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O foro privilegiado é um mecanismo jurídico utilizado por diversas autoridades públicas, quando são julgadas por tribunais superiores.
Mas você sabe o que significa ter foro privilegiado e por que políticos são julgados de forma diferente? Neste texto, a Politize! te explica!
O que é foro privilegiado?
O foro privilegiado é um mecanismo que muda quem tem direito de julgar casos criminais envolvendo autoridades públicas. Tecnicamente, o nome correto é foro especial por prerrogativa de função.
Na prática, uma ação penal contra algumas autoridades públicas – como os parlamentares – é julgada por tribunais superiores, diferentemente de um cidadão comum, julgado pela justiça comum.
Este mecanismo está previsto no art. 53, § 4° e art. 102, inciso I, b, da Constituição , que define o foro especial como um requisito necessário para o efetivo exercício de alguns cargos.

Isso contraria o princípio da igualdade?
Pode-se dizer que sim, no entanto, nesses casos, pode ser necessário. De certo modo, o foro privilegiado quebra o princípio de que todos são iguais perante a lei e que, portanto, estão submetidos a ela da mesma forma.
A justificativa é a necessidade de se proteger o exercício da função ou do mandato público. Como é de interesse público que ninguém seja perseguido pela justiça por motivos políticos, é preciso que algumas autoridades sejam julgadas pelos órgãos superiores da justiça, tidos como independentes.
Em resumo, o foro protege a função, e não a pessoa. Justamente por essa lógica, qualquer autoridade pública perde o direito ao foro especial assim que deixa sua função pública (ex-deputados não possuem foro especial, por exemplo).
Veja também nosso vídeo sobre foro privilegiado!
Quem tem direito ao foro privilegiado?
Veja quem são as autoridades públicas com foro privilegiado e como elas são julgadas, quando necessário:
- Governadores: são julgados, em crimes comuns, pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ);
- Prefeitos: são julgados pelos Tribunais de Justiça estaduais;
- Membros dos tribunais superiores, do Tribunal de Contas da União e embaixadores brasileiros: são julgados pelo STF;
- Desembargadores dos tribunais de justiça, membros de Tribunais de Contas estaduais e municipais, membros de Tribunais regionais (TRF, TRT, TRE, etc): são julgados pelo STJ;
- Juízes Federais, do Trabalho, Juízes Militares e Procuradores da República: são julgados pelos Tribunais Regionais Federais;
- Membros do Ministério Público: são julgados pelos Tribunais Regionais Federais.
Em maio de 2018, o Senado, por unanimidade, decidiu mudar a regra para foro privilegiado de deputados federais e senadores. A partir de então, esses parlamentares passaram a ter acesso ao foro apenas quando julgados por crimes cometidos durante o mandato e/ou que possuam relação com o cargo.
O foro privilegiado foi ampliado?
Em 2025, o Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu, por 7 votos a 4, ampliar o alcance do foro por prerrogativa de função, permitindo que parlamentares federais mantenham seus processos na Corte mesmo após deixarem os cargos, seja por fim de mandato, renúncia ou cassação.
A decisão representa uma mudança significativa na jurisprudência consolidada em 2018, quando o próprio Supremo havia restringido o foro privilegiado aos mandatos em curso e apenas para delitos cometidos no exercício da função e em razão dela.
Agora, o entendimento da Corte é que o foro permanece válido se o crime tiver sido cometido durante o exercício do cargo e estiver relacionado às funções desempenhadas, ainda que o político tenha deixado o posto.
A decisão foi tomada no julgamento de um habeas corpus apresentado pela defesa do senador Zequinha Marinho (Podemos-PA), acusado de praticar “rachadinha”, exigência de repasses mensais de 5% dos salários de servidores para o partido, em 2013, quando exercia o mandato de deputado federal.
Ao longo dos anos, Marinho foi vice-governador do Pará e, posteriormente, senador, o que fez com que seu processo passasse por diferentes instâncias judiciais. Com a decisão do STF, o caso permanecerá sob responsabilidade da Corte.
A proposta foi apresentada pelo ministro Gilmar Mendes, relator do habeas corpus. Acompanharam seu voto os ministros Cristiano Zanin, Alexandre de Moraes, Flávio Dino, Dias Toffoli, Luís Roberto Barroso e Nunes Marques.
