Artigo Quinto

PUBLICADO EM:
28 de julho de 2020

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Inciso LX – Publicidade dos atos processuais

"A lei só poderá restringir a publicidade dos atos processuais quando a defesa da intimidade ou o interesse social o exigirem”

PUBLICIDADE DOS ATOS PROCESSUAIS

O inciso LX do artigo 5° da Constituição Federal garante ao cidadão que a publicidade dos atos processuais (ações praticadas no decorrer de um processo judicial) deverá ser mantida. Contudo, existem exceções à regra: a restrição à publicidade de atos processuais poderá ser concedida nos casos em que o juiz julgue ofensiva à intimidade de alguma das partes ou quando a restrição seja considerada pelo juiz como sendo de interesse público.

Ficou curioso para entender qual a importância dessa garantia hoje e no contexto histórico em que estava inserida? Então, continue conosco! A Politize!, em parceria com a Civicus e o Instituto Mattos Filho, irá descomplicar mais um direito fundamental nessa série de do projeto “Artigo Quinto”.

Para conhecer outros direitos fundamentais, confira a página do projeto, uma iniciativa que visa tornar o direito acessível aos cidadãos brasileiros.

DESCOMPLICANDO O INCISO LX

"Deusa da justiça" - Publicidade dos atos processuais | Artigo Quinto

O inciso LX do artigo 5º, promulgado pela Constituição Federal de 1988, define que:

“a lei só poderá restringir a publicidade dos atos processuais quando a defesa da intimidade ou o interesse social o exigirem”

A publicidade dos atos processuais torna-se uma ferramenta de controle do poder judiciário que é dada à população, visto que os autos do processo (partes constituintes do processo, como petições, termos de audiências e certidões) são disponibilizados a qualquer cidadão, envolvido ou não. Trata-se, também, de garantia indispensável à defesa e atuação processual de quem quer que esteja submetido à jurisdição estatal. 

Contudo, existem exceções: a restrição à publicidade de atos processuais poderá ocorrer nos casos em que essa publicidade se mostre ofensiva à intimidade de alguma das partes ou se justifique por exigência fundada no interesse público, como no caso de determinadas investigações e processos criminais. 

Cabe à legislação infraconstitucional, em um primeiro momento, explicitar as situações que se inserem dentro das exceções à publicidade processual autorizadas pela Constituição e, em um segundo, cabe aos juízes decretar, de forma fundamentada, se o processo submetido à sua análise se enquadra em uma dessas hipóteses.

Por meio do inciso LX, a Constituição adota um comportamento que prioriza a transparência, o interesse coletivo e a informação. Nesse cenário, o sigilo passa a ser a exceção, demonstrando que, desde que não se prejudique outros interesses constitucionalmente tutelados – como a intimidade e o interesse social –, é direito de todos os cidadãos que os atos do processo possam ser analisados. 

Mesmo nas hipóteses em que a Constituição autoriza minimizar a publicidade dos atos processuais, com a imposição de restrições para consultar os autos de processos em ações que tramitam em “segredo de justiça”, como as que discutem assuntos sensíveis sobre direito de família (casamento, divórcio, filiação e guarda de crianças, por exemplo), não há o completo descarte da publicidade processual, que se mantém para as partes e seus representantes. 

Imagine como seria se este princípio constitucional não existisse: o poder judiciário teria liberdade para julgar arbitrariamente e não disponibilizar informações sobre os processos. Assim, não haveria formas de controle social que permitissem a fiscalização das decisões judiciais, o que geraria um ambiente propício a injustiças. É para evitar que situações como essa aconteçam que o inciso LX existe e tem tanta importância.

HISTÓRICO DESSA GARANTIA

A publicidade processual é um princípio consagrado em diversas Constituições ao redor do mundo. Nesse sentido, conforme mencionado anteriormente, é uma garantia que assegura um mecanismo de controle das atividades dos órgãos jurisdicionais. 

No Brasil, a Constituição Imperial de 1824, a primeira da história do país, já consagrava em algum grau o atual princípio da publicidade dos atos processuais em seu artigo 159: “Nas Causas crimes a Inquirição das Testemunhas, e todos os mais actos do Processo, depois da pronúncia, serão públicos desde já”.

Nas Constituições posteriores à de 1824, o princípio da publicidade processual não foi mencionado novamente até o advento da Constituição Cidadã de 1988, quando a publicidade dos atos processuais passou a ter um grande destaque. Ao estabelecê-la em seu artigo 5º, inciso LX, a Constituição consagrou mais um princípio conexo ao devido processo legal, reforçando as garantias do contraditório e ampla defesa dos litigantes e o mandamento de imparcialidade e independência do juiz.

A IMPORTÂNCIA DO INCISO LX

A publicidade processual, nos moldes previstos pelo artigo 5º, inciso LX, é um importante mecanismo tanto para o indivíduo – pois permite o controle do poder judiciário –, quanto para a sociedade em geral – em razão do acesso a fatos e dados que possam vir a ser relevantes. 

