Genocídio indígena. Imagem: Divulgação.

O genocídio indígena ainda não terminou?

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Vidas indígenas importam! Imagem: Divulgação.
Vidas indígenas importam! Imagem: Divulgação.

Você já deve ter estudado o período colonial do continente americano nas suas aulas de história, não é? Às vezes, essa história é contada de maneira rápida, enfatizando certos elementos e amenizando outros. As colonizações nas Américas foram devastadoras para os povos originários que viram sua população ser eliminada em 90%. Eles não somente enfrentaram práticas sistemáticas de extermínio de seus povos, mas também das suas culturas, em nome de uma dita missão de civilização e de evangelização pelos colonizadores. Isto é o que chamamos de genocídio indígena.

Quer conhecer mais essa história e tentar entender outros pontos de vista? Neste conteúdo, a Politize! te explica o genocídio indígenas pelo continente Americano e como alguns mesmos mecanismos estão se perpetuando até hoje.

Leia também: Os povos indígenas do Brasil

Como começou o genocídio dos povos indígenas?

Em 1948, a Convenção para a Prevenção e Punição de Crimes de Genocídio da Organização das Nações Unidas (ONU) classificou o genocídio de crime e o definiu como “atos cometidos com a intenção de destruir, total ou parcialmente, um grupo nacional, étnico, racial ou religioso.” Embora esta primeira definição e reconhecimento no direito internacional seja muito recente, ela também se refere a realidades e mecanismos muito mais antigos.

De fato, o genocídio indígena começou desde o ano 1492 com a invasão dos espanhóis que foram os primeiros colonizadores da América. Esse extermínio continuou pelo continente com as colonizações portuguesas (1500), francesas (1534) e mais tarde holandesas (1621) e inglesas (1733).

O massacre dos povos originários no continente americano foi, sem dúvida, um dos piores genocídios da humanidade, juntamente com a escravidão e o genocídio dos africanos. De fato, segundo as pesquisas da University College London (UCL), a colonização exterminou quase 90% da população em um século, ou seja, cerca de 56 milhões de indígenas.

Mas quais foram os mecanismos do sistema colonial e do massacre indígena?

A exploração das terras

Nem todas as colonizações tiveram o mesmo processo. Os britânicos implementaram uma colonização de povoamento, na qual a riqueza explorada no território era utilizada para enriquecer os colonizadores nesse mesmo território. Enquanto os espanhóis e portugueses tiveram uma colonização de exploração, onde todas as matérias-primas como a madeira, as pedras preciosas, ou o ouro, foram enviadas para a metrópole para enriquecê-la.

Foram criadas minas para extrair a prata e o ouro, e plantações para cultivar produtos que não existiam na Europa, como a cana-de-açúcar, o café e a borracha. Em ambos os casos, as terras indígenas foram exploradas e devastadas para o enriquecimento dos colonizadores. E assim começou o processo de desapropriação das terras indígenas.

Os europeus não somente exploraram as terras, mas também os próprios povos originários, escravizando-os para manter seu sistema colonial. Foram impostos métodos de trabalho forçado e inúmeros indígenas morreram nas minas e nas plantações.

Aliás, a colonização hispânica é conhecida precisamente por sua crueldade nesses processos. Juntamente, vale lembrar que foram também responsáveis pelo massacre indígena: as doenças trazidas pelos europeus como a varíola e rubéola, a fome que os indígenas passaram devido às devastações de terras e a escravidão, e os inúmeros casos de estupros.

A crença na superioridade cultural e racial como justificativa

Os mecanismos de invasão e exploração europeia foram justificados pela doutrina da terra nullius, literalmente “terra de ninguém”; território sem população ou, na época, entendido como território habitado por pessoas consideradas “bárbaras”. Assim que invadiram o continente, os europeus consideravam os povos indígenas selvagens e despojados de toda a dignidade humana e até mesmo da própria humanidade.

O sistema colonial era baseado em uma suposta superioridade cultural e racial, dos europeus brancos, e considerados civilizados, sobre os povos indígenas não brancos e considerados bárbaros. É a partir disso que foram implementados mecanismos de hierarquização, que perpetuam até hoje, entre os brancos, e todos aqueles que não o são. Foram essas crenças que justificaram tantas formas de violências cometidas contra os povos originários, ou seja, assassinatos, escravidão, estupro, perseguições, etc.