Votaram contra a ampliação do foro os ministros André Mendonça, Edson Fachin, Cármen Lúcia e Luiz Fux, sendo este último o responsável por encerrar a votação.

A decisão não se aplica a crimes cometidos antes da posse no cargo ou que não tenham relação com a função pública. Ainda assim, foi recebida com preocupação por especialistas e setores da sociedade civil, que consideram que a ampliação do foro pode favorecer a impunidade de autoridades políticas ao mantê-las sob julgamento em uma instância conhecida por baixa taxa de produtividade penal.
Críticas à ampliação do foro privilegiado
A decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) de ampliar o alcance do foro por prerrogativa de função, permitindo que parlamentares federais mantenham seus processos na Corte mesmo após deixarem os cargos, gerou reações negativas de diferentes setores.
O senador Eduardo Girão (Novo-CE) criticou duramente a ampliação do foro privilegiado. Segundo ele, a medida fortalece o controle do STF sobre o Legislativo, reduz a independência dos parlamentares e visa inibir críticas e investigações sobre a atuação da Corte.
Girão também acusou o Supremo de tentar influenciar a composição do Senado para barrar pedidos de impeachment de ministros, e defendeu o fim do foro, convocando a sociedade a se manifestar.
O presidente da OAB-SP, Leonardo Sica, também se opôs à decisão, afirmando que ela distorce o papel do STF, transformando-o em instância criminal permanente e comprometendo sua função constitucional.
Para ele, a medida prejudica o direito de defesa ao eliminar o duplo grau de jurisdição e sobrecarrega o tribunal. Sica defende que a regra sobre foro seja definida por lei, não por jurisprudência.
As críticas destacam o risco de politização do Supremo e de enfraquecimento dos mecanismos de responsabilização, ao permitir que autoridades continuem sendo julgadas na Corte mesmo após deixarem seus cargos.
Ministros do STF que votaram a favor da ampliação do foro argumentaram que a prerrogativa é institucional, não pessoal. Gilmar Mendes, relator do caso, defendeu a manutenção do foro mesmo após o fim do mandato, quando o crime tiver relação com o cargo, destacando os riscos de perseguição política em um cenário polarizado.
Cristiano Zanin reforçou que a prerrogativa tem base constitucional e serve para proteger as instituições contra manipulações e retaliações políticas. Flávio Dino complementou, defendendo que o foro deve se manter estável desde a instauração da investigação, evitando mudanças de competência por mudanças no cargo.
Alexandre de Moraes afirmou que a expectativa de celeridade com o envio de processos a instâncias inferiores não se concretizou e que o critério para o foro deve estar ligado à natureza do crime, não ao cargo ocupado no momento. Já Luís Roberto Barroso defendeu a medida como forma de evitar atrasos, ineficiências e prescrições causadas por mudanças sucessivas de instância.
O foro privilegiado é exclusividade do Brasil?
Não, existem outros países que adotam sistemas parecidos, como Portugal, Espanha, Argentina e Colômbia. Mas em nenhum outro país essa prerrogativa é estendida constitucionalmente a tantos indivíduos quanto no Brasil.
Segundo reportagem da revista Exame, até 2017, 55 mil pessoas tinham foro privilegiado por aqui. O número condiz com estudo da Consultoria Legislativa do Senado Federal, que em 2015 já havia apontado 54 mil autoridades possuindo a prerrogativa.
Como o foro privilegiado interfere nas investigações policiais?
Como casos de foro privilegiado são julgados diretamente em instâncias superiores, a investigação deve ser supervisionada pela Procuradoria-Geral da República. Com base em dados levantados pela Polícia Federal, ela analisa os casos e decide apresentar uma denúncia formal ao Supremo Tribunal Federal. Apresentada a denúncia, os ministros do STF decidem pela abertura de uma ação penal.
Há quem afirme que as ações de foro privilegiado sobrecarregam os tribunais superiores. Eles acabam por julgar desde fatos graves, como homicídios, até fatos banais.
O STF, por sua vez, já é muito sobrecarregado: julga cerca de 100 mil casos ao ano. Para efeito de comparação, a Suprema Corte dos Estados Unidos, análoga ao STF, julga apenas 100 casos anualmente.
