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Deus, Pátria e Família: o integralismo na política brasileira

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Seguindo o fio do nosso conteúdo sobre o integralismo brasileiro, na primeira parte deste artigo, falamos sobre o processo de formação e organização da Ação Integralista Brasileira, considerado o maior movimento fascista fora da Europa.

Agora vamos conhecer o ativismo político do integralismo na política brasileira e sua reformulação posterior ao governo de Getúlio Vargas e sua atuação política até os nossos dias atuais.

O integralismo na Política Brasileira

Embora o movimento integralista, em um primeiro momento, tenha se apresentado como um movimento cultural da sociedade civil. Em 1935, a A.I.B se tornou oficialmente em um partido político, elegendo no ano seguinte um número expressivo de membros integralistas para os cargos de vereadores, prefeitos e deputados estaduais.

A partir deste momento, a mensagem ideológica não se dirigia somente a militantes, mas a potenciais eleitores. O integralismo focou-se em apresentar-se como um partido novo na sociedade baseado nos princípios da religião e focado na harmonização social. Defendia um nacionalismo radical denunciando o liberalismo e o comunismo, responsável, na visão deles, por controlar economicamente os povos.

Mas o principal motivo que levou muitos à adesão do integralismo brasileiro foi o sentimento anticomunismo. O perigo comunista passou a fazer parte do imaginário social dos brasileiros. Com o clima de medo instalado, os integralistas conseguiram mais financiamento para alcançar seus objetivos políticos.

O apoio Integralista ao Golpe do Estado Novo

O apoio do integralismo brasileiro ao golpe de Getúlio Vargas foi baseado nos interesses políticos de Plínio em chegar ao poder. A A.I.B não somente apoiou como foi crucial para a implantação do regime varguista. O Plano Cohen, forjado pelos integralistas no interior da A.I.B, seria o que conhecemos hoje como uma “Fake Newspara promover o medo de uma suposta invasão comunista às instituições brasileiras.

Neste momento, a ameaça comunista foi elemento central de ligação entre o governo e a A.I.B. E, embora o plano de conspiração fosse uma fraude, Getúlio Vargas utilizou o discurso de traição e decretou o golpe em 1937. O apoio integralista foi baseado na promessa do presidente em entregar a Plínio o ministério da Educação, o que posterior ao golpe não aconteceu.

De maneira oposta, o governo de Vargas dissolveu todos os partidos políticos, entre as quais a própria A.I.B. Esse fato despertou um estado de revolta nos camisas-verdes. O sentimento de vingança chegou ao ponto límite de um levante armado dos integralistas na tentativa de assassinato de Getúlio no palácio do Catete.

Em maio de 1938, em uma operação confusa, milicianos uniformizados tentaram invadir o palácio do Catete, resultando na troca de tiros e mortes de guardas do palácio e de membros integralistas. O episódio, que ficou conhecido como a Intentona Integralista, levou a repressão aos camisas-verdes com prisões e penas severíssimas.

O líder Plínio Salgado, embora negasse a participação nas ações violentas, após a operação, ficou foragido e foi capturado e exilado em 1939 em Portugal. Miguel Reale, frustrado com o integralismo, fugiu para a Itália e Gustavo Barroso, por sua posição social entre os intelectuais e membro da Academia Brasileira de Letras conseguiu trânsito livre dentro do Estado Novo.

O integralismo brasileiro e o nazismo

A relação do movimento integralista com os nazistas não era novidade. Nos tempos de legalidade da A.I.B, havia uma aproximação entre os dois grupos, que possuíam muitas relações e algumas semelhanças. Segundo os historiadores Leandro Gonçalves e Odilon Caldeira Neto, Plínio “enxergou no nazismo uma solução capaz de alcançar o poder no Brasil”.

No exílio, que durou até 1946, Plínio tinha esperança de um acordo com Getúlio para um retorno rápido ao Brasil. Neste período, frente às negativas do governo Vargas de negociação do seu retorno, Plínio desenvolveu de forma discreta uma relação de apoio ao regime nazista.

