Artigo Quinto

PUBLICADO EM:
11 de agosto de 2020

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Inciso LXII – Direito de comunicação da prisão

"A prisão de qualquer pessoa e o local onde se encontre serão comunicados imediatamente ao juiz competente e à família do preso ou à pessoa por ele indicada"

DIREITO DE PUBLICIDADE DA PRISÃO

O inciso LXII do Artigo 5º da Constituição Federal de 1988 define que a prisão deverá ser publicizada, no sentido de se tornar pública ao juiz competente e à família do acusado. Esse é um direito de grande importância em um regime democrático e expressa bem o porquê de nossa Constituição ser conhecida como “Constituição cidadã”. 

Quer entender melhor o que isso significa, bem como as aplicações desse direito na prática e seu histórico? Então, continue conosco! A Politize!, em parceria com a Civicus e o  Instituto Mattos Filho, irá descomplicar mais um direito fundamental nessa série de textos do projeto “Artigo Quinto”.

Para conhecer outros direitos fundamentais, confira a página do projeto, uma iniciativa que visa tornar o direito acessível aos cidadãos brasileiros, por meio de textos com uma linguagem clara.

DESCOMPLICANDO O INCISO LXII

Estátua representando a justiça e livro representando a legislação | Artigo Quinto

O inciso LXII do artigo 5º, promulgado pela Constituição Federal de 1988, define que:

“a prisão de qualquer pessoa e o local onde se encontre serão comunicados imediatamente ao juiz competente e à família do preso ou à pessoa por ele indicada”

O inciso justifica-se porque existe um sistema processual em vigor projetado para que as pessoas tenham a oportunidade de responder a qualquer tipo de acusação de maneira justa e coerente, ou seja, com direito a defesa e a um tratamento digno, respeitando os preceitos fundamentais da Constituição Federal. 

Considerando que a prisão é a privação da liberdade de uma pessoa – e que a liberdade é um direito garantido pelo ordenamento jurídico brasileiro –,a prisão não deve ser aplicada sem os procedimentos previstos em lei para legitimá-la, o que, inquestionavelmente, deve compreender o direito do cidadão de reagir contra o ato da autoridade estatal.

Há duas correntes de interpretação sobre o momento em que a comunicação de que trata o inciso LXII do artigo 5º deve ocorrer: a primeira defende que deve ser feita junto com a lavratura do auto de prisão, isto é, no momento em que o sujeito for preso; e a outra que ela deve ser realizada em até 24 horas.

A doutrina brasileira adere à primeira corrente, embora verifique-se tolerância a comunicações realizadas em até 24 horas. 

De todo modo, caso ela não seja realizada, há uma responsabilização administrativa da autoridade policial, bem como uma possível responsabilidade criminal por abuso de autoridade. No caso de prisão em flagrante, entende-se que a comunicação da prisão é uma formalidade essencial à sua concretização e, na sua ausência, a prisão se torna ilegal e deverá ser relaxada.

Assim, é obrigação da autoridade policial pôr em prática o direito de comunicação da prisão no momento em que ela é efetuada, informando-a ao poder judiciário e possibilitando ao preso que telefone para algum familiar ou outra pessoa que indique.

HISTÓRICO DESSA GARANTIA

O sistema processual penal brasileiro sofre alterações de forma contínua por meio de leis. A preocupação com o aperfeiçoamento do sistema sempre se fez presente, ainda mais quando começou a ser organizado de forma menos arbitrária. Assim, a tendência é que, quanto menos controlado por poderes centralizados e tirânicos, melhor e mais justo se tornará o sistema. 

Nesse contexto, pouco antes da declaração da independência, Dom Pedro I, em 1821, decretou, que “nenhuma pessoa livre no Brasil possa jamais ser presa sem ordem por escrito do juiz ou magistrado criminal do território, exceto somente o caso de flagrante delito, em que qualquer do povo deve prender o delinquente”. 

Essa garantia continuou assegurada mesmo após a independência, por meio da Constituição do Império, de 1824, que no seu artigo 179, inciso VIII, dispôs que ninguém poderá ser preso sem culpa formada, exceto nos casos declarados na lei (inciso VIII).

