Privatização no Brasil: descomplicando um tema econômico polêmico!

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Imagem: Andrei Morais/Montagem.

Se você está antenado nas notícias, já deve ter visto pelos jornais que uma grande empresa brasileira foi privatizada esse ano. Já sabe de qual empresa estamos falando? É a Eletrobras! Depois dessa notícia, vários debates surgiram sobre o tema “privatização”, e se essa foi a melhor decisão do atual governo. E aí vem a pergunta: o que significa a privatização no Brasil?

Hoje você vai entender de uma vez por todas sobre esse assunto, vai descobrir também a trajetória da privatização no nosso país, e vários outros tópicos importantes que separamos para não restar nenhuma dúvida.

Afinal de contas, privatizar ou não privatizar? Fica até o final pra descobrir!

Veja também nosso vídeo sobre privatizações!

1. O que é privatização

A privatização, mais especificamente a privatização no Brasil, pode ser vista como a saída para manutenção e remodelação necessárias aos sistemas públicos que o governo não está disposto a pagar.

Vamos considerar privatização como quando uma empresa passa do Estado para a iniciativa privada, isto é, quando há uma compra por uma empresa ou grupo, realizada geralmente através de leilões públicos

Tal processo é complexo e pode levar até dois anos para ser concluído, já que existem algumas etapas obrigatórias como: qualificação no Programa de Parcerias e Investimentos; inclusão no Programa Nacional de Desestatização (PND); estudos de modelagem e viabilidade econômica; consultas públicas; análise do Tribunal de Contas da União; e publicação de edital. 

Algumas estatais de controle direto precisam, ainda, passar pela aprovação do Congresso.

Agora que contextualizamos o que você vai aprender por aqui, vamos entender sobre a privatização no Brasil!

2. Privatização no Brasil

Durante quase cinquenta anos, entre o período de 1930 a 1979, foram realizadas obras de infraestrutura voltadas para o desenvolvimento do país, ampliando assim o campo de atuação do Estado na economia

Na Era Vargas, por exemplo, houve grandes investimentos para a industrialização da economia nacional. Foi nesse período que se criou a Cia. Siderúrgica Nacional (CSN), Cia Vale do Rio Doce e a Cia Hidrelétrica do São Francisco.

O Brasil, portanto, passou a criar e absorver empresas, por motivos como recursos insuficientes por parte do setor privado, como também para criar setores estratégicos para a economia nacional. 

Essa era uma característica que ocorria mundialmente, e muito se deve por crises que ocorreram, como a crise de 1929 e, posteriormente, a primeira crise do petróleo.

Para se ter uma ideia, em 1979 havia cerca de trezentas empresas estatais federais no Brasil, dentre elas podemos citar bancos, siderúrgicas, empresas de petróleo e hotéis. Essas empresas, como apontam estudiosos, foram essenciais para o processo de desenvolvimento do Brasil.

Foi aí que o agigantamento do Estado deixou de trazer benefícios e a privatização no Brasil começou a fazer sentido. Isso porque o país perdeu quase que completamente sua capacidade de investimento devido à crise da dívida no final dos anos 70. 

Nesse período também ganha força a ideia da redução do tamanho do Estado, mas não necessariamente o retrocesso ao Estado mínimo

Graças a uma tendência mundial que se iniciava com programas de liberalização anunciados pela Grã-Bretanha, mais de cem países iniciaram programas de privatização nesse período, dentre eles: Argentina, Chile, Colômbia, México e Peru, na América Latina; Malásia, Paquistão e Filipinas, na Ásia; França e Grã-Bretanha, na Europa Ocidental; Marrocos e Nigéria, na África. 

E é nesse contexto que a privatização no Brasil ganha força.

1.1 Governo Sarney

Para que o Brasil fosse inserido entre os países que compunham o mercado internacional seria necessário que possibilitasse uma abertura na economia, para que o capital privado internacional acelerasse o desenvolvimento do país. 

É na década de 1980, durante o governo Sarney, que o terreno é preparado para o que seria a agenda neoliberal implementada na década de 1990.

