Imagem de Dom Pedro II criança

Golpes de Estado: 7 vezes que o Brasil desrespeitou a Constituição

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Desde a época do Primeiro Reinado, sob o comando de D. Pedro I, o Brasil sofreu diversos golpes de Estado. De lá para cá, o país enfrentou muitos momentos de desrespeito à Constituição, em que, por meios ilegais, alguns setores da sociedade usaram e abusaram de seus poderes para alterar a ordem vigente.

Mas quais golpes de Estado o nosso país já sofreu? Será que você conhece todos eles? Conheça abaixo, neste texto da Politize!, 7 vezes que o Brasil passou por processos de golpe de Estado.

O que é um golpe de Estado?

Quando se fala em golpe de Estado no Brasil, muitas vezes pode vir à mente apenas o golpe civil-militar de 1964, em que foi deposto o presidente João Goulart e, em seu lugar, militares tomaram o poder, ficando no comando da nação até 1985, período conhecido como ditadura militar.

O golpe militar, porém, não foi o único golpe de Estado que o Brasil sofreu.

Mas o que é um golpe de Estado? Ele pode ser definido de maneira objetiva como a tomada do poder por um grupo ou indivíduo de forma ilegal, isto é, à margem da lei, sem seguir o que está previsto na Constituição. Esse processo geralmente é feito em segredo e com muito planejamento.

Para entender um golpe de Estado, não basta olhar para o momento em que o poder é tomado, é importante analisar também como ele foi planejado. Muitas vezes, antes mesmo de tomar o poder, os responsáveis pelo golpe de Estado já começam a tentar fazer um governo parecer ruim, usando a política e até mesmo as mídias para convencer as pessoas disso.

Contextos políticos que moldaram o Brasil

Desde o Primeiro Reinado até a República, o Brasil passou por diversos momentos em que mudanças profundas na estrutura política ocorreram por meio de golpes de Estado. Esses eventos, em sua maioria, aconteceram em períodos de instabilidade, com conflitos entre grupos que buscavam consolidar sua influência. 

Assim como em outras nações, os processos de golpe de Estado no Brasil ocorreram em contextos de descontentamento e disputas pelo poder, refletindo um padrão observado em transições políticas globais. 

Na América Latina, por exemplo, golpes militares e mudanças abruptas de regime se tornaram comuns ao longo do século XX, impulsionados tanto por crises econômicas quanto por influências ideológicas internacionais. 

Na Europa, algumas transições também ocorreram com intervenções militares ou civis que alteraram as estruturas políticas sem o respaldo da lei, como na Revolução dos Cravos em Portugal, que, embora não tenha seguido todos os moldes de um golpe, representa uma quebra abrupta de um regime autoritário. 

Essas comparações ajudam a entender como a tomada de poder, por vias legais ou ilegais, não é apenas um fenômeno brasileiro, mas sim uma resposta encontrada em diferentes partes do mundo para lidar com períodos de instabilidade e insatisfação popular.

Segundo a historiadora Lilia Schwarcz, “a história costuma ser definida como uma disciplina com grande capacidade de ‘lembrar’. Poucos se ‘lembram’, porém, do quanto ela é capaz de ‘esquecer’.” Desta forma, precisamos relembrar os golpes que já tivemos na nação.

A seguir, veremos como esses momentos de desrespeito à Constituição moldaram a história do nosso país.

A noite da agonia, em 1823: o primeiro golpe de Estado

No primeiro golpe de Estado do Brasil, D. Pedro I alegou que as restrições ao poder imperial propostas pela Assembleia Constituinte poderiam ameaçar a unidade e soberania da jovem nação. Para ele, dissolver a Assembleia e outorgar uma nova Constituição era uma maneira de fortalecer o Estado e consolidar o controle necessário para governar o país.

Pouco depois de se tornar independente, o Brasil tratou de criar a sua primeira Constituição. Para que fosse possível a elaboração da primeira carta magna, foi eleita uma Assembleia Constituinte, composta por integrantes que representavam uma pequena elite brasileira.

Desde o início do processo, o imperador D. Pedro I dava sinais que tudo deveria sair conforme sua própria vontade e que poderia lançar mão de um golpe de Estado: na sua fala da abertura dos trabalhos da Assembleia Constituinte, proferiu que defenderia a Constituição “se fosse digna do Brasil e de mim.”