Pouco tempo depois, em 1832, foi criado o Código de Processo Criminal de Primeira Instância, o qual dispôs, em seu artigo 131: 

Qualquer pessoa do povo póde, e os Officiaes de Justiça são obrigados a prender, e levar à presença do Juiz de Paz do Districto, a qualquer que fôr encontrado commettendo algum delicto, ou emquanto foge perseguido pelo clamor público. Os que assim forem presos entender-se-hão presos em flagrante delicto, até para fins de verificar o eventual cabimento de fiança e, caso positivo, fixação do valor devido. 

Simplificando a passagem, como qualquer cidadão comum poderia prender alguém em flagrante, foi definido que, caso isso acontecesse, o preso deveria ser levado a uma autoridade policial para que sua prisão respeitasse o direito de comunicação à autoridade judicial, responsável por salvaguardar o direito ao devido processo e zelar pelo fiel cumprimento das leis pelos agentes do Estado.

Posteriormente, foi editada também a Lei n. 2.033/1871, que regulava o Código de Processo Criminal de Primeira Instância, por meio do artigo 13, § 1º: 

“Nenhum carcereiro receberá preso algum sem ordem por escripto da autoridade, salvo nos casos de flagrante delicto, em que por circumstancias extraordinarias se dê impossibilidade de ser o mesmo preso apresentado à autoridade competente nos termos dos paragraphos acima”

Ilustra-se, dessa maneira, mais uma passagem desse direito na História, e vale notar que, no passado, ele basicamente compreendia a comunicação à autoridade estatal, vindo a incluir somente mais tarde, com a evolução do constitucionalismo e a afirmação dos direitos humanos ao longo do século XX, também o direito de comunicação à família ou a terceiro de escolha do preso.

Hoje, com a previsão no texto constitucional e o desdobramento na legislação infraconstitucional por meio do Código de Processo Penal (CPP), esse direito está garantido juridicamente a todos os cidadãos brasileiros. 

A IMPORTÂNCIA DO INCISO LXII

Segundo os dados do sistema prisional brasileiro, o Brasil tem 338 encarcerados a cada 100 mil habitantes, o que demonstra que existe uma grande massa de pessoas submetidas ao sistema processual penal. 

Nesse sentido, a garantia do devido processo legal é necessária para que não se cometam injustiças tanto com as vítimas quanto com os acusados, visto que o direito penal está preocupado com a verdade material dos fatos. Assim, o objetivo do processo é sempre encontrar a verdade acerca dos fatos imputados ao acusado, o que inclui a sua própria participação no processo apresentando sua defesa. 

Dessa forma, quando o ato da prisão não é público ao menos aos entes familiares ou pessoa indicada pelo preso, existem diversas vertentes de prejuízo: a impossibilidade de manifestação do preso pela busca por defesa, sua maior vulnerabilidade a abusos e até a violência de agentes do Estado e, ainda, o sentimento de angústia da família ao não saber da situação da pessoa em questão, a qual pode ser dada por desaparecida.

Além disso, o envio do caso às autoridades competentes, como o juiz competente da questão, permite que o caso não fique estagnado na prisão preventiva ou na fase investigatória, impedindo medidas como a indicação de um defensor público, por exemplo, caso não seja possível para o acusado pagar por um advogado.

Por conta disso, o direito assegurado no inciso LXII do artigo 5º é de extrema importância para que os outros princípios democráticos assegurados em nossa Constituição sejam cumpridos. Caso o direito de comunicação da prisão não seja respeitado, outros diversos direitos fundamentais, como o da ampla defesa, podem também ser comprometidos.

Sabe quando, em um filme, um personagem é preso, mas tem o direito de fazer uma ligação para alguém? Essa é uma aplicação clara do direito de comunicação da prisão, que se cumpre com a comunicação à família do detido. 

