As teorias raciais foram um ponto importante na organização das sociedades durante os séculos XIX e XX, principalmente nos países colonizados, como o Brasil.
Baseadas no conceito de racismo científico, essas teorias foram usadas para justificar e perpetuar a hierarquização de grupos raciais e definir políticas de colonização, imigração e estruturação social.
Continue a leitura para entender mais sobre a origem e o impacto dessas teorias raciais!
Origem das teorias raciais no contexto europeu
As teorias raciais surgiram no século XIX no contexto da Europa pós-iluminista, marcada pelo avanço das ciências naturais e pela consolidação do colonialismo como prática geopolítica dominante.
Autores como Arthur de Gobineau, com seu Ensaio sobre a desigualdade das raças humanas (1853), defenderam a ideia de que existiam hierarquias naturais entre as “raças humanas”, com a branca sendo considerada superior.
De acordo com ele, “a história caminha para a decadência à medida que as raças se misturam”, refletindo uma preocupação com a “pureza racial”.
Essas ideias foram apoiadas por leituras equivocadas do darwinismo, o chamado darwinismo social, que aplicava a noção de “seleção natural” ao convívio entre povos, justificando a dominação dos “mais fortes ou aptos(brancos, europeus)” sobre os “mais fracos ou menos evoluídos(africanos, asiáticos e indígenas)”.
A Europa do século XIX viu florescer o que se convencionou chamar de racismo científico, movimento intelectual que procurava legitimar a superioridade racial branca com base em medições craniométricas, fisiológicas e linguísticas.
A eugenia, movimento fundado por Francis Galton, surgida nesse contexto, defendia a “melhoria” da espécie humana por meio do controle da reprodução, influenciando diretamente políticas de exclusão e genocídio no século XX.
Ambas as ideias foram usadas como justificativas para a dominação colonial, a exploração de povos indígenas e africanos, e a instituição de políticas de segregação racial.
Essas teorias alimentaram a visão de que a diferença racial tinha uma base científica e justificavam as práticas colonialistas e imperialistas de dominação europeia. Os colonizadores acreditavam que sua missão era civilizar os povos não-brancos, fundamentando as ações violentas e desumanas no que chamavam de “superioridade racial”.
Essas teorias não ficaram restritas à Europa, sendo amplamente exportadas para as colônias, incluindo o Brasil. Vale destacar que algumas leituras contemporâneas, como as do jornalista Ali Kamel, questionam se o Brasil teria, de fato, reproduzido uma lógica racialista tão rígida quanto outras sociedades.
Em sua obra Não Somos Racistas (2006), ele argumenta que o foco exagerado na questão racial poderia promover ressentimento entre grupos sociais.
Saiba mais sobre a segregação racial nos EUA: Entenda o que foram as Leis Jim Crow nos Estados Unidos
A aplicação das teorias raciais no Brasil
No Brasil, essas ideias encontraram solo fértil após a abolição da escravatura (1888). O fim da escravidão colocou em pauta o “futuro da nação”, e o discurso dominante passou a defender o branqueamento, uma ideia que surgia a partir da crença de que a miscigenação resultaria no desaparecimento gradual da população negra e indígena, como solução para o “problema racial”.
Políticos e intelectuais buscaram atrair imigrantes europeus para “melhorar” geneticamente a população, marginalizando os ex-escravizados e os povos indígenas.
A ideia de que negros e indígenas eram inferiores, bárbaros e incapazes de civilização foi amplamente disseminada nas escolas, na imprensa e nas políticas públicas.
O positivismo e o evolucionismo foram adaptados para justificar a exclusão racial. Pensadores como Nina Rodrigues, médico e antropólogo baiano, foram influentes nesse processo, embora ambíguos. Enquanto documentavam aspectos culturais afro-brasileiros, também os tratavam como sinais de atraso.
Outra teoria racial que encontrou adeptos no Brasil foi o arianismo, sendo que dentre eles se destaca Oliveira Viana (1883-1951). Segundo ele, a miscigenação, propiciada por uma política eugenista, formaria com o tempo uma nova raça ariana nos trópicos.
Para muitos intelectuais da época, como Nina Rodrigues e Sílvio Romero, a mistura de raças era vista com desconfiança, considerada uma ameaça ao progresso do Brasil. A imigração europeia visava não só substituir a mão de obra negra, mas também transformar o Brasil em uma sociedade predominantemente branca.
O médico eugenista Renato Kehl, fundador da Sociedade Eugênica de São Paulo em 1918, é um exemplo de como o discurso científico foi usado para promover o ideal de “melhoria racial”. Esse discurso legitimou práticas discriminatórias, como leis de restrição à imigração de povos não europeus e políticas de higienização social.
Apesar disso, a trajetória de figuras como Nilo Peçanha, presidente do Brasil entre 1909 e 1910, evidencia as contradições do período. Reconhecido como o primeiro presidente brasileiro de origem afrodescendente, Peçanha enfrentou forte discriminação racial.
Fotografias oficiais suas eram retocadas para embranquecer sua imagem, e ele foi frequentemente alvo de insultos racistas. Ainda assim, promoveu políticas de inclusão social, como a criação das Escolas de Aprendizes Artífices e do Serviço de Proteção aos Índios (SPI), precursor da Funai.
Por outro lado, autores liberais contemporâneos, como Demétrio Magnoli, argumentam que resgatar categorias raciais para fins de reparação pode reforçar o próprio racismo que se pretende combater.