Por mais que a privatização no Brasil tenha sido efetivada a partir de 1990, em suma, ela já ocorria também no governo Sarney, que foi o grande pilar para para o Programa Nacional de Desestatização – PND, posteriormente elaborado no Governo Fernando Collor de Melo

A escassez de recursos, aliada aos custos dos empréstimos externos, lançam o setor produtivo estatal em uma intensa crise. É nesse cenário que a privatização no Brasil começa a ocorrer em larga escala.

1.2 Governo Collor

Os projetos neoliberais se instauram no Brasil na década de 1990, iniciados no governo de Fernando Collor de Mello, e se tornam consistentes no governo de Fernando Henrique Cardoso. Esses projetos são apresentados como solução para reduzir o que era o grande problema do Brasil, que seriam as taxas de inflação, sobretudo no governo Collor.

O Programa Nacional de Desestatização (PND), criado em 12 de abril de 1990 mediante a Lei nº 8.031, tinha os seguintes objetivos: 

  • Reordenar a posição estratégica do Estado na economia e transferir à iniciativa privada atividades indevidamente exploradas pelo setor público
  • Contribuir para a redução da dívida pública; permitir a retomada de investimentos nas empresas e atividades que venham a ser transferidas à iniciativa privada; 
  • Contribuir para a modernização do parque industrial do país; 
  • Permitir que a administração pública concentre seus esforços nas atividades em que a presença do Estado seja fundamental para a consecução das prioridades nacionais; 
  • E contribuir para o fortalecimento do mercado de capitais.

1.3 Governo Itamar Franco

No governo de Itamar Franco, o PND foi fortalecido e ampliado e passou a atuar, também, na viabilização das concessões de serviços públicos, em possíveis parcerias entre o público e o privado e na discussão sobre uma possível quebra de monopólio (PETROBRAS, ELETROBRÁS e TELEBRÁS) particularmente a partir da posse do então ministro da Fazenda, Fernando Henrique Cardoso. 

A privatização no Brasil, no governo Itamar Franco, abarcou um total de quinze projetos, dentre eles a estatal Embraer, empresa fabricante de aviões.

Leia mais: Privatização da Petrobras: os prós e os contras!

1.4 Governo Fernando Henrique Cardoso

Com o objetivo de realizar uma grande privatização no Brasil, o governo FHC foi responsável pelo uso do BNDES em benefício da iniciativa privada e muitas vezes para financiar a entrada de capitais estrangeiros no país. 

Calcula-se que o programa de privatizações empreendido nas gestões de Fernando Henrique Cardoso tenha levado aos cofres públicos cerca de US $78,6 bilhões, arrecadação direcionada para pagamento da dívida pública.

Além da continuidade do programa de concessões de Itamar Franco, foram encaminhadas ao Congresso Nacional as propostas de concessão de serviços de rodovias, ferrovias e portos, e a criação das agências reguladoras dos setores de petróleo e gás, energia elétrica e telecomunicações.

Veja também nosso vídeo sobre a Petrobras e o preço da gasolina!

Durante o primeiro mandato de Fernando Henrique Cardoso, a privatização no Brasil foi de oitenta empresas, como a Embratel, Vale do Rio Doce e Telebrás. Seu governo foi o que mais privatizou na história do país.

A Telebrás é uma empresa de telecomunicação que deteve por anos o monopólio de sua área e foi a maior privatização no Brasil já realizada. Já a Vale do Rio Doce era até 1997 a maior exportadora de minério de ferro do mundo. 

Por fim, para citar grandes empresas privatizadas nesse período, a privatização da Embratel foi uma forma que o governo FHC encontrou de resolver a incapacidade de expansão do setor de telecomunicações.

“Esse modelo de reformas estruturais na economia brasileira foi estimulado pelas agências multilaterais (FMI e Banco Mundial, GATTOMC), cujo receituário nos anos 90 incluía o fim de monopólios estatais e desregulamentação de setores até então reservados às empresas privadas locais.” (FILHO, 2002)

1.5 Governo Lula/Dilma Rousseff

Privatização no Brasil também fazia parte da pauta econômica do governo Lula, porém de uma forma muito mais branda. O governo atuou através da concessão de estradas federais à iniciativa privada, a licitação para novas hidrelétricas e a venda de mais bancos estaduais. 

