Você sabia que os povos quilombolas têm um papel fundamental na preservação ambiental do Brasil? Com práticas sustentáveis e um modo de vida baseado no equilíbrio com a natureza, essas comunidades ajudam a proteger florestas, rios e nascentes.
Neste texto, você vai entender quem são os quilombolas, qual é o papel deles na conservação ambiental e quais as iniciativas atuais para garantir direitos à essas comunidades.
Este conteúdo integra a trilha do Projeto Amazônia Urbana, uma iniciativa que busca aprofundar o entendimento sobre os desafios e transformações ambientais das cidades na região amazônica.
Quem são os povos quilombolas?
Os povos quilombolas são descendentes de pessoas negras escravizadas que resistiram à escravidão no Brasil. Durante os séculos de escravidão no país, muitos fugiram das fazendas de café e das plantações de cana-de-açúcar e formaram comunidades conhecidas como quilombos, geralmente em áreas de difícil acesso, como as matas.
O termo “quilombo” vem da língua banto e significa “povoação”. Essas comunidades funcionavam com base na coletividade com desenvolvimento social, econômico e político. Com o tempo, mesmo após a destruição de muitos quilombos, as comunidades sobreviventes se fortaleceram e passaram a preservar suas tradições e identidades.
Atualmente, segundo o Decreto n.º 4.887/2023, uma comunidade quilombola é um grupo étnico-racial que se autodeclara como tal, ou seja, que se reconhece como descendente de quilombo e mantém práticas culturais, sociais e religiosas próprias. O reconhecimento leva em conta critérios étnico-raciais e culturais, respeitando o direito à autodeclaração, algo fundamental para a valorização da diversidade e da identidade quilombola no país.
Os quilombolas são agricultores, guardiãs de sementes, marisqueiras e pescadores, apanhadores de flores, de coco-babaçu, de açaí, de buriti e outras práticas com base no cultivo.
Um dos quilombos mais conhecidos da história do Brasil é o Quilombo dos Palmares, fundado no século XVI na região da Serra da Barriga, localizada em Alagoas. O quilombo foi fundado pela princesa congolesa Aqualtune, mãe de Ganga Zumba, um dos primeiros líderes de Palmares.
Durante quase cem anos, Palmares resistiu aos ataques de tropas portuguesas, holandesas e bandeirantes paulistas, sendo destruído em 1695. Um ano antes da destruição, Zumbi dos Palmares, último grande líder do quilombo e símbolo da resistência negra, foi assassinado pelo bandeirante paulista Domingos Jorge Velho.
Zumbi nasceu livre, mas ainda criança foi entregue a um missionário que tinha a missão de espalhar a fé cristã. Aos 15 anos ele fugiu, e se juntou ao Quilombo dos Palmares. Lá, acompanhou os combates contra os portugueses e holandeses e desenvolveu seu instinto de liderança.
Naquele período, o líder de Palmares era Ganga Zumba, e seu intuito era negociar a paz com o governo português entregando alguns quilombolas nascidos livres para serem escravizados. Zumbi discordava dessa estratégia, então convocou os líderes dos mocambos, pequenas aldeias que formavam o quilombo, para fazer uma guerra declarada ao governo português, e assim acabou se tornando líder do Quilombo dos Palmares.
Os ataques aos quilombos aconteciam porque os negros escravizados fugiam das fazendas, em busca de liberdade e para escapar de violências que sofriam. Muitos quilombolas foram mortos por resistirem à recaptura e suas moradias destruídas. Essa destruição também tinha o objetivo de impedir que os fugitivos cultivassem a terra, inclusive a cana-de-açúcar. Para os senhores de engenho, atacar o Quilombo dos Palmares significava não apenas recuperar a mão de obra escravizada, mas também garantir que o plantio de cana ficasse restrito às suas próprias fazendas.
Veja mais: Quem REALMENTE foi ZUMBI DOS PALMARES?
Outros quilombos também se destacam na história, como:
- Quilombo Ambrósio (MG) que abrigava cerca de 15 mil pessoas;
- Quilombo de Campo Grande (MG/SP) com população de 10 mil pessoas;
- Quilombo Buraco do Tatu (BA) durou 20 anos até ser exterminado em 1764;
- Quilombo de Catucá (PE) fundado em 1817, foi destruído no final da década de 1830.
