A história da humanidade é profundamente entrelaçada com a interação entre religião e política. Desde as primeiras civilizações, essa relação tem moldado as estruturas sociais, influenciado sistemas de governo e moldado valores morais.
Quer entender melhor a relação entre política e religião? No texto de hoje, a Politize! vai analisar como esses dois aspectos se entrelaçam na sociedade contemporânea, destacando os desafios atuais e as perspectivas futuras sobre o tema.
Influência histórica das religiões na política
Na Antiguidade, as religiões politeístas, como a romana e a grega, desempenhavam um papel fundamental na vida pública, com deuses invocados em rituais políticos e os líderes religiosos detendo poder e influência.
No Egito Antigo, por exemplo, os faraós eram considerados deuses vivos, e sua autoridade política era fortalecida por essa legitimidade religiosa, consolidando a estrutura de poder.
Na Mesopotâmia, o Código de Hamurabi foi influenciado por crenças religiosas, com leis que refletiam a vontade dos deuses para manter a ordem social.
O surgimento do monoteísmo, com o cristianismo e o judaísmo, trouxe novas dimensões à relação entre fé e poder. O cristianismo, por exemplo, influenciou profundamente a formação do Império Romano, como a conversão do imperador Constantino ao cristianismo em 313 d.C, que marcou uma grande mudança
Em Roma, os pontífices romanos também detinham grande influência, guiando o comportamento social e político com base em dogmas e rituais. Da mesma forma, os oráculos gregos eram consultados para decisões políticas e militares importantes, reforçando a ideia de que as decisões políticas deveriam ser guiadas pela vontade divina.
O cristianismo, ao se espalhar pelo mundo, teve um impacto significativo na política. A Igreja Católica, durante a Idade Média, detinha grande poder político e cultural, influenciando a legislação, a educação e a vida social. A Reforma Protestante, no século XVI, desafiou a autoridade papal e contribuiu para a ascensão de estados nacionais e a separação entre Igreja e Estado.
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O Islã, que surgiu no século VII d.C., também teve grande impacto na política, tanto no mundo árabe como em outras regiões. A expansão do Império Islâmico, a partir da Península Arábica, levou à difusão da fé islâmica e à formação de novos sistemas políticos e sociais.
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Religiões Afro-Brasileiras e a política
As religiões afro-brasileiras, como o candomblé e a umbanda, ocupam um espaço importante no cenário político e social.
Movimentos políticos afro-religiosos têm pressionado pela inclusão de feriados religiosos afro-brasileiros e pelo reconhecimento de suas práticas culturais e espirituais como parte essencial do patrimônio brasileiro.
Embora haja um movimento crescente para o reconhecimento das religiões afro-brasileiras como parte do patrimônio cultural e espiritual do país, alguns setores defendem que o Estado deve manter distância igual de todas as tradições religiosas, evitando a oficialização de feriados ou práticas específicas.
Religiões Indígenas e a política
A influência das religiões indígenas na política é significativa e reflete uma visão de mundo que integra espiritualidade e questões sociais, territoriais e ambientais.
Para muitos povos indígenas, a espiritualidade não é uma esfera separada da vida cotidiana, mas permeia todas as dimensões da existência, incluindo a política. Isso significa que suas decisões e reivindicações políticas frequentemente se fundamentam em princípios espirituais.
Os Yanomami consideram sua floresta como um espaço de interação com os xapiri (espíritos protetores), cuja destruição representa um rompimento com o equilíbrio espiritual e ecológico.
Ailton Krenak, ativista e autor, argumenta que o respeito à terra e à natureza é essencial não apenas para os povos indígenas, mas para a sobrevivência da humanidade.
Durante a COP26, por exemplo, lideranças indígenas alertaram que as políticas climáticas globais precisam respeitar o conhecimento tradicional e os direitos territoriais para serem eficazes.
Religião e política no mundo contemporâneo
No mundo contemporâneo, a relação entre religião e política continua a ser complexa e desafiadora. Em algumas sociedades, a religião ainda tem um papel central na vida política, com partidos políticos e movimentos sociais baseados em princípios religiosos.
Em outras sociedades, a separação entre religião e Estado é um princípio fundamental, com o Estado buscando garantir a liberdade religiosa e a neutralidade em relação às diferentes crenças. No entanto, mesmo com o passar do anos, a religião continua a exercer influência na política.
Um exemplo da conexão entre religião e política é a mobilização de grupos religiosos em torno de questões sociais como o aborto, eutanásia, educação e casamento homossexual, além da influência de líderes religiosos na opinião pública.