Foram privatizados os trechos BR-381 Belo Horizonte-São Paulo, a BR-101 Ponte Rio-Niterói e a BR-116 São Paulo Curitiba, vencidas pelo grupo OHL, que poderá explorar as vias por um prazo de 25 anos.

A privatização de rodovias é o que culmina nos pedágios que pagamos ao viajar de carro por exemplo, onde o dinheiro é arrecadado para manutenção das vias e para para oferecer segurança aos motoristas.

Já no Governo Dilma, as privatizações continuam através dos Programas de Parcerias Privadas (PPPs), com foco em tarifas sociais nos editais de licitação. Essas tarifas sociais servem para assegurar que preços acessíveis serão implementados em determinado serviço, após a compra da empresa pela iniciativa privada.

1.6 Governo Michel Temer/Jair Bolsonaro

Entre 2016 e 2021 o número de empresas estatais federais caiu de 228 para 159, caracterizando uma das mais intensas ondas de privatizações na história do país

Ao final do governo Temer os resultados indicavam a condução de 91 processos de venda de ativos públicos nos segmentos de ferrovias, rodovias, aeroportos, portos, geração hidrelétrica, distribuição de energia, transmissão de energia, mineração, óleo e gás e outros, mobilizando cerca de R$ 144,3 bi. 

Também foi intensificada a entrada de players globais no Brasil como EUA, China, Inglaterra, Alemanha, Noruega e Índia.

O governo Bolsonaro deu sequência a tais privatizações. Sua gestão tem como meta vender dezenas de estatais e subsidiárias até o fim do mandato, com o objetivo de diminuir o tamanho do Estado. 

O governo começou o ano de 2019 com 209 estatais federais, e até fevereiro de 2020 contava com 203. O governo Bolsonaro parte do pressuposto que todas as estatais são passíveis de desestatização. Tais vendas serviriam para abater parte da dívida pública, que deve encerrar 2022 entre R$ 6 trilhões e R$ 6,4 trilhões.

Atualmente, uma grande empresa estatal que está em processo de licitação (processo de compra) é a empresa de serviço de postagens Correios. No entanto, o projeto de lei 591/2021, que visa privatizar a estatal, está parado na Comissão de Assuntos Econômicos (CAE) do Senado Federal. A proposta consiste em vender 100% da empresa e firmar um contrato de concessão para repassar os serviços públicos desempenhados pelos Correios.

Outra empresa estatal que estava junto aos Correios em trâmites para ser privatizada era a Eletrobras, que foi desestatizada oficialmente em 14/06/2022. Com a conclusão do processo, a Eletrobras se tornou uma empresa sem controlador definido, já que o governo optou por realizar a privatização por meio de uma capitalização

No caso de capitalização, a União oferece novas ações da empresa em questão na bolsa de valores e, com isso, deixa de ser sua acionista controladora.

Leia mais: Privatização da Eletrobras: entenda o que está sendo discutido!

3. Movimento de reestatização mundial

Em junho de 2021, mais de 800 empresas privatizadas nas décadas de 1980 e 1990 na Europa se tornavam públicas novamente. Muito pela má qualidade dos serviços prestados pela inciativa privada e o preço deles (CONGRESSO EM FOCO, 2021).

O Transnational Institute liberou dados que mostram ao menos 835 remunicipalizações (quando os serviços são originalmente da prefeitura) e 49 nacionalizações (ligadas ao governo central), em um total de 884 processos, movidas geralmente por reclamações de preços altos e serviços ruins.

O movimento se mostra forte em países como Alemanha, França, Canadá, Estados Unidos e Japão. O processo de reestatização se dá em casos de falha de mercado, quando os operadores privados falham em atender as expectativas. Um exemplo disso no Brasil são os casos de Mariana e Brumadinho.