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A missão de civilização e de evangelização

Os colonizadores europeus pensavam que eram os detentores do progresso, do conhecimento e do desenvolvimento. Eles eram convencidos de que estavam destinados por uma missão de civilização dos povos originários a salvá-los de seu considerado estado de bestialidade. Os europeus lhes impuseram assim, através de uma série de violências e opressões, um outro modo de vida, língua, cultura, costumes, crenças, sociedade e economia.

O período colonial não foi impulsionado apenas por uma missão de civilização como também de evangelização. As crenças e práticas sagradas de alguns povos nativos eram consideradas falsas e bárbaras pelos colonos, enquanto outros povos originários eram considerados sem fé nem lei.

Por consequência, eles foram forçados, sob manipulação e opressão, a se converterem ao cristianismo. No início, as colonizações foram vistas pela Igreja Católica como uma oportunidade para evangelizar toda uma população e, de fato, ampliar seu poder no mundo.

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Assim vieram os jesuítas na América Latina, durante o século XVI, impulsionados pela suposta missão divina de converter os indígenas ao cristianismo. Com o tempo, a igreja e o cristianismo foram armas chaves dos colonizadores como forma de conquista e de fortalecimento da colônia.

Etnocídio: o extermínio da cultura material e imaterial

Os povos indígenas passaram assim por um processo de aculturação forçada, ou seja, a assimilação de uma cultura estrangeira ao mesmo tempo em que viram sua cultura destruída pelos colonizadores. Neste período colonial, ocorreu tanto um genocídio quanto um etnocídio, isto é, o extermínio de uma cultura, de modo a apagar a história e a identidade de um povo, no caso indígena. Os povos originários foram forçados a adotar sobrenomes ibéricos e bíblicos, apagando toda a ancestralidade dos sobrenomes indígenas.

As linguagens nativas passaram a ser proibidas e a língua portuguesa foi imposta à força. Segundo estudos realizados pela USP existiam no Brasil, entre 600 e mil línguas indígenas antes da colonização portuguesa, enquanto hoje, são faladas somente 274 línguas indígenas segundo uma pesquisa do IBGE.

A colonização levou uma parte da história dos povos originários como também sabedoria e conhecimentos ancestrais e modos diferentes de organização de sociedade.

A colonização e o processo de aculturação não deixou somente marcas profundas na cultura imaterial como também na cultura material dos povos originários. Aldeias foram dizimadas, templos ou palácios construídos pelas grandes civilizações como Maia, Asteca e Inca foram saqueados. Objetos sagrados, peças e roupas tradicionais indígenas foram roubados para serem exibidos nas metrópoles.

A título de exemplo, no século 17, depois da invasão e expulsão holandesa no nordeste do Brasil, foram roubadas roupas tradicionais indígenas do povo tupinambá e exibidas no Nationalmuseet em Copenhague, na Dinamarca.

Essas peças voltaram no Brasil somente no ano 2000 para uma comemoração dos 500 anos do dito “descobrimento”. O extermínio da cultura, da língua e da história de um povo cria uma ferida em sua identidade e dignidade, tornando-o mais fácil de explorar e de aculturar. Foi precisamente um dos mecanismos do sistema colonial.

Veja também nosso vídeo sobre o “descobrimento” do Brasil!

Contudo, tiveram várias resistências indígenas ao longo do período colonial nas américas, mesmo sendo, na maioria das vezes, eliminadas pela superioridade militar dos colonizadores. Nota-se que mesmo assim, as práticas e tradições dos povos originários nunca foram abandonadas. Foi uma luta constante, que persiste até hoje, pela sobrevivência dos seus povos, costumes, crenças, idiomas e cultura.

Portanto, é todo este sistema de crenças baseado na superioridade racial e cultural dos europeus que tem justificado todas as formas de violências. O sistema colonial foi implementado em séries de violências e opressões físicas, mas também psicológicas, sociais, econômicas e culturais, contra os povos originários do continente. Esses foram os principais mecanismos utilizados no extermínio dos indígenas. Como resultado, estereótipos, marginalizações e massacres foram cometidos e se perpetuaram ao longo dos séculos.

Mas o genocídio indígena do continente Americano é uma tragédia apenas do período colonial, ou sua vida e suas culturas continuam sendo sistematicamente ameaçadas hoje?