Movimentos religiosos progressistas defendem justiça social, igualdade de gênero e direitos LGBTQIA+, enquanto setores conservadores enfatizam a preservação de valores tradicionais, como a proteção da vida desde a concepção e a família como núcleo central da sociedade. Ambos os grupos contribuem para o debate público, refletindo as complexidades e tensões da diversidade de crenças na política contemporânea.
Além disso, é importante reconhecer que tanto movimentos conservadores quanto progressistas têm colaborado em iniciativas inter-religiosas, promovendo causas comuns, como a luta contra a fome, o apoio a comunidades vulneráveis e a preservação ambiental.
A crescente influência de movimentos religiosos fundamentalistas em diferentes partes do mundo levanta preocupações sobre o potencial de conflitos e intolerância. A polarização política, exacerbada por discursos religiosos extremistas, representa um desafio crescente para a democracia e a convivência pacífica.
A influência das mídias sociais intensifica esses debates, pois amplifica discursos religiosos em nível global, impactando diretamente a política. Por exemplo, a polarização sobre questões como direitos reprodutivos e casamento igualitário se intensifica nas redes sociais, com grupos religiosos conservadores e progressistas disputando espaço e influência.
Movimentos religiosos conservadores também desempenham um papel importante em comunidades locais, promovendo valores familiares, oferecendo assistência social e fortalecendo laços comunitários.
Uma iniciativa notável é o trabalho das igrejas pentecostais com programas como o “Projeto Cristolândia”, mantido pela Convenção Batista Brasileira. Esse projeto busca resgatar pessoas em situação de rua e dependência química, oferecendo alimentação, abrigo, apoio espiritual e reabilitação.
Outro exemplo é a atuação de igrejas católicas conservadoras, que historicamente têm liderado obras sociais, como as Santas Casas de Misericórdia, que fornecem atendimento médico gratuito ou a baixo custo para populações de baixa renda. Essas ações reforçam valores tradicionais enquanto atendem às necessidades práticas de comunidades vulneráveis.
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Quando religião e política se confrontam: desafios e oportunidades
A interação entre religião e política apresenta diversos desafios e oportunidades, como:
- Risco de fundamentalismo e intolerância: A defesa de dogmas religiosos como verdades absolutas pode gerar intolerância e perseguição. Porém, valores tradicionais também são vistos como alicerces sociais. Adrien Candiard destaca que religiões podem contribuir como estruturas de pensamento e vida, além de identidades.
- Dificuldade de conciliar liberdade religiosa com direitos humanos: A liberdade religiosa pode entrar em conflito com direitos individuais, como a igualdade e a liberdade de expressão, exigindo equilíbrio na sua garantia;
- Influência da religião na política: Decisões políticas baseadas em dogmas podem comprometer princípios democráticos e direitos humanos. Candiard observa que a tirania surge quando uma ordem tenta regular outra, exemplificando a relação entre religião e Estado;
- Limites entre esfera pública e privada: A forte influência religiosa na vida pública dificulta separar valores religiosos de seculares, gerando tensões sociais e políticas.
- Impacto nas políticas de saúde: No Brasil e nos EUA, grupos religiosos restringem o acesso ao aborto, influenciando leis e políticas de saúde reprodutiva, como apontado pela antropóloga Débora Diniz;
- Impacto na educação: Movimentos como o “Escola sem Partido” no Brasil e o criacionismo nos EUA refletem a interferência religiosa no currículo escolar, comprometendo a neutralidade laica e princípios científicos;
- Impacto nos direitos civis e LGBTQIA+: Grupos religiosos resistem a avanços como casamento igualitário, enquanto movimentos progressistas defendem esses direitos. Em Uganda, leis anti-LGBTQIA+ foram impulsionadas por conservadores religiosos;
- Cooperação inter-religiosa e diálogo: Diálogo entre religiões pode promover respeito e políticas inclusivas. No Oriente Médio, iniciativas inter-religiosas têm fomentado cooperação em questões como direitos humanos e meio ambiente;
- Promoção de direitos humanos por movimentos progressistas: Movimentos religiosos como a Frente de Evangélicos pelo Estado de Direito e a CPT atuam pela igualdade e justiça social. Regina Novaes destaca o papel da religião progressista na desconstrução de preconceitos.
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O que esperar da relação entre fé e política no futuro?
A relação entre religião e política é um tema em constante debate e transformação tanto com perspectivas progressistas quanto como das conservadoras.