Para poder fazer parte desta Assembleia, só poderiam ser votados pessoas que possuíam renda anual mínima estabelecida, ser proprietários de terras e uma certa quantidade de mandioca plantada. Desta forma, esta Constituição foi popularmente chamada de “Constituição da Mandioca”.

Logo, o processo da criação da primeira Constituição começaria a desagradar D. Pedro I: uma das propostas do documento seria limitar o poder do imperador, onde os constituintes queriam que ele não tivesse o poder de dissolver a futura Câmara de Deputados (sendo obrigado a fazer uma nova eleição, se fosse o caso).

Outra proposta dos constituintes era que D. Pedro I não tivesse o poder de vetar ou negar a validade de qualquer lei aprovada pelo Poder Legislativo. Resultado: um golpe de Estado foi dado, pois o imperador dissolveu a Assembleia Constituinte com apoio dos militares e prendeu diversos deputados. O episódio ficou conhecido como “Noite da Agonia”.

D. Pedro I cuidou ele mesmo de elaborar um projeto de Constituição, que resultou na Constituição outorgada em 25 de março de 1824, o que culminou no nosso primeiro golpe de Estado.

Um jovem de 14 anos no poder: o golpe da maioridade

Para os liberais e outros apoiadores de D. Pedro II, antecipar a maioridade do imperador foi uma medida necessária para conter revoltas e evitar a fragmentação do Brasil. Afirmavam que somente a presença de um imperador jovem, mas legítimo, estabilizaria o país.

O segundo golpe de Estado que marcou a história nacional é ainda da época da monarquia. De 1831 e 1840, o Brasil vivenciou um período denominado como período regencial e foi nessa conjuntura que o golpe de Estado foi dado.

D. Pedro I havia abdicado do trono em favor de seu filho, Pedro II, em 1831, mas ele ainda tinha cinco anos de idade (logo, não poderia assumir o trono). Assim, o país foi governado por alguns regentes por quase uma década e este período foi marcado por inúmeras revoltas que eclodiram no país naquele contexto.

Com receio de uma fragmentação nacional devido às revoltas (algumas delas de cunho separatista), começou a circular a ideia de que D. Pedro II, com 14 anos, deveria assumir o trono e “acalmar” os ânimos da população. Porém, a Constituição vigente (aquela criada pelo seu pai anos antes) permitia apenas que fosse possível assumir o governo com 18 anos de idade. Um golpe de Estado estava à caminho.

Qual a solução para que isso fosse resolvido antes que fosse tarde demais? Os liberais (um dos partidos desta época) promoveram no Congresso a antecipação da maioridade do imperador, por meio de um Ato Adicional, permitindo deste modo que o adolescente Pedro II assumisse o trono com apenas 14 anos. Se consolida, assim, o segundo golpe de Estado da história brasileira.

Pintura de Getúlio Vargas criança. Texto: Golpes de Estado: 7 vezes que o Brasil desrespeitou a constituição
Dom Pedro II, Imperador do Brasil. Imagem: GetArchive

A Proclamação da República: o primeiro golpe militar

Os republicanos, apoiados pelos militares, justificaram a deposição de D. Pedro II com a alegação de que a monarquia estava desgastada e que era incompatível com as necessidades de um Brasil moderno e republicano. Dessa forma, justificaram o golpe como uma resposta à incapacidade da monarquia de acompanhar as mudanças econômicas e sociais.

Os Republicanos defendiam que este modelo poderia trazer progresso, estimular o crescimento industrial e fortalecer a representação política, especialmente diante de pressões de elites regionais que se sentiam marginalizadas pela centralização imperial.

Por outro lado, críticos à proclamação afirmavam que a monarquia exercia um papel moderador que mantinha o equilíbrio entre interesses regionais e evitava fragmentações, especialmente em um momento em que a escravização recém-abolida deixava profundas tensões sociais. Essa visão foi particularmente popular entre elites rurais que temiam perder poder com a mudança abrupta do regime.

D. Pedro II ainda estava no poder em 1889 quando os militares, chefiados pelo marechal Deodoro da Fonseca, derrubaram a monarquia e assim proclamaram a República no Brasil, em 15 de novembro, sendo este mais um golpe de Estado.

A própria nomenclatura utilizada até hoje, chamada de “proclamação”, gera diferentes interpretações sobre o evento. Para alguns, o termo reflete uma transição formal e consensual, simbolizando um marco importante para o início da República no Brasil. Outros, porém, questionam se essa transição foi de fato democrática, considerando o papel ativo dos militares na mudança de regime.