Grupo de pessoas andando em uma calçada.
Imagem: O fascismo em camisas verdes [recurso eletrônico: do integralismo ao neointegralismo

Com o alinhamento de Portugal e Brasil no combate ao nazismo, a relação de Plínio com os nazistas o colocava na posição de inimigo. Essa relação ficou evidente através da prisão do agente alemão intermediário, Adolf Nassenstein, em Portugal, acusado de espionagem e com o qual Plínio negociava um possível apoio nazista no Brasil.

Plínio Salgado negou qualquer tipo de ação a favor do Eixo, e se voltou para o discurso político baseado na religiosidade como justificativa de suas práticas políticas e para renovação do integralismo, agora desde a lógica do cristianismo.

Deus, Pátria e Família

A relação religião e política sempre foi uma característica presente no integralismo. A intensificação do discurso religioso de Plínio tinha como objetivo criar uma nova identidade para o integralismo e desfazer sua relação com o fascismo e o tom autoritário do próprio integralismo.

Com o fim do Estado Novo e o início da democracia no Brasil, Plínio Salgado retornou ao Brasil. Embora com muita oposição ao seu passado fascista, Plínio deu inicio ao plano de reestruturação do integralismo reorientado suas ações a partir dos princípios espiritualista: “Deus, pátria e família”.

O novo manifesto de mudança ideológica do integralismo foi a base para a criação do Partido de Representação Popular (PRP), um partido conservador e de maioria integralista. Com um tom espiritualista, o partido conseguiu atuar na política brasileira com eleições de parlamentares e a tentativa de Plínio para o senado em 1950 pelo Rio Grande do Sul. Mas as críticas e o passado falaram mais alto e Plínio perdeu as eleições.

Embora enfraquecido no cenário político por seu passado fascista, o PRP continuou sua doutrinação nas rádios com mensagens anticomunistas e espiritualistas. Com a morte de Getúlio, Plínio lançou sua candidatura para a presidência em 1955, perdendo para o então presidente Juscelino Kubitschek, mais tarde, Plínio acabaria eleito deputado federal.

O apoio Integralista ao Golpe de 1964

Um dos fatos que marca o início do golpe civil-militar no Brasil em 1964 foi a Marcha da Família com Deus pela Liberdade. E lá estava o movimento integralista. Plínio Salgado foi um dos oradores da marcha e o integralismo apoiou o golpe militar que instaurou a ditadura naquele mesmo ano.

O apoio dos integralistas mudava de acordo com os seus interesses e mudanças do cenário político. E, embora Plínio buscasse espaço através do PRP de reafirmação do integralismo, ele já não era mais levado a sério. Após a dissolução dos partidos pela ditadura no Ato Institucional n. 2 (AI-2), os integralistas se associaram ao partido do governo Arena.

Em 1974, com a aposentadoria de Plínio, a mobilização integralista já havia se enfraquecido. Com um estado de saúde deteriorado, Plínio faleceu no dia 8 de dezembro. Sua morte marcou o fim da A.I.B e do PRP, dando início a um momento de fragmentação e disputa do movimento.

Do integralismo ao Neointegralismo

Várias tentativas de reagrupar e articular o movimento integralista tiveram lugar no período posterior à morte de Plínio. Porém não havia liderança e nem unidade para definir qual o melhor caminho a seguir com o movimento.

A transição democrática também foi um ponto de tensão, visto que os militantes da causa integralista manifestaram o apoio a uma proposta política abertamente antidemocrática. O remanescente dos integralistas passou a ocupar, na nova República, o campo da extrema direita brasileira.

Veja também nosso vídeo sobre o que é ser de direita no Brasil!

Em 1987, a A.I.B seria recriada pelo advogado Paulista Anésio Lara, ex-integrante do PRP e meio-irmão de Eduardo Suplicy. O objetivo dessa nova versão era difundir o pensamento integralista para a juventude.