Atualmente, os quilombos continuam sendo espaços de preservação cultural e resistência. Nessas comunidades, os quilombolas mantêm costumes, religiões, formas de plantio, culinária e conhecimentos tradicionais passados de geração em geração.
Conhecimento tradicional dos povos quilombolas
Os povos quilombolas sabem tanto sobre a natureza, os ciclos da chuva, os melhores momentos para plantar ou até quais plantas curam determinadas doenças.
Esse saber vem do chamado conhecimento tradicional, passado de geração em geração, principalmente de forma oral, dentro das próprias comunidades e/ou em troca com outras e têm papel essencial na vida dos povos.
No caso dos quilombolas, esse conhecimento é resultado da convivência com o ambiente onde vivem. Observando a terra, os rios e os ciclos naturais, esses grupos desenvolveram práticas que envolvem o uso consciente da água, o cuidado com a saúde, os rituais religiosos, a agricultura, a alimentação e até o uso de plantas medicinais.
Os quilombolas integram um conjunto mais amplo de povos e comunidades tradicionais, caracterizados por modos de vida intrinsecamente ligados ao território, aos ciclos naturais e a práticas produtivas sustentáveis desenvolvidas ao longo de gerações.
Esses grupos estabelecem relações socioeconômicas e culturais baseadas no uso comunitário e na gestão coletiva dos recursos naturais.

A interação contínua com o ambiente, mediada por saberes tradicionais, configura não apenas sua identidade cultural, mas também sua função ecológica, contribuindo para a manutenção da biodiversidade e a preservação de ecossistemas. Alguns exemplos são:
- Comunidades ribeirinhas;
- Seringueiros;
- Quebradeiras de coco babaçu;
- Caiçaras;
- Raizeiros;
- Extrativistas;
- Parteiras;
- Benzedeiras;
- Curandeiros; e
- Comunidades de fundo de pasto.
Alguns desses saberes estão ligados diretamente à biodiversidade. Isso quer dizer que envolvem o uso de plantas e animais e o entendimento das características e potencialidades desses recursos naturais.
São exemplos disso: saber qual planta é usada para curar determinada doença, qual é a melhor fibra para fazer uma rede ou qual casca produz o corante ideal para tingir uma renda.
Esse tipo de informação é chamado de conhecimento tradicional associado ao patrimônio genético, pois estão relacionados à natureza, aos seres vivos e ao meio ambiente, fazendo parte do dia a dia dos quilombolas.
Quando grandes obras ou pressões industriais, como a proposta de dragagem do rio Tocantins, avançam sobre os territórios tradicionais, os quilombolas são muitas vezes os primeiros a notar os impactos de declínio de espécies, alteração dos níveis d’água e perda de habitat.
Essa capacidade de leitura ecológica serve como alerta, porque eles carregam a “memória ambiental” do lugar, sabem, por exemplo, quais peixes já desapareceram e como a reprodução foi afetada por mudanças anteriores, como as da construção de hidrelétricas.
Em ecossistemas costeiros como os manguezais da Amazônia, as comunidades tradicionais e os quilombolas combinam saberes locais para proteger e defender essas áreas.
Elas compreendem o papel dos manguezais na alimentação, na captura de carbono e na proteção contra erosão, e mobilizam-se coletivamente para barrar iniciativas que ameacem o equilíbrio, como empreendimentos que degradam o habitat ou a pesca predatória. Essa atuação combina o cultural, ambiental e político.
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Quilombolas e o meio ambiente
Os povos quilombolas vivem em regiões com grande riqueza natural e podem exercer papel importante na proteção desses espaços.
Ao proteger florestas, rios e manguezais, essas comunidades ajudam a evitar a degradação ambiental e garantem a manutenção do equilíbrio da natureza.
No Quilombo da América, localizado no Pará, as comunidades cuidam dos manguezais e utilizam recursos locais de forma sustentável. Alimentos como o caranguejo, o turu (um molusco típico da região), o açaí e plantas medicinais.
Eles também se organizam, muitas vezes, para enfrentar ameaças como a pesca predatória, o despejo de resíduos e o avanço de empreendimentos que colocam em risco o meio ambiente.
Os quilombolas combinam conhecimento ancestral com a ação coletiva para defender seus territórios. Um exemplo é o Quilombo Kalunga, localizado na Chapada dos Veadeiros (Goiás). Em 2023, moradores atuaram como brigadistas na prevenção de incêndios florestais. O conhecimento tradicional dos kalungas sobre o manejo do fogo, somada às técnicas de pesquisadores do Cerrado que atuam junto ao quilombo, contribuíram para reduzir os incêndios e facilitar o trabalho dos agricultores locais.