Estado de sítio em 1891: o Congresso é dissolvido pelo primeiro presidente do Brasil

Um golpe de Estado que chama atenção em nossa história, aconteceu pouco tempo depois da proclamação da República. Ao assumir o posto de presidente provisório, Deodoro da Fonseca de fato foi eleito indiretamente pelo Congresso em 1891, com 129 votos, muito próximo do outro concorrente, Floriano Peixoto, que angariou 97 votos.

Deodoro viu nessa votação uma grande ameaça à sua soberania e, segundo o historiador Boris Fausto, atraiu suspeitas ao substituir o ministério, que vinha com ele desde a instauração do governo provisório em 1889, por um ministério sob o comando de um tradicional político monárquico – o Barão de Lucena. Ambos buscaram reforçar o poder executivo (lembrando um pouco o antigo poder moderador da época do Império).

Em 3 de novembro de 1891, Deodoro da Fonseca dá um novo golpe de Estado: fecha o Congresso e declara Estado de Sítio, mas com a promessa de que em breve faria novas eleições e ainda revisaria a Constituição.

Todo esse processo não acabou bem para Fonseca, que, no mesmo mês, em 23 de novembro, renunciou ao seu cargo, ficando em seu lugar o vice-presidente, Floriano Peixoto.

A Revolução de 1930 e a chegada de Getúlio Vargas ao poder

Getúlio Vargas e seus aliados alegaram que a eleição de 1930 fora fraudulenta e que o governo oligárquico da República Velha não atendia às necessidades do povo. Justificaram o golpe como um movimento pela ‘renovação’ e democratização da política nacional.

A chegada de Getúlio Vargas ao poder, em 1930, também foi por intermédio de um golpe de Estado. Chamada de “Revolução” pelos revoltosos, encerrou a fase inicial da recente República no país e inaugurou um novo momento: a Era Vargas.

A República Velha (assim chamado os primeiros anos da nossa república) tinha como presidentes apenas representantes das oligarquias cafeeiras, ora de São Paulo e ora de Minas Gerais, e, naquele ano de 1930, ocorreu uma eleição para a presidência.

O então presidente Washington Luís havia indicado o seu sucessor para concorrer ao cargo: Júlio Prestes, sendo este o vitorioso dessas eleições.

O candidato da oposição foi justamente o gaúcho Getúlio Vargas, que, juntamente com a Aliança Liberal, não aceitou o resultado destas eleições. Assumindo um caráter civil-militar, a chamada “Revolução de 30” tirou o presidente Washington Luís do poder e elevou Getúlio Vargas à chefe do Executivo.

Mas este não seria o único golpe de Estado que Vargas daria ao longo dos anos em que esteve na presidência.

Embora o golpe de 1930 tenha marcado o fim da República Velha, ele também abriu caminho para políticas que modernizaram a economia brasileira, como o incentivo à indústria.

A Revolução de 1930 também refletiu o esgotamento de um modelo político centralizado nas oligarquias cafeeiras, apontando para a necessidade de maior representatividade política.

O Estado Novo: Vargas dá mais um golpe de Estado

O golpe de 1937 foi justificado pelo medo de uma suposta revolta comunista, com base no “Plano Cohen”, documento divulgado pelo governo de Vargas. Segundo o historiador Boris Fausto, esse plano foi utilizado para incutir temor de que uma insurreição comunista traria caos e violência ao país, convencendo muitos da necessidade de um governo forte, que culminaria no Estado Novo, através de ruptura democrática.

Por outro lado, alguns argumentam que o regime buscava evitar a radicalização política. Para setores conservadores, como analisa Marco Antonio Villa, o contexto social e econômico da época demandava um governo forte para estabilizar o país.

Getúlio Vargas permaneceu no poder por 15 anos consecutivos, através de um segundo golpe de Estado orquestrado anos depois de ter assumido o Governo Provisório em 1930.

Além disso, apoiadores do golpe, como setores do exército e parte das elites urbanas, argumentavam que a conjuntura internacional exigia a centralização do poder. A ascensão do fascismo na Europa, que buscava ‘disciplinar’ os regimes políticos, e o crescimento da polarização entre movimentos comunistas e conservadores, foram apontados como razões para evitar que o Brasil caísse no que acreditavam que se tornaria um caos interno.

