Saúde mental na universidade importa?

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Ciência + Saúde 12.04.2017 – Painel pintado por alunos do 4º ano de medicina da uSP no subsolo da faculdade; umespaço exclusivo aos estudan. (Foto: Divulgação)

Em todo o Brasil, a preocupação com a saúde mental na universidade vem crescendo. O debate ganhou força depois de notícias de suicídios cometidos por universitários em grandes universidades do país ganharem os noticiários. Só na Universidade de São Paulo (USP), quatro estudantes cometeram suicídios, registrados em maio e junho de 2018. O Politize! já te explicou o que é saúde mental neste texto e agora vamos falar especificamente do contexto universitário. Afinal, são esses estudantes que estão popularizando a questão. Vamos lá?

POR QUE O DEBATE SURGIU?

Os mencionados casos de suicídio na USP reacenderam as discussões sobre como a saúde mental na universidade é deixada em segundo plano. A constante pressão para que trabalhos sejam entregues no prazo, centenas de páginas lidas semanalmente e noites gastas estudando para provas em que a maior parte da turma tira notas baixas são queixas que qualquer universitário já fez e/ou já ouviu. Além disso, a ideia de que um estudante de ensino superior deve se dedicar apenas ao seu curso leva alguns professores a ignorar o fato de que muitos universitários também trabalham, cuidam da casa e da família, tendo por vezes suas reclamações silenciadas.

Essa realidade é refletida no depoimento de Ana Batista, graduada em Relações Internacionais pelo Instituto Nacional de Pós-Graduação (INPG). A jovem relatou que desenvolveu ansiedade e ataques de pânico durante a faculdade, um esgotamento físico e psíquico agravado por sua rotina intensa. “Eu trabalhava em uma cidade, estudava em outra, fazia TCC [Trabalho de Conclusão de Curso], dava aula sábados e dormia em uma terceira cidade. Digo dormir porque passar apenas a madrugada em casa não é morar”, afirmou.

Nas palavras de Gustavo Gil Alarcão psicanalista e psiquiatra do Instituto de Psiquiatria (IPq) do Hospital das Clínicas de São Paulo – ambientes universitários “exigem cumprimento de uma série de tarefas com pouco espaço para trocas afetivas e relacionamentos entre os pares [colegas, amigos, família]. São exigências em um tempo do relógio que não acompanha o tempo do ser humano”.

O QUE COLOCA ESSA PRESSÃO NOS UNIVERSITÁRIOS?

O professor e psicólogo Pablo Castanho aponta cinco motivos principais que prejudicam a saúde mental de estudantes do ensino superior. Antes de falarmos sobre eles, é importante entender que nenhum motivo é causa isolada de problemas de saúde mental. É a junção desses e de outros tipos de pressões e situações estressantes que podem tornar a universidade um período complicado.

1. Mercado de trabalho

Conforme os ambientes da universidade e do mercado de trabalho se aproximam, novas pressões atingem alunas e alunos. Trata-se da “competição predatória” entre jovens que estão constantemente disputando bolsas de estudo e vagas de estágio, por exemplo. Apesar de crianças serem expostas desde cedo a valores profissionais e do mercado, o que as leva a acreditar que precisam ascender rapidamente, elas não aprendem a lidar com competição. Assim, jovens tornam-se inseguros e vulneráveis para lidar com as cobranças.

2. Solidão

A pressão do curso universitário não é o único fator que afeta o bem-estar dos estudantes. O grande problema é a desarticulação dos coletivos, o que impede que estudantes elaborem estratégias para lidar com a pressão pelo resultado, as críticas e a exposição de estudantes que vão ma.

A “desarticulação dos coletivos” se refere à perda de grupos estudantis que buscam lidar com desafios da vida universitária em conjunto. Essa situação – muitas vezes motivada pela mencionada “competição predatória” – dificulta que estudantes encontrem grupos organizados para dar voz a pautas estudantis e que ajudem uns aos outros. Afinal, esses alunos e alunas compartilham uma realidade e poderiam compreender e ajudar um/a colega passando por dificuldade.

3. Crise do modelo de vida

É comum que, após ingressarem no curso desejado, estudantes se questionem sobre a escolha feita. Isso ocorre principalmente com os que passam em vestibulares concorridos, já que tais jovens se dedicaram quase integralmente ao estudo para a prova. Depois de serem aprovados, é comum se questionarem se realmente valeu a pena.

Além disso, na universidade, alunos e alunas percebem que abriram mão de uma vida equilibrada, com estudo e lazer, para conseguirem aprovação no curso desejado. Muitas vezes, dentro da faculdade essas privações e sacrifícios continuam a ser feitos e, o que antes parecia natural, começa a ser questionado.

A cúpula do Senado está iluminada de amarelo em apoio à campanha mundial Setembro Amarelo, de prevenção ao suicídio (Foto: Jonas Pereira | Agência Senado).