Contudo, se analisarmos filmes que se passam em um período ditatorial, como O que é isso companheiro?, é fácil enumerar cenas em que os indivíduos são presos sem passar por um julgamento nem poder informar suas famílias sobre o fato. Dessa forma, a Constituição Cidadã, ao marcar o período de redemocratização brasileiro, não poderia deixar de incluir em seu rol de princípios o direito de comunicação da prisão.

O INCISO LXII NA PRÁTICA

O direito de comunicação da prisão está ligado aos ritos procedimentais, portanto, a qualidade do tratamento dado ao cidadão é diretamente proporcional ao quanto as leis penais são respeitadas no momento das ocorrências. 

Infelizmente, os procedimentos muitas vezes não são completamente seguidos. As razões são variadas, estando entre elas um sistema prisional de massa em que há uma grande quantidade de presos.

Uma das formas de se garantir que esse direito será cumprido é a sua reivindicação pelo próprio acusado, pois, caso saiba sobre seu direito, pode invocá-lo à autoridade policial.

O desconhecimento de seu direito por parte da população acaba tornando mais fácil que algumas pessoas cometam abusos, ao ninguém ter ciência da privação de liberdade de outrem.

Além dos ditames constitucionais, o sistema jurídico brasileiro, por meio de legislações infraconstitucionais, busca garantir a efetividade do direito contido neste inciso. Uma delas é o CPP, que regulamenta diretamente o sistema penal brasileiro, oferecendo um guia dos procedimentos a serem realizados. Seu artigo 306 define: 

A prisão de qualquer pessoa e o local onde se encontre serão comunicados imediatamente ao juiz competente, ao Ministério Público e à família do preso ou à pessoa por ele indicada. 

  • 1º Em até 24 (vinte e quatro) horas após a realização da prisão, será encaminhado ao juiz competente o auto de prisão em flagrante e, caso o autuado não informe o nome de seu advogado, cópia integral para a Defensoria Pública.

  • 2º No mesmo prazo, será entregue ao preso, mediante recibo, a nota de culpa, assinada pela autoridade, com o motivo da prisão, o nome do condutor e os das testemunhas.

Além disso, a Lei n. 8.069/1990 (Estatuto da Criança e do Adolescente – ECA) regulamenta uma legislação específica para proteção aos jovens, considerando que o seu tratamento deve ser diferente em diversos aspectos. 

Por exemplo, o artigo 107 do ECA determina o tratamento dado aos jovens no caso de apreensão: “A apreensão de qualquer adolescente e o local onde se encontra recolhido serão incontinenti comunicados à autoridade judiciária competente e à família do apreendido ou à pessoa por ele indicada”.

Outro ponto do ECA é a previsão, por meio do artigo 231, do seguinte tipo penal: “Deixar a autoridade policial responsável pela apreensão de criança ou adolescente de fazer imediata comunicação à autoridade judiciária competente e à família do apreendido ou à pessoa por ele indicada: Pena – detenção de seis meses a dois anos”. Ou seja, esse dispositivo garante a penalização das autoridades policiais que não cumprirem o devido processo legal, deixando de seguir o preceito constitucional.

CONCLUSÃO

O inciso LXII do artigo 5º garante o direito de comunicação da prisão com o intuito de que o condenado possa ter acesso a outros princípios, como o da ampla defesa. Dessa forma, é muito importante que o direito previsto neste inciso seja cumprido para que injustiças e atitudes violadoras da lei sejam evitadas.


Esse conteúdo foi publicado originalmente em agosto/2020 e atualizado em setembro/2023 com objetivo de democratizar o conhecimento jurídico sobre o tema de forma simples para toda população. Para acessar maiores detalhes técnicos sobre o assunto, acesse o Livro do Projeto Artigo Quinto.


Autores:

Bianca Lopes Rodrigues

Mariana Mativi

Matheus Silveira


Fontes:

Instituto Mattos Filho

Artigo 5° da Constituição Federal – Senado

MORAES, Alexandre de. Et al. Constituição Federal Comentada. 1. Ed. Rio de Janeiro. Editora Forense, 2018

STF, Habeas Corpus 119.708/SC, Quinta Turma, Rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho, j. 19.03.2009, DJe 27.04.2009

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