Avanços na luta pelo reconhecimento dos direitos indígenas

Durante séculos, os povos indígenas lutaram para que seus direitos fossem reconhecidos e respeitados. No Brasil, foi somente no final do século XX que suas culturas, línguas, crenças e tradições foram reconhecidas pela Constituição de 1988.

O texto constitucional também afirma e garante os “direitos originários” dos indígenas sobre suas terras, reafirmando que eles são anteriores à criação do próprio Estado. Embora este reconhecimento dos seus direitos seja extremamente tardio, a constituição de 1988 pode ser considerada como um marco na história e na luta dos povos indígenas no Brasil.

Ao nível internacional, a luta dos movimentos indígenas resultou na Convenção 169 da OIT (1989) e na Declaração das Nações Unidas sobre os Direitos dos Povos Indígenas (2007). Mais recentemente, a OEA aprovou em 2016 a Declaração Americana sobre os Direitos dos Povos Indígenas, que é considerada mais extensa que os dois últimos textos internacionais, pois ela reconhece novos direitos.

Consequências da colonização nas vidas atuais dos povos indígenas

Apesar de ter um avanço no reconhecimento dos direitos indígenas nas constituições nacionais e no direito internacional, eles continuam sendo ameaçados diariamente. A colonização privilegiou as pessoas brancas, enquanto ela desprivilegiou e violentou as pessoas consideradas não brancas, como os povos originários e africanos e seus descendentes. É esse construto que permeou, até hoje, as violências perpetradas contra estes povos.

Na América, os indígenas continuam enfrentando várias formas de discriminação e violações de seus direitos humanos, sejam civis, políticos, econômicos, sociais e culturais. Viver uma vida sem violência é um direito humano que lhes tem sido roubado desde a colonização até os dias de hoje. Segundo o Cimi, foram registrados em 2020 no Brasil, 304 casos de violência praticadas contra a pessoa indígena. Entre eles; assassinatos, violência sexual, abuso de poder, racismo e discriminação étnico-culturais.

As violências não são somente físicas mas também psicológicas e sociais. Os povos indígenas lutam até hoje para sobreviver e levar adiante suas culturas e crenças. Mas os preconceitos históricos sobre as culturas e línguas indígenas fazem com que vários descendentes abandonem estas línguas ou outros elementos da identidade do seu grupo.

O genocídio nunca parou?

A colonização criou feridas históricas que não foram resolvidas e perpetuaram até hoje, mecanismos colonialistas de invasão, exploração e marginalização contra os povos originários.

Escândalo de esterilização

No final do século XX nas Américas, ocorreu um genocídio institucionalizado por alguns governos, por meio da esterilização forçada de mulheres indígenas. Isto aconteceu nos Estados Unidos, no Canadá e, mais recentemente, no Peru durante o governo de Alberto Fujimori de 1995 a 2000.

Em nome de um dito programa de planejamento familiar ou de saúde pública, esses governos esterilizaram à força milhares de mulheres indígenas. Isto foi realizado sob pressão, manipulação e sem o consentimento ou mesmo conhecimento das mulheres indígenas.

O verdadeiro intuito destes ditos programas era controlar a população indígena e diminuir a taxa de natalidade nas áreas mais pobres, ou seja, as regiões mais povoadas por indígenas como no Peru. Como resultado, o governo dos Estados Unidos esterilizou 25% das mulheres nativas nos anos 1970. No Peru 331.600 mulheres foram esterilizadas, enquanto 25.590 homens foram submetidos a uma vasectomia.

Marginalização dos povos originários

Os indígenas sofrem também pela exclusão social e política não escolhida e pela desassistência do poder público nas áreas de educação, justiça e saúde. Segundo o Conselho Indigenista Missionário (Cimi), em 2020, foram registrados 23 casos de desassistência na área de educação escolar indígena, como a falta de pagamento de salários de professores ou a falta de infraestrutura e de reformas.

A falta de assistência do poder público foi considerável na área da saúde. O Cimi registrou no mesmo ano 82 casos que atingiram 66 povos em 38 terras indígenas.

Entre eles; a falta de adoção de ações emergenciais e a minimização dos efeitos do coronavírus nas comunidades indígenas.

Segundo o Cimi, o governo federal brasileiro teria agravado a situação de combate à pandemia pela negação e desinformação sobre o vírus. As consequências aconteceram em proporções maiores para os povos indígenas. Como consequência, a omissão do poder público reforça as desigualdades já existentes, limita o exercício dos direitos humanos dos povos indígenas e reforça a marginalização dessas comunidades.