O julgamento de crimes comuns de autoridades públicas no Brasil mistura-se a uma imensa pilha de processos que o STF precisa julgar. Ainda pior: os tribunais superiores não estão acostumados a realizar uma ação penal, inexistindo uma estrutura adequada para receber esses casos na maior parte deles.
Um levantamento feito pela revista Exame, em 2015, revelou que, de 500 parlamentares que foram alvo de investigação ou de ação penal no STF nos últimos 27 anos, apenas 16 foram condenados. Desses, 8 foram presos (apenas um esteve preso até 2016). Os demais, recorreram ou contaram com a prescrição para se livrar das ações penais.
Por outro lado, em audiência pública para debater a PEC 333/2017, especialistas afirmaram – que a extinção do foro privilegiado não necessariamente irá acelerar os processos e levar a mais condenações.
Gustavo Henrique Badaró, professor da Universidade de São Paulo (USP), lembra que a justiça comum também não consegue dar conta de todos os casos que chegam a ela. Por isso, a extinção do foro pode fazer com que os julgamentos de autoridades públicas sejam ainda mais lentos.
O foro já havia chamado atenção em 2016 pelo caso do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT). Na época, como ex-presidente, Lula não teria foro privilegiado. Entretanto, ele foi convidado a ser ministro-chefe da Casa Civil da então presidente Dilma (PT), no mês de março daquele ano. Nessa posição, Lula passaria a ter o foro especial. Mas com o afastamento da presidente por impeachment, Lula nunca chegou a tomar posse.
O fim do foro privilegiado?
Em dezembro de 2018, a Câmara dos Deputados debateu a possibilidade de extinção do foro privilegiado. A PEC 333/2017 teve seu parecer aprovado em comissão e propôs que o foro fosse extinto no caso de julgamentos por crimes comuns.
Além disso, ficaria restrito aos presidentes da República, da Câmara, do Senado Federal e do STF. Assim, perderiam direito ao foro os ministros de Estado, governadores, parlamentares e outras autoridades.
Em 2023, senadores pressionaram a Câmara dos Deputados a votar a Proposta de Emenda à Constituição que acaba com o foro privilegiado para crimes comuns.
Em 2025, após se tornar réu no Supremo Tribunal Federal (STF) por supostamente liderar uma tentativa de golpe de Estado, o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) declarou apoio a Proposta de Emenda que prevê o fim do foro privilegiado.
A manifestação ocorreu em meio à intensificação das discussões sobre a prerrogativa de foro em 2025, que tem sido alvo de críticas por dificultar o andamento de processos contra autoridades políticas.
E você, acha que o foro privilegiado deve ou não acabar? Conte para nós a sua opinião!
Publicado em 15 de março de 2016. Atualizado em 14 de abril de 2025.
Referências:
- Estadão – 22 mil pessoas têm foro privilegiado no Brasil, aponta Lava Jato
- Exame – Em 3 décadas, STF só condenou 16 políticos por corrupção
- Folha de S. Paulo – STF decide por unanimidade restringir foro especial de parlamentares
- Ibrajus – Foro privilegiado: a ineficiência do sistema
- Infoescola – Foro privilegiado
- Poder360 – Ministro do STJ aplica restrição do foro pela 1ª vez após decisão do STF
- UOL – Comissão da Câmara aprova projeto que acaba com foro privilegiado de políticos
- PEC 333/2017
- El País: o caso Flávio Bolsonaro
- Câmara dos Deputados – Especialistas dizem que fim do foro privilegiado pode não acelerar julgamentos
- Agência Brasil -STF forma maioria para ampliar alcance de foro privilegiado
- CNN Brasil – PF faz buscas em desdobramento de investigação que envolve senadora Rose de Freitas, do Espírito Santo
- Jota – STF forma maioria pela ampliação do foro privilegiado, mas Mendonça pede vista
- Jus — O foro privilegiado conforme o entendimento do Supremo Tribunal Federal
- Estadão – Entrevista: Leonardo Sica, presidente da OAB de São Paulo, critica decisão do STF sobre foro privilegiado
- CNN Brasil – STF conclui julgamento pela ampliação do foro privilegiado
- Agência Brasil – STF amplia foro privilegiado na Corte para após fim do mandato do réu
- CNN Brasil – Quais são os argumentos dos ministros do STF para ampliar o foro privilegiado