uma mudança radical na sociedade francesa, rompendo com o poder nas mãos de poucos e instaurando o poder popular de fato sob a forma de uma república.
Os Jacobinos eram representantes da baixa burguesia e, ao contrário dos Girondinos, defendiam a expressiva participação dos trabalhadores rurais e urbanos na política.
A partir desse momento histórico temos a universalização dos termos direita e esquerda para descrever espectros ideológicos opostos em disputas políticas.
Os respectivos termos sofreram modificações, respondendo às peculiaridades de cada tempo e lugar, mas ainda hoje são amplamente utilizados, principalmente no debate político brasileiro.
Espectros políticos e terminologia política
Seja a forma de governo uma república ou monarquia, regida por um sistema político de parlamentarismo, presidencialismo, ou semipresidencialismo, a disputa e a alternância de poder envolve um espectro político-ideológico bastante amplo.
Esse espectro engloba princípios e posicionamentos diversos que representam determinada visão de mundo expressa em valores morais e econômicos de como deve ser regida a política e ordenada a vida em sociedade.
Os valores morais podem ir do mais conservador ao mais liberal (progressistas), e as propostas econômicas podem oscilar das socialistas até as mais liberais.
Ou seja, o próprio fim do liberalismo difere se estamos tratando da sua teoria política ou econômica.
Para que esse assunto fique um pouco mais claro, confira esse outro texto da Politize!.
Dessa forma, as terminologias direita e esquerda são comumente utilizadas para exprimir de forma bastante abrangente os diferentes posicionamentos de um eixo ao outro desse espectro político-ideológico (Silva, 2014).
Em outras palavras, são terminologias utilizadas como forma de classificação política de visões de mundo antagônicas, mas que dentro desse antagonismo há variadas gradações.
Por exemplo, dentro do que chamamos de direita, podem existir partidos e movimentos sociais que diferem entre si em pautas como saúde, educação, papel do Estado, etc.
Isto é, um partido de direita pode defender políticas econômicas mais áusteras que outro também de direita, que prefere uma atuação um pouco maior do Estado na economia. Esse mesmo partido pode ser menos liberal no que diz respeito aos costumes, ou pautas culturais, enquanto o outro poder ser menos conservador.1
Essas diferenças, no contexto brasileiro, posicionam certos partidos mais ao centro, outros mais à direita, e também à extrema direita.
Não à toa, o debate político, seja ele o do cotidiano ou o acadêmico, gera confusão e muitos deslizes semânticos e analíticos.
Um exemplo recente foi a confusão ao categorizar o nazismo e o fascismo italiano como se tivessem sido movimentos de esquerda.2
Dentro da disciplina que se volta ao assunto, a Ciência Política, o grande desafio é sintetizar essas classificações políticas, tarefa dificultada pelos diferentes contextos temporais e espaciais que acabam ressignificando os termos.
Há, no entanto, consensos que servem tanto aos fins analíticos da disciplina quanto nos auxiliam a compreender nossa realidade política.
O que define movimentos e partidos de direita?
A direita é geralmente caracterizada pela defesa dos imperativos de mercado como reguladores da vida social e responsáveis por garantir a igualdade entre todos cidadãos.
Essa visão de igualdade é fortemente permeada pela ideia de meritocracia, através da qual a desigualdade se justificaria pela diferença entre capacidades, talento e esforços de cada um.
No geral, partidos e movimentos sociais de direita defendem um Estado mínimo – que não exerça grandes interferências no mercado ou na desigualdade social – a manutenção da ordem e do status quo e a ideia de liberdade fortemente atrelada à realizações individuais.
A desigualdade social e econômica, portanto, é esperada, afinal nem todos possuem as mesmas capacidades, são iguais em talento ou se esforçam e, por isso, é natural que haja hierarquias sociais e econômicas.
É nesse sentido que, de acordo com alguns autores, pode-se afirmar que a diferença inegociável entre direita e esquerda permanece sendo em relação à desigualdade e justiça social (Bobbio, 2003).
O fundamento da diferença presente nesse dualismo se expressa, portanto, nas diferentes concepções de justiça e igualdade.
O termo “extrema direita”
O debate sobre terminologia e classificação política se estende com o termo extrema direita.3
Isso porque, apesar das caracterísitcas gerais da direita descritas acima, a extrema direita apresenta algumas especificidades que a diferenciam dentro do espectro ideológico que entendemos como direita.