O governo federal, por meio do Ministério da Igualdade Racial, do Ministério do Meio Ambiente, do Ministério do Desenvolvimento Agrário e da Agricultura Familiar, junto com a Coordenação Nacional de Articulação das Comunidades Negras Rurais Quilombolas (Conaq), criou a Política Nacional de Gestão Territorial e Ambiental Quilombola.
Essa política tem como objetivo apoiar a elaboração de planos locais de gestão territorial e ambiental, sempre respeitando os modos de vida das comunidades e promovendo o uso sustentável dos recursos naturais.
Além disso, a PNGTAQ abrange outros temas fundamentais para a vida nos quilombos, como:
- Educação: o objetivo não é apenas garantir escolas dentro dos quilombos, mas que também tenha o ensino voltado à realidade quilombola. Isso inclui valorizar a história e as origens da comunidade, reconhecer os conhecimentos locais sobre o manejo da terra e manter vivas as tradições orais.
- Cultura: preservar e fortalecer as expressões culturais quilombolas, como a culinária, as festas, a espiritualidade, a música e as danças que são parte da identidade da comunidade;
- Organização social: apoio às associações comunitárias e formas coletivas de decisão, que fortalecem a autonomia das comunidades e sua capacidade de defender o território.
Diante dos efeitos das mudanças climáticas, a preservação dos territórios quilombolas se torna ainda mais urgente. O clima está mudando em várias regiões do planeta e trazendo consequências graves. No Brasil, por exemplo, a mudança climática afeta a produção de alimentos e a disponibilidade de água, o que atinge diretamente comunidades tradicionais que dependem da agricultura e dos recursos naturais.
A estiagem na Amazônia reduziu o nível dos rios, dificultando o transporte pela água e o acesso a alimentos em comunidades ribeirinhas e quilombolas, impactos que permanecem mesmo após o fim do período de estiagem.
Essas situações mostram que estamos vivendo um colapso socioambiental que impacta as populações quilombolas, que muitas vezes não contam com políticas públicas de proteção e adaptação. Para essas comunidades, isso significa enfrentar dificuldades no acesso à água potável, riscos à segurança alimentar e a continuidade de práticas culturais ligadas a terra e a natureza.
Leia mais: Qual é o papel do governo em relação a desastres climáticos?
Quais são os direitos dos povos quilombolas no Brasil?
O reconhecimento dos direitos territoriais dos quilombolas deu um passo importante com a promulgação da Constituição Federal de 1988, conferindo o direito dessas comunidades à posse das terras em que já estavam alocados, por meio do artigo 68 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias (ADCT).
Segundo o artigo:
“Aos remanescentes das comunidades dos quilombos que estejam ocupando suas terras é reconhecida a propriedade definitiva, devendo o Estado emitir-lhes os respectivos títulos.”
Entenda mais: Constituição Federal de 1988: história, importância e direitos
Esse reconhecimento abriu caminho para políticas de regularização fundiária e valorização da cultura quilombola. Em 20 de novembro de 2003, o artigo 4º do Decreto n.º 4.887, detalhou o processo de identificação, reconhecimento, certificação e titulação das comunidades quilombolas.
No decreto, a Fundação Cultural Palmares (FCP), vinculada ao Ministério da Cultura, é a instituição responsável por certificar as comunidades quilombolas e sua inscrição em um cadastro nacional. Já o INCRA (Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária) é o órgão que cuida da titulação dos territórios quilombolas, garantindo o direito à terra e a preservação da identidade cultural dessas populações.
A atuação conjunta da Fundação Palmares e do INCRA é essencial para garantir que os quilombolas tenham segurança jurídica sobre seus territórios e possam manter sua forma de vida tradicional.
Outro marco importante para o reconhecimento dos quilombolas foi o Censo Demográfico de 2022, do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), que pela primeira vez contou e analisou de forma mais detalhada essa população.
No entanto, conflitos e desafios permanecem. Como relatado pela reportagem do Pulitzer Center em que os quilombos de Rosário e Providência, no Marajó (PA), vivem em conflito com a Fazenda Boa Esperança há pelo menos dez anos. Para a construção de uma estrada, os fazendeiros aterraram igarapés (curso de água), afetando a pesca que é o meio de sustento da comunidade.
