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Saiba como o novo Código Civil mudará os seus direitos

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A reforma do Código Civil é debatida desde 2023, pois o texto em vigor foi  redigido em 2002 e, portanto, precisa ser atualizado. Em abril de 2024, a comissão de juristas do STJ aprovou o relatório final, e a reforma alterará centenas de artigos.

O Código Civil não é um documento importante apenas para quem é da área do Direito. Como suas normas regulam os direitos e deveres dos cidadãos no âmbito privado,é importante que todo brasileiro o conheça.

Neste texto, a Politize! detalha quais são as principais alterações no Código Civil, sua origem e o que especialistas pensam sobre estas mudanças.

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Qual é o objetivo do novo Código Civil?

Um colegiado do Senado Federal, criado pelo senador Rodrigo Pacheco (PSD-MG), presidente da Casa, discute o projeto de reformulação do Código Civil desde agosto de 2023. Ao longo de oito meses, foram realizados encontros, audiências e discussões sobre a mudança.

O texto preliminar prevê modificações em como o Estado reconhece animais e famílias, nas regras para proteção de pessoas no ambiente virtual e diante de sistemas de inteligência artificial.

A mudança veio da necessidade de acompanhar as dinâmicas da sociedade, que já não são as mesmas de quando o texto original foi redigido, 22 anos atrás. 

O que é o Código Civil?

Imagem da balança da justiça referente ao novo código civil.
Balança da justiça. Imagem: Freepik.

O Código Civil é um documento do Direito Civil, ou seja, regula os direitos do cidadão na esfera jurídica, desde o nascimento até a morte. Assim, ele é uma das principais leis do ordenamento jurídico do país.

Esse grupo de normas visa garantir o equilíbrio das relações civis, assegurando a justiça, a convivência entre os grupos sociais e a igualdade entre todas as pessoas, independente de gênero, raça, religião, sexualidade ou outros marcadores de identidade.

Este é um documento fundamental para regular não só as relações sociais, mas também a interação entre indivíduos e seus bens, como casamento (estado civil) ou a compra de uma casa (propriedade).

No Brasil, o Código Civil em vigor é de  2002 e possui 2046 artigos, divididos em dois grandes grupos: 

  • Geral (três livros): Das Pessoas; Dos Bens; Dos Fatos Jurídicos;
  • Especial (cinco livros): Do Direito das Obrigações; Do Direito de Empresa; Do Direito das Coisas; Do Direito de Família; Do Direito das Sucessões.

De modo geral, ao longo do Código Civil pode ser encontrado, por exemplo, regulamentação acerca dos seguintes aspectos, :

  • Contratos em Geral; 
  • Posse;
  • Direitos Reais;
  • Propriedade;
  • Habitação;
  • Direito Pessoal;
  • Direito Patrimonial, 
  • Direito da União Estável;
  • Sucessão Testamentária;
  • Inventário;
  • Dentre outros.

Veja também: Direitos Civis: afinal, o que são e como surgiram?

Como surgiu o Código Civil

Ainda nos séculos XVII e XIX, havia a preocupação em neutralizar o Poder Judiciário e criar limites através de normas registradas em um documento. Nesse contexto, em 1804, Napoleão Bonaparte outorgou o Código Civil francês, revolucionando o Direito da Idade Contemporânea.

Neste texto, falamos que o Código Civil mais recente foi construído em 2002, mas este não foi o primeiro regulamento criado no país.

No Brasil, em 1916, foi criado o primeiro documento responsável por instituir regras para as relações civis: o Código de Bevilacqua, idealizado pelo jurista Clóvis Bevilacqua (Lei 3071/1916). Antes de sua criação, era preciso recorrer ao judiciário para interpretar e resolver questões da vida moderna. 

Este documento esteve em vigor até o início dos anos 2000, quando um novo Código Civil brasileiro foi instituído pela Lei 10.406/2002, entrando em vigor em 2003.

Desde sua criação, ele vem sendo alterado para acompanhar as transformações da sociedade. Entretanto, desde 2023, debate-se a possibilidade de uma reforma do Código Civil.

Argumentos contra e a favor do novo Código Civil

Apesar da reforma estar sendo debatida desde 2023, há quem discorde da proposta de alterar o documento.

O ministro do STF, Dias Toffoli, criticou algumas propostas de mudanças, pois acredita que seria difícil ter segurança jurídica se a cada 20 anos o país se reunir para alterar o Código Civil. Em sua visão, é necessário refletir sobre segurança jurídica e a previsibilidade.

Segurança jurídica é o princípio da Constituição Federal que baseia todas as relações jurídicas. É isto que assegura que o Estado irá agir como garantidor dos direitos fundamentais dos cidadãos. Dessa forma, haverá previsibilidade e estabilidade das relações. 

Ao afirmar que a lei deverá ter previsibilidade, tem-se a necessidade de garantir que a legislação será estável e que, mudanças repentinas, não prejudiquem decisões anteriores. Todavia, isto não impede que mudanças necessárias ou alterações na interpretação da lei aconteçam.