Governos, movimentos e partidos de extrema direita são normalmente caracterizados por um nacionalismo exarcebado, grande apelo à moral conservadora e aos ideais tradicionalistas daquela sociedade, e por um discurso que reforça a ideia de superioridade racial e cultural de um determinado grupo.
A extrema direita é uma direita que se utiliza de um discurso e práticas de rejeição dos direitos universais, especialmente de grupos minoritários. Dentro da extrema direita há grupos abertamente antidemocráticos e outros que não necessariamente.
Porém, mesmo quando jogam o jogo democrático, observa-se uma propensão a minar as instituições democráticas ao longo prazo.
Ainda, a extrema direita atual, especialmente a partir dos anos 2000, faz grande uso das redes sociais para a produção e disseminação de fake news e teorias da conspiração como forma de mobilização política.
É comum, também, a retórica antisistema, travada no campo cultural contra uma “elite corrupta”, como vemos no caso brasileiro. Elite essa expressa em artistas, professores, políticos, etc.
Podemos ver essa retórica presente nas campanhas de Trump, Milei e Bolsonaro, por exemplo, que obtiveram sucesso posicionando-se como outsiders da política e, com isso, prometendo uma nova forma de governar.
Além disso, como os outros grupos políticos, a extrema direita não é homogênea.
É importante notar, nesse sentido, a influência da localização geopolítica nas diferentes atuações desses partidos.
Na Europa, por exemplo, há uma maior presença de uma retórica anti-imigração e não há a ampla defesa de um liberalismo ecônomico por parte da extrema direita, mas sim de um protecionismo econômico.
No Brasil, no entanto, vemos com maior força ataque aos direitos dos povos índígenas, da população negra, LGBTQIA+, das mulheres, e uma maior defesa de um livre mercado por parte da direita e extrema direita – apesar do discurso nacionalista e patriótico desta última.
Nazismo e fascismo, extrema direita ou esquerda?
Por essas características, principalmente pela postura ambígua e incoerente em relação ao liberalismo (econômico e político), ganhou força nas mídias sociais a defesa de que o nazismo e o fascismo teriam sido movimentos de esquerda.
Apoiadores dessa teoria argumentam que pelas características totalitárias, falta de liberdade, e pelo discurso voltado à mobilização das massas, o nazismo e o fascismo não poderiam ser movimentos de direita.
Muitos ainda utilizaram-se do argumento de que pelo fato do partido nazista ser denominado Partido Nacional-socialista, tratava-se de um governo socialista e, portanto, de esquerda.
No entanto, historiadores argumentam que, apesar das semelhanças com movimentos totalitários de esquerda da época, e do forte apelo popular, tanto o nazismo quanto o fascismo eram opositores assíduos do comunismo e socialismo, inclusive perseguindo seus partidários.
O que acontece nesse caso é que o nazismo e o fascismo italiano eram movimentos de terceira via. Isto é, ao mesmo tempo em que apresentavam um ponto de ruptura com o que a direita tradicional pregava à época, também eram contra os movimentos marxistas que ganhavam força.
Apesar da complexidade, o nazismo e o fascismo italiano são categorizados como movimentos de extrema direita por serem profundamente pautados na ideia de uma superioridade racial, moral e cultural de um grupo sobre outro.
Dessa forma, suas ações totálitárias e fortemente nacionalistas, e seu populismo eram voltados a uma parcela específica da população daqueles países.
O ‘povo’, era um grupo seleto, e não o todo. O preceito era excludente.

História dos movimentos e partidos de extrema direita no Brasil
Sendo o Brasil um país constituído através da violência da colonização, a sua história política é marcada por um racismo latente e muitos episódios antidemocráticos.
Passando pela instauração de uma república oligárquica com ideais de ordem e progresso fortemente influenciados por propostas eugenistas e sanitaristas, tivemos a ditadura do Estado Novo, o Integralismo brasileiro, a Ditadura Militar de 1964-1985 e os governos neoliberais do pós-redemocratização, como importantes momentos em que a direita brasileira tendeu ao extremismo e os seus ideais dominaram a arena política.
Movimentos e partidos de direita como os “higienistas”, Ação Integralista Brasileira, Arena, são alguns exemplos que marcaram essas diferentes épocas.
O desejo recorrente por autoritarismo militar, governo e planejamento urbano voltados à manutenção da marginalização social (e racial), e um forte populismo antidemocrático – muitas vezes aliado a ideais fascistas – caracterizaram a direita brasileira e seus esforços de governo ao longo dos anos.
Apesar de um enfraquecimento da direita fascista com o fim da Ditadura militar e o pós- Guerra Fria, presenciamos a partir da década de 2010 um retorno da extrema direita.