Mesmo com decisão judicial favorável aos quilombolas, a via continuou a ser utilizada pelos empresários, e moradores precisaram abrir a estrada com suas próprias ferramentas para permitir a passagem dos peixes.
Segundo dados, o Brasil possui 1.330.186 pessoas quilombolas, distribuídas em 8.441 localidades. A maior concentração está na região Nordeste com 5.386, seguida pelo Sudeste com 1.245. O Maranhão é o estado com maior número de comunidades quilombolas reconhecidas, com 2.025 localidades.
A inclusão no Censo representa um passo importante para o reconhecimento e formulação de políticas públicas voltadas para os quilombolas. A partir desses dados, é possível garantir o acesso a direitos a educação, saúde, saneamento básico e outras ações voltadas para a promoção da igualdade e da cidadania quilombola.
Conseguiu entender a importância dos povos quilombolas para o meio ambiente? Compartilhe este texto para que mais pessoas possam saber sobre o tema, e se ficou alguma dúvida, deixe para a gente nos comentários!
Se você gostou do conteúdo, conheça o Projeto Amazônia Urbana, uma iniciativa da Politize! em parceria com o Pulitzer Center. O projeto busca ampliar o olhar sobre os desafios das cidades amazônicas, promovendo conteúdos acessíveis e didáticos sobre urbanização, justiça climática e participação cidadã na região. Acompanhe essa jornada!
Referências
- Agência Gov – Proteger territórios quilombolas é preservar o meio ambiente
- Comissão Pró-Índio de São Paulo – Há 30 anos, a Constituição reconhecia os direitos quilombolas
- Fundação Cultural Palmares – Quilombo
- Fundação Cultural Palmares -Informações Quilombolas
- G1 – Quem são os quilombolas, grupos incluídos no Censo pela 1ª vez
- Incra – Quilombolas
- IPHAN – Perguntas Frequentes sobre CTA
- Politize! – O que é a Fundação Cultural dos Palmares?
- Politize! – Você sabe quem foi Zumbi dos Palmares?
- Politize! – Os direitos dos quilombolas no Brasil
- Pulitzer Center – Povos da Água: Salvando um Rio e a Amazônia da Indústria
- Pulitzer Center – Traditional Communities Take Action To Defend the Largest Mangrove Forest on the Planet (Portuguese)
- Planalto – Decreto Nº 4.887, de 20 de novembro de 2003
- Agência IBGE Notícias – Censo 2022: Brasil possui 8.441 localidades quilombolas, 24% delas no Maranhão
- CPISP – Constituição Federal de 1988: Artigo 68
- CPISP – Há 30 anos, Constituição reconhecia os direitos quilombolas
- Planalto – Constituição Federal de 1988 (compilado)
- Planalto – Decreto nº 4.887, de 2003
- Fundação Palmares – Certificação quilombola
- Fundação Palmares – Serra da Barriga: Quilombo dos Palmares
- Fundação Palmares – Informações sobre quilombolas
- INCRA – Quilombolas (governança fundiária)
- Pulitzer Center – Quilombos travam guerra contra fazenda de arroz no Marajó
- Agência Gov – Proteger territórios quilombolas é preservar o meio ambiente
- Politize! – Mudanças climáticas
- UOL/Ecoa – Espanha registra onda de calor mais intensa da história
- Le Monde Diplomatique Brasil – Seca na Amazônia
- YouTube – O que é educação escolar quilombola?
- YouTube – Brasil tem mais de 2,5 mil escolas quilombolas
- YouTube – Quilombo dos Palmares | Expedições
- YouTube – COMUNIDADES QUILOMBOLAS: História dos Quilombos, Características e Políticas. Resumo Enem Prof Fábio
- MEC – Escolas quilombolas
- Pulitzer Center – Traditional communities take action to defend largest mangrove forest on the planet
- Agência Brasil – Quilombolas lideram combate ao fogo na Chapada dos Veadeiros
- Pulitzer Center – People’s water: saving the river and Amazon industry
- IPHAN – Quilombos (patrimônio cultural)
- CNN Brasil – Quilombos, espaços de resistência: você sabe o que é o quilombismo?
- National Geographic Brasil – Como os quilombos deram origem e protegeram a cultura afro-brasileira
- Instagram – Post sobre quilombolas