4. Privatizar ou não?

Afinal, qual é a melhor alternativa para o país? Confira o que argumentam aqueles que defendem a privatização e aqueles que defendem a estatização:

É uma boa ideia privatizar?

Aqueles que acreditam que o melhor caminho é privatizar, argumentam que é preciso: 

  • Evitar que empresas estatais se tornem dependentes do Tesouro Nacional
  • Reduzir a dependência de subvenções nas empresas estatais dependentes do Tesouro Nacional; 
  • Melhorar o desempenho operacional das empresas estatais federais, possibilitando a distribuição de dividendos para acionistas; 
  • Melhorar a gestão das empresas para que sejam capazes de financiar seus investimentos com recursos próprios, sem necessidade de aportes da União; 
  • Diminuição da influência política nessas empresas; e erradicar a corrupção no controle destas.

Também argumenta-se que estatais ajudam a assegurar um nível de concorrência entre oferta e preço adequado, o que possibilita a implantação de diretrizes governamentais relacionadas a metas ambientais e desenvolvimento regional, por exemplo.

Privatizar não é a melhor opção?

Já os defensores da estatização argumentam que:

  • Há grande retorno financeiro vindo de estatais. A privatização gera sim uma grande receita, mas apenas na hora de sua compra. Argumenta-se então que é mais vantajoso manter essa receita de forma constante, ao não desestatizar empresas;
  • Estatais demonstram eficiência, já que é observado um lucro líquido de R$ 808,6 bilhões entre 2002 e 2016, uma média de 53,9 bilhões por ano, resultado das estatais mais significativas – Banco do Brasil, Banco do Nordeste, BNDES, Caixa, Correios, Eletrobras, Instituto de Resseguros do Brasil e Petrobrás; 
  • O suporte financeiro por parte do governo é necessário, inclusive no caso de empresas privadas. O setor de telecomunicações, privatizado desde 1990, precisou em 2018 de mais de R$ 40 bilhões por parte da União para arcar com custos fiscais; 
  • Resultados insatisfatórios de empresas estatais podem estar mais atrelados a condições externas do que necessariamente uma gestão ineficiente. No caso da Petrobras e Eletrobras, a queda abrupta no preço do petróleo e a mudança legal que fez reduzir drasticamente a receita com a geração de energia elétrica, são citados em nota técnica do Departamento Intersidical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (DIEESE) para defender a estatização.

No quesito corrupção, não há como afirmar que estatizar ou privatizar diminuiria tais ocorrências. Nas duas situações, é identificado que casos de corrupção já ocorreram.

Veja também nosso vídeo sobre casos de corrupção que marcaram a história!

Por fim, fala-se em desnacionalização quando é debatida a privatização no Brasil. Isso quer dizer que há perda no controle nacional sob as empresas privatizadas, com repasse dos núcleos de decisão destas empresas para o exterior, bem como um envio contínuo de lucros para as os países de origem dos maiores possuidores de ações das empresas privatizadas

Desestatizar pode significar não ter influência em setores estratégicos e importantes, em decisões de formulação e execução de políticas.

Podemos dizer que os dois argumentos são muito sólidos, e fica claro que para o Brasil, e qualquer país neoliberal, privatizar ou estatizar tudo é impossível. Existem setores estratégicos que são interessantes para privatização, bem como setores que seria muito perigoso para a economia do país a longo prazo se privatizados. 

Confira também nosso texto sobre quais tópicos vão perseguir os candidatos nas Eleições de 2022!

Portanto, não existe resposta definitiva e o importante é ponderar sempre que possível, para que assuntos tão importantes como esse não se tornem alvo de polarizações.

E aí, ficou mais fácil de entender sobre privatização? Compartilha sua opinião ou dúvida nos comentários!

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Conteúdo escrito por:
Brasiliense desbravando Curitiba, graduada em Relações Internacionais, em vias de concluir especialização em Direito e Relações Governamentais pelo Centro Universitário de Brasília. Acredita que a melhor forma de ajudar as pessoas é espalhando conhecimento. Knowledge is power! (Mas Cersei Lannister discorda).

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