Neste momento, chamava a atenção a junção de Anésio Lara a vários grupos extremistas, como os carecas ou Skinheads. Os carecas são, um movimento de jovens que surgiu na década de 1980, ultraconservador e que cultuava a força física, era um movimento homofóbico e antissemita.

Embora reduzidos a poucos militantes, os integralistas não deixaram de existir. Em diversas cidades e estados havia grupos fragmentados e políticos alinhados com o integralismo. No âmbito público, políticos como Enéas Carneiro, Levy Fidélis reproduziam os ideais do integralismo.

O integralismo brasileiro do século XXI

O surgimento da internet e de uma nova geração integralista foi importante no começo do século XXI. Em 2004, ocorreu, em São Paulo, o I Congresso reunindo grupos próximos ao integralismo, como Associação de Diplomados da Escola Superior de Guerra (Adesg), União Católica Democrática (UCD) e representantes do Prona, partido de Enéas Carneiro.

A tentativa de restabelecer o movimento integralista sob as siglas M.I.B se esbarrou no desentendimento entre os grupos integralistas. Embora a reunião tenha fracassado, surgiram daí três grupos integralistas: o Ação Integralista Revolucionária (AIR), o Movimento Integralista e Linearista Brasileiro (MIL-B) e a Frente Integralista Brasileira (FIB).

A Ação Integralista Revolucionária (AIR) tinha como principal expoente o jornalista e empresário Jenyberto Pizzotti. Presente em Rio Claro, o grupo tinha atuação virtual e defendia o retorno do integralismo a sua vertente revolucionária. As críticas à perda da visão revolucionária o fez perder espaço entre os militantes visto que existia a crença que a elite intelectual do integralismo não poderia ser questionada.

Já o Movimento Integralista e Linearista Brasileiro (MIL-B), buscava atualizar o integralismo para o século XXI. De acordo com o líder Cássio Guilherme Reis Silveira, o objetivo do grupo era combinar o integralismo com as ideias científicas de disciplinas como matemática e física, de forma que esse pudesse responder às demandas sociais, políticas e econômicas.

Por fim, o grupo Frente Integralista Brasileira (FIB) é o maior e mais organizado grupo do movimento integralista. Articulados pelas redes digitais e com diferentes expressões da extrema direita, o grupo foi criado em 2005 com sede em São Paulo com o objetivo de resgatar a herança cultural, política e ideológica da A.I.B.

Com uma visão conservadora do movimento, A FIB disputa, no contexto integralista atual, a liderança e hegemonia do movimento integralista contra a AIR e a MIL-B. Se diferencian pelo uso massivo das redes sociais, maior aceitação entre os neointegralistas e o diálogo com os diversos grupos existentes de extrema direita, inclusive os partidos políticos.

O neointegralismo: a nova faceta do integralismo brasileiro

As agitações políticas que levaram a jornadas de junho de 2013 até o impeachment da presidente Dilma levaram uma diversidade de pessoas às ruas com diferentes agendas e ideologias. Dentre estes, os integralistas que participaram das diferentes manifestações ao lado de diferentes grupos com a pauta do conservadorismo e as ideologias do integralismo.

A radicalização da política no Brasil e a legitimação de discursos violentos, atualmente produziram espaços de oportunidade para militantes de extrema-direita. Os grupos integralistas aproveitavam as oportunidades que apareciam para divulgar seus ideais e criar relações com outros grupos de cunho conservador e nacionalistas.

De acordo com os historiadores, a legitimação de discursos ultraconservadores e da violência abriu caminho para o surgimentos de novas vertentes de grupos radicais, como o Comando de Insurgência Popular Nacionalista (CIPN). Uma vertente abertamente fascista e de base revolucionária neointegralista.

O CIPN apareceu pela primeira vez no Youtube . Com rostos mascarados, o grupo integralista fazendo saudações no estilo fascista assumiu a prática de roubos e queimas de faixas antifascistas. O ponto que colocou o neointegralismo na mídia atual foi o atentado produzido por este grupo à produtora Portas dos Fundos, após a exibição do especial de Natal em 2019.