A manutenção da ordem, em suas visões, justificava a suspensão temporária de liberdades democráticas, e o regime do Estado Novo seria uma ponte para a modernização do país.

A imagem mostra o então Presidente Getúlio Vargas em retrato oficial, com terno, gravata e óculos. Texto: Golpes de Estado: 7 vezes que o Brasil desrespeitou a constituição
Getúlio Vargas. Imagem: Wikimedia Commons

Diante desse cenário alarmista, o Congresso aprovou às pressas o estado de guerra e a suspensão das garantias constitucionais por 90 dias. Tudo foi muito bem planejado e organizado até que, em novembro daquele ano, um novo golpe de Estado foi dado e Getúlio Vargas continua no cargo de presidente até 1945, inaugurando o período chamado de Estado Novo.

O golpe civil-militar de 1964: o mais conhecido dos golpes de Estado

Embora amplamente criticado pelo impacto na democracia, o golpe de 1964 foi apoiado por alguns setores que temiam uma guinada ideológica do governo de João Goulart, vendo-o como uma ameaça à segurança nacional, enquanto outros setores alertavam para o risco de autoritarismo que a intervenção militar representava.

Eis que chegamos ao famigerado ano de 1964, quando os militares articularam um golpe de Estado contra o então presidente João Goulart, tirando-o da cadeira do Executivo e assumindo o comando na nação. O que ninguém esperava é que este golpe duraria até o ano de 1985.

Após a renúncia de Jânio Quadros em 1961, a ascensão de seu vice, João Goulart, à presidência gerou grande descontentamento em uma parcela significativa da sociedade, especialmente devido às diversas medidas propostas por Jango nas reformas de base.

Os apoiadores do golpe militar de 1964 justificavam a deposição de Goulart como uma necessidade para preservar a ordem e evitar uma suposta guinada comunista no Brasil, temendo que o país seguisse os passos de Cuba.

Enquanto Lilia Schwarcz critica o golpe de 1964 como uma ruptura violenta contra as liberdades democráticas, historiadores como Marco Antonio Villa apontam que parte da sociedade apoiou a ação militar temendo um alinhamento do Brasil ao bloco comunista, no contexto da Guerra Fria. A interpretação desses eventos reflete as complexas divisões políticas do período.

No contexto da Guerra Fria, os Estados Unidos apoiavam o golpe, temendo a expansão do comunismo na América Latina. Empresários, classe média e parte da imprensa defendiam a intervenção militar como necessária para proteger a economia e os “valores tradicionais”, que consideravam ameaçados pelas reformas propostas por Goulart.

Assim, em 31 de março de 1964, as tropas do general Olímpio Mourão Filho mobilizaram-se contra o governo de João Goulart, derrubando-o e iniciando um longo período da nossa história.

Conclusão

Golpes de Estado, como vimos, aconteceram ao longo da história em nosso país e são momentos que evidenciam as tensões entre as instituições e a sociedade. Enquanto alguns enxergam esses eventos como rupturas prejudiciais à ordem democrática, outros os justificam como reações inevitáveis a crises políticas, econômicas ou sociais que ameaçavam a unidade nacional ou a estabilidade institucional.

É necessário compreender a história por diferentes perspectivas para avaliar como essas rupturas impactaram nosso sistema político e quais lições podem ser tiradas para evitar retrocessos democráticos futuros.

A frase “direitos conquistados nunca foram direitos dados, e os novos tempos pedem, de todos nós, vigilância, atitude cidadã e muita esperança também”, citada por Lilia Schwarcz em seu livro “Sobre o autoritarismo brasileiro” reforça a necessidade de valorizarmos a democracia continuamente.

Você conhecia todos estes golpes de Estado que o Brasil já sofreu? Lembra de mais algum que não foi citado aqui no texto? Deixe nos comentários abaixo suas percepções e dúvidas.

Referências:

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Conteúdo escrito por:
Professor de História e, no momento, coordenador pedagógico de uma escola pública na cidade de Indaiatuba/SP. Admirador das artes e teledramaturgia, apaixonado por História Cultural. Atuo também como formador de professores na área de História
Paixão, William. Golpes de Estado: 7 vezes que o Brasil desrespeitou a Constituição. Politize!, 28 de novembro, 2024
Disponível em: https://www.politize.com.br/golpes-de-estado-2/.
Acesso em: 9 de dez, 2024.

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