O ganho de força de partidos e movimentos de extrema direita pode ser notado mundialmente partir de figuras como Milei (Argentina), Trump (EUA), Modi (Íindia), entre outros. No caso do Brasil, a extrema direita é atualmente associada ao Bolsorarismo – apesar de o próprio Bolsonaro e seus partidários não se identificarem como tal.
Apesar desse “retorno”, a direita e extrema direita contemporâneas diferem em muitos aspectos de seus partidos e movimentos antecessores.
Podemos notar, que de um modo geral, a direita brasileira possui um histórico nas últimas décadas de aliar princípios liberais com práticas autoritárias. É o que afirma o professor de Ciências Políticas, Fabio Gentili (2018).
A direita neoliberal e a direita nacionalista conseguem manter uma relação de conivência mesmo a partir de suas rupturas ou desacordos político-ideológicos. Por isso, segundo o professor, o Brasil é um laboratório privilegiado para compreender as tendências de ascensão da direita no Ocidente e, consequentemente, as crises do modelo democrático liberal.
Por último, não podemos falar da extrema direita no Brasil sem citarmos a grande estudiosa do tema: Adriana Dias.
Dias foi pioneira em identificar uma tendência perigosa no Brasil quando ainda estava em fase de germinação: a do neonazismo.
Com sua pesquisa, Dias alertou ainda nos anos 2000 para as ameaças do fortalecimento dos ideais de extrema direita e a organização política em torno deles. Ao longo de sua trajetória ela conseguiu mapear a existência de inúmeras células nazistas espalhas pelo Brasil, tendo identificado 1.117 em 2022.
Esse aumento no número de grupos neonazistas tem correlação com a ascensão do Bolsonarismo. Foi a partir do pioneirismo do trabalho de Dias que foi possível encontrar a ligação de Bolsonaro com sites neonazistas e como ele se beneficiou dessa relação.
Há atualmente 29 partidos registrados no Tribunal Superior Eleitoral, dividindo-se em esquerda, centro-esquerda, direita, e variações. Alguns exemplos de partidos e movimentos de direita em atuação são: PL, PSDB, Novo, União Brasil, MBL, etc.
Notas:
1. Sobre essas diferenças sugiro o estudo feito por Flávia R. Babireski (2016), que mapeou as contraposições dos programas de pequenos partidos de direita brasileiros, que à época ganhavam pouca atenção. Esse estudo é um exemplo da complexidade e abrangência quando tratamos do espectro político-ideológico.
2. É importante notar que, em muitos casos, essa defesa não se origina somente de uma confusão, mas faz parte de uma estratégia política no contexto de polarização, orientada a apagar a história e os efeitos nocivos da extrema direita no governo.
3. No meio acadêmico há um debate sobre a correta denominação de classificação de diferentes grupos da direita e dificuldades advindas de tradução. Sobre esse assunto vale conferir a reportagem do Nexo com pesquisadores da área e que discorre sobre os debates em torno da tradução de far right e a obra de Cas Mudde sobre as divisões dentro da extrema direita.
Referências:
- Babireski, F. R. (2016). Pequenos partidos de direita no Brasil: uma análise dos seus posicionamentos políticos. Newsletter–Observatório de Elites Políticas e Sociais do Brasil, 3(6), 1-16.
- BBC – O nazismo era um movimento de esquerda ou de direita?
- Bobbio, N. (2003). Direita e Esquerda razões e significados de uma distinção política. Unesp.
- Piauí – https://piaui.folha.uol.com.br/as-novas-caras-do-neonazismo-no-brasil/
- Jornal da Unicamp – https://www.unicamp.br/unicamp/ju/noticias/2018/09/28/um-mergulho-no-universo-neonazista
- Fundação Perseu Abramo – Entrevista – Adriana Dias: Bolsonaro e o neonazismo. Uma relação comprovada
- Gentile, F. (2018). A direita brasileira em perspectiva histórica. Plural: Revista de Ciências Sociais, 25(1), 92-110.
- Medeiros, Júlio César. A Revolução Francesa. Disponível em: https://www.professores.uff.br/juliocesarmedeiros/2021/03/25/a-revolucao-francesa-2/
- Nexo – Por que a direita tradicional se rende ao extremismo?
- Nexo – Qual o sentido do termo ‘extrema direita’ na política atual
- Sites Usp – Sanitarismo
- Silva, G. J. (2014). Conceituações teóricas: esquerda e direita. Humanidades Em diálogo, 6, 149-162.
- Uol – “Caçadora de nazistas”