Alguns fatores envolvem:
- Diversidade religiosa e diálogo inter-religioso: A crescente diversidade religiosa exige esforços para promover respeito e compreensão. No Brasil, religiões como o candomblé e a umbanda enfrentam barreiras significativas, demandando políticas inclusivas. José Casanova destaca que religiões no espaço público devem respeitar valores democráticos e pluralidade cultural;
- Ascensão de movimentos religiosos e políticos: Movimentos religiosos influenciando a política exigem debates para garantir que a democracia e os direitos humanos sejam preservados. Progressistas religiosos promovem direitos humanos enquanto dialogam com tradições conservadoras;
- Garantia de liberdade religiosa e igualdade: Proteger a liberdade religiosa sem discriminação é desafiador. Educação e diálogo são fundamentais para combater preconceitos e fomentar uma cultura de respeito mútuo;
- Educação inter-religiosa como base para cooperação: Educação e o Estado laico são cruciais para harmonia social. Iniciativas de diálogo inter-religioso reduzem conflitos e incentivam convivência pacífica. Regina Novaes enfatiza a necessidade de políticas públicas que protejam a liberdade de culto e combatam discriminação contra religiões como candomblé e umbanda.
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Tanto progressistas quanto conservadores têm encontrado terreno comum em iniciativas inter-religiosas, como campanhas contra a fome e em defesa do meio ambiente, mostrando que o diálogo é possível mesmo em meio a divergências ideológicas.
Promovida pela Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), a Campanha da Fraternidade reúne líderes religiosos de diferentes espectros ideológicos, incluindo conservadores e progressistas, para abordar temas como fome, saúde e desigualdade.
Nesse sentido, líderes religiosos de diferentes tradições, incluindo católicos, evangélicos e indígenas, têm se unido para proteger a Amazônia contra desmatamentos e queimadas, através de iniciativas como Sínodo da Amazônia (2019), e a Floresta dos Irmãos, que conta com apoio religoso.
A relação entre religião e política é complexa e multifacetada, com uma longa história de interação e desafios. O futuro dessa interação depende de um diálogo inclusivo e contínuo, onde diferentes crenças possam coexistir e contribuir para uma sociedade mais justa.
Promover uma cultura de respeito e compreensão mútua é essencial para que a política se torne um espaço de colaboração. O objetivo deve ser garantir que a diversidade religiosa seja um pilar de fortalecimento da democracia e dos direitos humanos, em vez de um motivo de conflito.
Em um mundo cada vez mais diverso, a capacidade de integrar religião e política de forma equilibrada pode ser a chave para alcançar a harmonia social que tanto buscamos. Para que isso seja possível, a sociedade deve promover debates públicos sobre o tema, com foco na igualdade e na defesa dos direitos humanos.
Conseguiu entender qual o papel das religiões na política? Deixe suas dúvidas ou sugestões aqui nos comentários!
Publicado em 01 de janeiro de 2025. Atualizado em 20 de julho de 2025.
Referências
- Brasil de Fato – No Texas, quem denunciar aborto pode ganhar 10 mil dólares
- Brasil Escola – RELIGIÃO E POLÍTICA ATUAL
- Cult – A influência religiosa na política, dos católicos aos neopentecostais
- Instituto Humanistas Unisinos – As religiões devem ser incluídas na sociedade para que contribuam para a cidadania”. Entrevista com Adrien Candiard
- Instituto Humanistas Unisinos – Conversa com o filósofo Charles Taylor. Secularização e Cristianismo
- Instituto Humanistas Unisinos – O papel das religiões na nova desordem mundial. Artigo de José Casanova
- Jornal da UNICAMP – Coisas que se misturam: religião e política
- Jornal da USP – Religião e sociedade no Ocidente e a participação na política
- Jornal da USP – Revista mostra os efeitos da mistura entre política e religião
- Jornal UFG – Política e religião se cruzam no cenário político brasileiro
- Migalhas – A igreja e a propagação dos direitos humanos
- Novaes , R. Juventude, religião e espaço público. Religião e Sociedade, Rio de Janeiro, 32(1): 184-208, 2012. Disponível em: <https://www.scielo.br/j/rs/a/ctrQNc8fpdvZxPLdRjpQsdR/?format=pdf>
- Núcleo do Conhecimento – Religião e política: a influência da política no voto do religioso
- Open Edition Journal –Política, espaço e cultura: as ligações entre poder e religião
- Poder 360 – Religião na política e seus efeitos danosos para a democracia.
- Politize – Religião e política: como as duas se relacionam?
- Terra – Relação entre religião e política no Brasil é destaque em Veneza