4. Perda de referências

Mudar de cidade para estudar também pode impactar a saúde mental, já que as diversas mudanças pelas quais universitários/as passam demandam “rearranjos psíquicos”. Ao sair do meio em que cresceu, pessoas perdem referências que têm tanto sobre si – como características pelas quais são reconhecidos –, quanto referências que tomam para si – como parentes e amigos.

Muitos desses universitários saem de contextos nos quais são alunos destaque e, percebem que são na verdade medianos, quando se deparam com outras pessoas de mesmo nível na universidade. Isso gera uma quebra da autoimagem que causa sofrimento.

5. Falta de significado

Para evitar que a intensidade dos estudos universitários prejudique a saúde mental, é necessário que os jovens encontrarem um significado para aquele esforço e a carreira que escolheram. Em outras palavras, o fato de ter que fazer algo estressante ou desprazeroso não é maior o problema. Se a pessoa encontra um sentido para aquilo, é mais fácil passar por dificuldades. Estar em uma carreira que não faz sentido faz com que muitas pessoas não consigam lidar com a carga emocional exigida.

Com isso também é possível reforçar a necessidade de quebrar estereótipos negativos colocados sobre pessoas que admitem ter sua saúde mental abalada e buscam ajuda. É comum sentir medo e vergonha de consultar um profissional e ser julgado como uma “frescura” e “exagero”, ou decidir mudar de curso e ser taxado como “preguiçoso” e “desistente”.

SAÚDE MENTAL NA UNIVERSIDADE EM DADOS

O psicólogo Pablo Castanho afirmou que há mais de 20 anos atende universitários passando pelos problemas mencionados. Para ele, a questão de saúde mental nas universidades não é novidade nem no Brasil, nem no exterior. O motivo de vários países começarem a prestar mais atenção nesse debate é a abertura para tratar do assunto, possibilitado por as pessoas prestarem maior atenção a mudanças de comportamento – tanto suas, quanto de pessoas próximas.

Essa maior visibilidade do assunto também acontece devido aos estudos sobre saúde mental. Vários dados recolhidos nos últimos anos têm assustado especialistas e cidadãos. Por exemplo, o Departamento de Informática do Sistema Único de Saúde (DATASUS), do Ministério da Saúde, apontou que o suicídio é a quarta causa de morte entre jovens brasileiros. A taxa de suicídio aumentou nas parcelas mais jovens da população, entre 2000 e 2015, como mostra o gráfico a seguir.

Gráfico elaborado pela F. São Paulo com base em dados coletados pelo Datasus.

Também se destaca uma pesquisa divulgada em 2016 pela Associação Nacional dos Dirigentes das Instituições Federais de Ensino Superior (Andifes). Ela apontou que 30% dos alunos de graduação em instituições federais no Brasil procuraram atendimento psicológico em 2014 e afirmou que mais de 10% desses estudantes fizeram uso de algum medicamento psiquiátrico.

Quanto à depressão, a Associação Brasileira de Psicanálise estima que cerca de 10% dos adolescentes brasileiros sofrem dessa doença. A OMS traz, ainda, que em todo o mundo 20% dos jovens são depressivos. O problema também se estende à parcela adulta da população brasileira. Em 2016, mais de 75 mil trabalhadores foram afastados de seus cargos por conta de quadros depressivos, segundo levantamento da Previdência Social.

Que tal um infográfico para visualizar isso melhor?

Cartazes publicados na página do Facebook da FUSM.

Você sabe o que acontece na operação Pente Fino do INSS? O Politize! explica.

O QUE OS PROFESSORES UNIVERSITÁRIOS DIZEM?

Os professores e professoras universitários não ficaram imunes a essa discussão. Instituições como a Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) incluem os profissionais no debate por meio de reuniões e rodas de conversa sobre saúde mental na universidade. Ao colocar professores por dentro das reivindicações estudantis, é possível criar iniciativas que deem atenção às questões de saúde mental.

Na Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), por exemplo, estudantes chamaram a atenção do professor e psiquiatra Leonardo Machado para problemas psicológicos e de relacionamento pelos quais estavam passando. Além de fazer um levantamento com mais de 400 graduandos de medicina da UFPE sobre saúde mental, o professor passou a dar aulas seguindo uma lógica de “psicologia positiva”. Segundo Machado, “o foco primordial da psicologia positiva é estimular emoções positivas, gratidão e qualidades para promover satisfação com a vida […]. O objetivo não é diminuir, primariamente, sintomas psiquiátricos ou emoções negativas. Isso pode vir como consequência. Dessa maneira, as técnicas podem ser uma ferramenta de prevenção em saúde mental”.

A experiência deu certo e levou o corpo docente da UFPE a continuar adotando a metodologia nas turmas seguintes. Outro professor da instituição, o psiquiatra Amaury Cantilino, afirmou que “não é infrequente que esses jovens acabem abdicando [deixando de lado] de uma vida normal. Queríamos oferecer algo que pudesse ajudar os estudantes a viver bem a vida”. Ao fim, o caso da UFPE serve como um exemplo em que o trabalho conjunto de professores e estudantes universitários gerou frutos positivos na conscientização sobre saúde mental.