Em Uma Gota de Sangue (2009), Magnoli defende que o critério racial em políticas públicas deve ser substituído por critérios socioeconômicos, alegando que o foco em “raça” pode institucionalizar divisões que a sociedade precisa superar:
“A política de cotas raciais baseia-se na lógica do sangue, resgatando categorias racialistas que deveríamos repudiar.”
Saiba mais sobre as cotas racias

Impacto das teorias raciais na sociedade brasileira
As consequências dessa visão racialista foram duradouras. A política de imigração privilegiou europeus, dificultando a ascensão social das populações negras e indígenas. A ideia de branqueamento da população foi tratada como projeto de Estado nas primeiras décadas da República.
Essa visão reverberou na marginalização social, na baixa representação política e no acesso desigual à educação e ao trabalho qualificado. Surgiram práticas de discriminação racial, segregação velada e criminalização de práticas culturais afro-brasileiras, como o candomblé e a capoeira.
A pesquisa de Florestan Fernandes, sociólogo brasileiro, evidenciou que a segregação racial e a marginalização da população negra e indígena refletiu na geografia urbana, com a população negra e indígena sendo empurrada para as periferias das grandes cidades, onde as condições de vida eram precárias, com menos acesso a serviços públicos e a infraestrutura necessária para uma vida digna.
A mitologia da “democracia racial”, difundida por autores como Gilberto Freyre em Casa-Grande & Senzala (1933), promoveu a ideia de uma convivência harmoniosa entre raças no Brasil. Essa narrativa foi amplamente criticada por intelectuais e movimentos sociais, que denunciaram o racismo estrutural embutido nas instituições.
Clóvis Moura rompe com a narrativa idealizada da mestiçagem brasileira ao evidenciar que a estrutura social do país foi fundada sobre um sistema de exploração racial profundamente articulado ao capitalismo e ao colonialismo. Em sua obra “Rebeliões da Senzala” (1959), ele argumenta que a escravidão não foi apenas um episódio do passado, mas o alicerce da sociedade brasileira, e que o mito da democracia racial serve para mascarar a continuidade do racismo estrutural.
Abdias do Nascimento na obra “O genocídio do negro brasileiro” (1978), ele também denuncia o racismo institucional como parte de um projeto de embranquecimento e apagamento da identidade negra.
Porém, setores conservadores veem a crítica à democracia racial como uma ameaça à ideia de unidade nacional. O filósofo Yoram Hazony, por exemplo, defende que políticas centradas em identidade racial podem comprometer a coesão social:
“As políticas identitárias fragmentam o tecido nacional, substituindo a unidade por uma competição entre tribos.” (A Virtude do Nacionalismo, 2018)
Nesse ponto, a obra O Pacto da Branquitude, de Cida Bento, traz uma importante contribuição à compreensão do papel ativo das elites brancas na manutenção das desigualdades raciais. Segundo a autora:
“O pacto da branquitude opera silenciosamente, assegurando privilégios e barrando a ascensão dos negros em espaços de poder e prestígio social.”
Bento argumenta que o racismo não é apenas uma herança colonial, mas uma estrutura constantemente reproduzida por escolhas cotidianas, políticas institucionais e silêncios convenientes de setores privilegiados.
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Desconstrução das teorias raciais no século XX
Com o avanço da genética e da antropologia cultural, as teorias raciais começaram a ser cientificamente refutadas. A UNESCO, em 1950, publicou uma declaração rejeitando a noção de raças biologicamente distintas. A genética moderna provou que não há base biológica para classificar seres humanos em raças.
Autores como Frantz Fanon, Lélia Gonzalez, Abdias do Nascimento e Kabengele Munanga lideraram a crítica ao racismo estrutural e ao legado colonial, propondo novas formas de resistência e valorização das identidades negras e indígenas.
Seus trabalhos foram fundamentais para embasar políticas como o Estatuto da Igualdade Racial (2010) e as cotas raciais em universidades e concursos públicos, com objetivo de corrigir a desigualdade histórica, garantindo acesso à educação e ao mercado de trabalho para grupos historicamente marginalizados.
Essas políticas, no entanto, também são alvo de críticas por parte de pensadores liberais e conservadores. O economista norte-americano Thomas Sowell, por exemplo, em seu livro “A busca da justiça cósmica: Como a esquerda usa a Justiça Social para assolar a sociedade”, argumenta que políticas de cotas podem gerar dependência e ressentimento, sem necessariamente resolver as desigualdades.
Essa disputa de narrativas ocorre também fora do Brasil. Em 2025, o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, proibiu o financiamento federal a treinamentos que envolvessem a chamada “teoria crítica da raça” (critical race theory), alegando que promoviam uma visão divisiva e antipatriótica da história americana.
A medida gerou ampla controvérsia, sendo defendida por setores conservadores e fortemente criticada por educadores e ativistas dos direitos civis.
Saiba mais: Desigualdade racial no Brasil: uma realidade atual

As teorias raciais do século XIX, forjadas na Europa e aplicadas de forma brutal no Brasil, deixaram um legado profundo de desigualdade e exclusão. A sua desconstrução, a partir do século XX, foi impulsionada por avanços científicos, movimentos sociais e resistências intelectuais.
Contudo, o debate sobre como enfrentar o racismo no Brasil ainda envolve diferentes perspectivas políticas e filosóficas. Reconhecer e dialogar com essas visões é essencial para construir políticas públicas eficazes e uma sociedade verdadeiramente democrática.
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Referências
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