Exploração das culturas indígenas

Em 2020, várias multinacionais de moda como Zara, Anthropologie, Oysho e outras marcas foram acusadas pelo México, por apropriação cultural. Isto é a adoção de elementos culturais de um grupo do qual você não faz parte. Segundo o México, essas marcas apropriaram estampas indígenas, para torná-las um elemento de moda com um intuito econômico, tirando-lhes toda sua carga simbólica e identitária.

Invasão e exploração das terras

As comunidades indígenas nunca pararam de enfrentar invasões e exploração de suas terras, tanto no Brasil como também em outros países da bacia amazônica ou do continente. No Brasil, as invasões e a destruição dos territórios indígenas pelos garimpeiros, madeireiros e fazendeiros tem se intensificado nos últimos anos.

O cenário crítico para os direitos, territórios e vidas dos povos originários está cada vez mais se aprofundando. Como consequência dessas invasões, os rios foram devastados, largas áreas foram desmatadas e queimadas e várias terras invadidas foram comercializadas ilegalmente.

Segundo o relatório do Cimi de 2020, os casos de “invasões possessórias, exploração ilegal de recursos e danos ao patrimônio” aumentaram. Foram registrados 263 casos, atingindo pelo menos 201 terras indígenas, de 145 povos em 19 estados.

De acordo com o relatório do Cimi “Violência Contra os Povos Indígenas no Brasil” de 2020, o próprio governo brasileiro teria apoiado e estimulado as invasões dos garimpeiros na região da Amazônia e as queimadas das florestas, no intuito de expandir a exploração econômica sem restrições legais, políticas, ambientais e sociais.

Veja também nosso vídeo sobre as queimadas no Pantanal e na Amazônia!

Em fevereiro de 2020, o governo federal apresentou ao Congresso o Projeto de Lei (PL) 191/2020 que autoriza e regulamenta a mineração em Terras Indígenas (TIs). Segundo o projeto, as terras indígenas devem ser aproveitadas economicamente e usadas para o bem do Brasil.

Em nome do desenvolvimento econômico, desrespeitam-se e ameaçam sistematicamente os direitos dos povos indígenas, perpetuando a desapropriação de seus próprios territórios. Por consequência, o Brasil foi citado como caso de crimes contra populações indígenas e risco de genocídio, na 47a sessão do Conselho de Direitos Humanos da ONU, em junho 2021.

Foram 500 anos de violência, práticas discriminatórias e desapropriação sistemática dos territórios indígenas. Os direitos indígenas foram e ainda são profundamente impactados e violados, tanto quanto suas vidas, culturas, terras, saúde e bem-estar.

As condições atuais dos povos originários são precisamente os resultados da colonização, e alguns mesmos mecanismos do período colonial estão se perpetuando até hoje. Nota-se que apesar disso, os povos indígenas resistem e continuam lutando ativamente pela preservação das suas terras, pelo respeito dos seus direitos e para manter suas culturas, crenças e idiomas vivos.

E aí, conseguiu compreender mais a historia do genocídio indígena e como os mesmos mecanismos estão se perpetuando até hoje ? Conta pra gente o que você achou nos comentários.

Referências:

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1 comentário em “O genocídio indígena ainda não terminou?”

  1. Jaguary J Freitas

    A colonização do século 15 até os tempos atuais só mudou de técnicas, pois continuam fazendo os mesmos métodos de escambo realizados há tempos atrás. Organizações incorporadas de siglas muitas vezes nacionais com coluiu estrangeiro para driblar os povos indígenas e levar suas riquezas, tanto materiais como imateriais que gerações futuras não conheceram.

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Conteúdo escrito por:
Me chamo Margot e sou franco-brasileira. Cresci na França e acabei de me formar em ciências políticas na Sciences Po Paris. Há dois anos, em 2020, decidi me mudar para o Brasil no intuito de descobrir minhas raízes e entender melhor o cenário político e social brasileiro. Eu tive o prazer de descobrir uma jovem geração brasileira, muito envolvida na vida democrática do país e comprometida em tornar a sociedade mais justa, inclusiva e sustentável. Isso reforçou meu desejo de acompanhar, entender e aprender mais sobre o cenário político brasileiro e de participar de mudanças sociais e políticas positivas no Brasil.

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15 abr. 2024

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