A intimidade e o interesse coletivo são, novamente, compatibilizados e protegidos pela Constituição por meio da regra geral – de publicidade dos atos processuais – e da exceção – de restrição à publicidade nos casos em que o direito à intimidade seja ferido, por exemplo. 

No Brasil, esse tema tem sido objeto de alguns debates, principalmente em casos criminais, como observado no julgamento do Habeas Corpus n. 88.190-4 RJ pelo Supremo Tribunal Federal (STF), em que o Ministro Cezar Peluso determinou que algumas investigações e procedimentos criminais, por serem extremamente sensíveis, deveriam ser mantidos em segredo para que houvesse a garantia de um processo justo.

Outro julgamento importante no STF foi o Recurso Extraordinário n. 593.727 MG. Nele, foi determinado que, para não  haver a publicidade dos atos processuais, a decisão do juiz deve explicitar e fundamentar os motivos pelos quais considera um risco que determinado processo seja público. Dessa forma, evita-se que o juiz conceda quebra de publicidade sem sua real necessidade.

O INCISO LX NA PRÁTICA

O direito mencionado no inciso LX do artigo 5º tem dois grandes objetivos. O primeiro é que os processos no Brasil sejam norteados pela transparência; e o segundo, como forma de complemento ao inciso X do mesmo artigo (que garante a intimidade), para proteger a vida íntima das partes do processo. 

Nesse sentido, são exemplos de outros dispositivos constitucionais, leis e decretos-lei que visam aos dois objetivos mencionados anteriormente:

  • Constituição Federal: em seu artigo 93, inciso IX, determina que todos os julgamentos do poder judiciário deverão ser públicos e define condições para limitar a presença de determinadas partes em razão de intimidade ou interesse coletivo.
  • Decreto-Lei n. 5.442/1943 (Consolidação das Leis Trabalhistas): em seu artigo 770, estipula a regra da publicidade dos processos, com exceção aos casos em que o interesse coletivo se faça presente.
  • Decreto-Lei n. 3.668/1941 (Código de Processo Penal): em seu artigo 792, institui a publicidade de audiências, sessões e demais atos processuais.
  • Lei n. 13.105/2015 (Código de Processo Civil): em seu artigo 189, prevê quais processos podem ser públicos e quais devem correr em segredo de justiça.

A grande discussão sobre o tema diz respeito à contradição entre publicidade e intimidade, em razão do difícil entendimento sobre qual dos dois direitos fundamentais deveria prevalecer. 

Nesse contexto, cabe destaque a um processo do Tribunal Regional Federal da 3ª Região (TRF-3) de 2005, da Desembargadora Federal Suzana Camargo, no qual ela foi extremamente taxativa ao afirmar que a regra nos processos brasileiros é a publicidade dos autos e a exceção deve ser o sigilo, desde que haja razões autorizadoras. No caso em questão, o réu exigia a restrição de publicidade de processo penal pelo qual respondia por violação de direitos trabalhistas.

Outra importante decisão foi a do Recurso Especial n. 253.058-MG, em que foi decidido que a notícia de existência de processo contra determinada pessoa não configura uma quebra do segredo de justiça.

Essa decisão é bastante relevante, pois constantemente a não aplicação do princípio da publicidade é confundida com restrição total ao processo, o que não é verdade. O fato de existir veiculação da existência do processo não significa, necessariamente, que as informações contidas nele passaram a ser públicas. 

CONCLUSÃO

Ao analisarmos o artigo 5º, inciso LX, torna-se clara a sua relevância no cotidiano jurídico brasileiro. É verdade que o tema tem intersecção com outros direitos fundamentais presentes em outros incisos deste mesmo artigo. Ainda assim, o contexto jurídico e social brasileiro sofreria grandes prejuízos com a sua ausência.


Esse conteúdo foi publicado originalmente em julho/2020 e atualizado em setembro/2023 com objetivo de democratizar o conhecimento jurídico sobre o tema de forma simples para toda população. Para acessar maiores detalhes técnicos sobre o assunto, acesse o Livro do Projeto Artigo Quinto.


Autores:

Pedro Henrique Silva Sanches

Mariana Mativi

Matheus Silveira


Fontes:

Instituto Mattos Filho;

Artigo 5° da Constituição Federal – Senado;

STF. 2ª Turma. Habeas Corpus n. 88.190-4 RJ, rel. Cezar Peluso, julgado em: 29 ago. 2006.

STF. 2ª Turma. Recurso Extraordinário n. 593.727 MG, rel. Cezar Peluso, julgado em: 14 mai. 2015.

TRF-3. 1ª Seção. Mandado de Segurança n. 256.719/SP, rel. Suzana Camargo, julgado em: 17 ago. 2005.

STJ. 4ª Turma. Recurso Especial n. 253.058, rel. Fernando Gonçalves, julgado em: 4 fev. 2010.

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