Atualmente, o fortalecimento de movimentos de extrema direita está associado ao crescimento da radicalização política, marcado pelo ressurgimento da intolerância e posturas políticas antidemocráticas. Nesse solo de polarização, ideologias de inspiração fascista e autoritária e a violência política ganha cada vez mais espaço através de narrativas tendenciosas que fomenta o medo e a desinformação.

E aí curtiu conhecer sobre o que foi o movimento integralista? Acompanhe com a gente mais da história política brasileira. Ah! E qualquer dúvida, sugestão ou opinião é só deixar nos comentários.

Referências:

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2 comentários em “Deus, Pátria e Família: o integralismo na política brasileira”

  1. Marcia Regina da Silva Ramos Carneiro

    Seria preciso indicar de onde são retiradas as informações. O trecho que trata do Integralismo do século XXI tem como primeira fonte a minha Tese, porque eu estava presente neste evento e o narrei. “em dezembro de 2004 reuniram-se os grupos dispersos que tentavam dar uma unidade ao integralismo. O 1 Congresso Integralista para o Século XXI reuniu-se na sede da UND (União Nacionalista Democrática) na capital paulista para nova tentativa de reorganizar a AIB. Esta pequena assembléia, que reuniu representantes de Centros de Estudo e Debates Integralistas (CEDIs), núcleos diversos de simpatizantes, que haviam se organizado em seus locais de origem, com propostas debatidas internamente com o objetivo de expô-las e discuti-las no encontro, decidiu pela fundação do MIB (Movimento Integralista Brasileiro) e do Conselho Nacional Integralista formado por 40 membros que assumiram a missão de “resgatar integralismo em todo Brasil”. Deste encontro também participaram representantes do PRONA, da União Católica Democrática, do MV-Brasil (Movimento pela Valorização da Cultura, do Idioma e das Riquezas do Brasil), alguns militares da ADESG (Associação dos Diplomados da Escola Superior de Guerra) e UND. O que, então, pude constatar é que esta pequena parcela da direita brasileira, carregada de posições ultranacionalistas, procura através da organização conjunta, consolidar um discurso que não pretende levar em conta o debate democrático, preferindo fazer valer seus pontos de vista a partir de posições intolerantes e violentas.
    Após o Congresso, como colocado antes, houve a ruptura. Não somente pela frustração da impossibilidade de se utilizar o nome escolhido em assembléia, o MIB, mas também pelas discordâncias acerca dos enfoques de cada grupo ao interpretar a doutrina. Desta forma, a ruptura se tornou mais nítida. De um lado, a Frente Integralista Brasileira, que defende a interpretação fiel da doutrina, seguindo, de forma inquestionável, as diretrizes apontadas pelo Chefe Plínio Salgado, com base na leitura do Manifesto de 1932. Apóiam-se, também, na interpretação da doutrina pelo viés da Rerum Novarum, colocando-se contrária às modificações dentro da Igreja Católica introduzidas pelo Concílio Vaticano II, que teria modernizado as cerimônias e tornado-se mais próxima aos apelos populares. A visão que seguem é principalmente, como da Encíclica Papal de 1891, de linha tomista. Entendendo que as bases sociais, cuja referência principal é a família, seguem a diretriz natural que Deus teria determinado, seria necessário, antes de tudo, seguir as regras de organização política, econômica e social sob o primado do espírito, católico primordialmente (…)” (CARNEIRO, Marcia. Do sigma ao sigma
    – entre a anta, a águia, o leão e o galo – a construção de memórias integralistas. Tese de Doutorado. Niterói: UFF, 2007).

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Conteúdo escrito por:
Graduada em Relações Internacionais e licenciada em História. Mestranda em Estudos Contemporâneos da América Latina pela Faculdade de Ciências Sociais no Uruguai (UDELAR) e pela Universidade Complutense de Madrid, (UCM) na Espanha.

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29 abr. 2024

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