#NÃOÉNORMAL

Para dar visibilidade à questão da saúde mental na universidade, grupos de várias instituições passaram a usar a #nãoénormal. Assim, desabafos e denúncias de cobranças sofridas por universitários ganharam espaço em redes sociais. Bruna Matos, uma das organizadoras do movimento na Universidade Federal de Viçosa (UFV), afirmou que o movimento pensa atividades para promover discussões sobre posturas adotadas pela universidade que, de alguma forma, prejudicam o desempenho e a saúde de seus estudantes.

Além da UFV, diversos cursos da USP também se juntaram para fundar a Frente Universitária de Saúde Mental (FUSM). Na sua página do Facebook, o grupo afirma que:

A nossa luta é por instalações e manutenção de serviços de acolhimento nas faculdades, de modo que, caso algum aluno precise, tenha algum lugar de acolhimento. É por uma mudança curricular que tenha como uma de suas diretrizes a saúde mental do aluno. É por permanência estudantil. É por uma universidade sem opressões. A busca por saúde mental dos alunos está por trás de muitas coisas que fazemos em nosso dia a dia e deve ser uma prioridade para nós.

É também por meio dessa rede social que a FUSM divulgou uma série de cartazes para conscientizar sobre a questão da saúde mental.

Cartazes publicados na página do Facebook da FUSM.

PROCURAR AJUDA NÃO É VERGONHA

O debate sobre saúde mental já rendeu frutos. Cada vez mais iniciativas de governo e das próprias instituições de ensino visam dar suporte a quem precisa de ajuda. Vamos conhecer algumas delas?

Centro de Valorização da Vida (CVV)

O Centro de Valorização da Vida (CVV) tem como objetivo realizar apoio emocional e prevenção do suicídio. Esse atendimento acontece de maneira voluntária e gratuita para todas as pessoas que querem e precisam conversar. Total sigilo é garantido pelo CVV, que atende 24 horas por dia, todos os dias, por meio de diversas plataformas.

Procure sua universidade

Cada vez mais universidades estão criando espaços para lidar especificamente com essa questão. A USP, por exemplo, conta com um Escritório de Saúde Mental. Já a Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) fornece assistência à comunidade por meio do Serviço de Atenção Psicológica (SAPSI).

Entre em contato com colegas universitários ou com a secretaria da sua instituição para maiores informações. Se você sente que deve procurar ajuda, não fique com vergonha. Preste atenção nos seus colegas e na discussão sobre saúde mental que acontece ao seu redor. Afinal, a questão pode estar ganhando força, mas os centros de atendimento especializado ainda são muito poucos e não conseguem atender toda a demanda.

Centros de Atenção Psicossocial (CAPs)

Previstos pela Política Nacional de Saúde Mental, os Centros de Atenção Psicossocial (CAPs) disponibilizam serviços de caráter aberto e comunitário. Nos CAPs a população encontra uma equipe formada por profissionais de diversas áreas e preparada para lidar com casos mais graves e persistentes. Existem seis modalidades de atendimento oferecidas pelos CAPs espalhados pelo país. Você pode saber mais sobre cada uma e tirar dúvidas sobre como ser atendido clicando neste link. Caso sua cidade não tenha um CAPs, você pode procurar a Atenção Básica para receber melhores instruções e atendimento.

Este texto buscou mostrar que a universidade é um ambiente que permite aos jovens crescerem, desenvolverem pensamento crítico e entrarem em contato com diversas realidades. Assim, merecem destaque iniciativas que conscientizam pessoas sobre a importância de não permitir que exigências universitárias atinjam um nível prejudicial à saúde mental de seus alunos.

Conseguiu entender o debate da saúde mental na universidade? Deixe suas dúvidas e sugestões nos comentários!

Aviso: mande um e-mail para contato@politize.com.br se os anúncios do portal estão te atrapalhando na experiência de educação política. 🙂

Referências do texto: confira aqui onde encontramos dados e informações!

Diário do Grande ABC – Doença psíquica gera aposentadoria precoce

Fiocruz – Saúde Mental

Folha de S. Paulo – USP tem 4 suicídios em 2 meses e cria escritório de saúde mental para alunos

Folha de S. Paulo – Suicídio de adolescentes avança, e casos recentes mobilizam escolas de SP

Frente de Saúde Mental – #NãoÉNormal

HUFFPOST – Por que os jovens universitários estão tão suscetíveis a transtornos mentais?

JC Online – Saúde mental de universitários preocupa professores

Ministério da Saúde – Centro de Atenção Psicossocial (CAPS)

Mundo Estranho – Quantos adolescentes sofrem de depressão no Brasil?

Super Interessante – Instagram é a rede social mais nociva à saúde mental

UFP – #nãoénormal

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Conteúdo escrito por:
Assessora de conteúdo no Politize! e graduanda de Relações Internacionais pela Universidade Federal de Santa Catarina. Quer ajudar a tornar um tema tido como polêmico e muito complicado em algo do dia a dia, como a política deve ser!

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12 abr. 2024

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