Apesar disso, o ministro do STJ, Luis Felipe Salomão, enviou ofícios a Organizações da Sociedade Civil (OSC), faculdades de Direito, órgãos públicos e associações a fim de receber sugestões para o novo Código Civil. Essas recomendações foram essenciais para que os membros da comissão estivessem atualizados quanto às atuais necessidades da sociedade.

Além disso, a diversidade da comissão foi um destaque, pois havia pessoas de diferentes ideias, gêneros e idades. Essa foi a primeira vez que houve participação feminina na elaboração do Código Civil.

Durante reunião da comissão de juristas do STJ para apresentação do anteprojeto de revisão do Código Civil, a desembargadora aposentada Rosa Maria Nery, relatora-geral, declarou que:

“Procuramos avançar na tecnologia, nos mecanismos de produção e na modernidade da circulação de riquezas. Por isso, não podemos nos retrair nos avanços da expressão humana do código.”

Além dela, o ministro Marco Buzzi, enfatizou a importância de renovar o Código Civil, afirmando que “É óbvio que a Constituição é a lei mais forte dentro de um país, mas é o Código Civil que cuida do dia a dia das pessoas”.

Principais alterações da reforma do Código Civil

Reconhecimento da união homoafetiva

Este ponto prevê mudanças para os casamentos civis e uniões estáveis. A proposta é que seja retirada a menção a gêneros, passando a reconhecer que essas uniões acontecem entre duas pessoas, independentemente de gênero ou orientação sexual.

Além disso, também está prevista a criação de um novo termo para nomear pessoas unidas civilmente, os chamados “conviventes”.

Saiba mais: União Homoafetiva: entenda a definição e a legislação

O código de 2002, menciona que casamento e união estável são realizados entre “homem e mulher”, o que serviu de argumento, por exemplo, para apoiar um projeto na Câmara dos Deputados para proibir o reconhecimento de uniões homoafetivas. 

Portanto, essa mudança incluiria, no Código Civil, o reconhecimento da união homoafetiva, assegurando à população LGBTQIA+ o direito à união civil. Vale lembrar que casais homoafetivos possuem direito à união estável desde 2011 e ao casamento civil desde 2013. 

Nova modalidade de divórcio

A mudança altera a modalidade de divórcio e de dissolução de união estável, podendo ser solicitada de forma unilateral. Assim, mesmo que não exista consenso entre ambas as partes, apenas uma pessoa do casal poderá pedir a separação à justiça, sem precisar de ação judicial.

Isso altera a legislação atual que prevê três tipos de divórcio:

  • Judicial: em casos de divergência entre o casal;
  • Consensual: quando há consenso entre as partes;
  • Extrajudicial: possibilidade de ser feito em cartórios, a partir do consenso do casal.

Além disso, o projeto inclui que, em caso de efetivação da separação, as partes envolvidas deverão compartilhar igualmente as despesas envolvendo filhos, dependentes e/ou animais de estimação.

Ampliação da concepção de família

A proposta amplia a definição de família, passando a reconhecer famílias formadas por vínculos conjugais e não conjugais, como aquelas formadas por irmãos, por exemplo.

O texto classifica como família:

  • Casais que tenham convívio estável, contínuo, duradouro e público;
  • Famílias formadas por mães ou pais solos;
  • Grupos que vivam sob o mesmo teto e possuam responsabilidades familiares. 

Assim, passa a ser considerada essas configurações familiares para ter reconhecimento e proteção jurídica.

O texto não inclui famílias paralelas (uma pessoa possui duas famílias), nem poliafetivas (quando há mais de dois parceiros(as) no relacionamento).

Proteção a pets

No novo texto, existe uma proposta de estabelecer uma nova relação jurídica para os animais. Nesse sentido, eles serão reconhecidos juridicamente como seres capazes de ter sentimentos e direitos, diferente de como é no Código Civil de 2002, que trata os animais como bens móveis.

Leia mais: Animais são “coisas”? Entenda a personalidade jurídica dos animais

Assim, de acordo com o texto em vigor, os pets não possuem direito à proteção jurídica, são apenas vinculados aos donos. Na nova proposta, passam a ter direito a proteção jurídica especial, a ser definida por lei, incluindo direito à indenização por violências e maus-tratos, com objetivo de reparar danos sofridos pelos animais.

Doação de órgãos

Essa mudança retira a necessidade de autorização familiar para doação de órgãos em casos que o doador falecido tenha autorizado o transplante por escrito.. Quando não houver o documento, a autorização caberá ao cônjuge ou aos demais familiares. 

Além disso, a reforma do Código Civil propõe que a personalidade civil de um indivíduo tenha início no nascimento com vida e termine com a morte cerebral. A proposta é para que se tenha mais segurança no transplante de órgãos.

O texto preliminar também traz a possibilidade de uma pessoa doente deixar diretrizes para tratamentos diante de sua incapacidade de tomar decisões, além de determinar quem será seu representante para fazer escolhas sobre seu futuro e sua saúde.

Direitos relativos aos fetos e nascituros permanecem preservados desde a concepção.

Reprodução assistida

O Código Civil de 2002 não trata deste tema. A proposta do Senado visa distanciar qualquer discriminação direcionada a pessoas nascidas por técnicas de reprodução assistida, buscando definir regras para o procedimento.

Nesse sentido, estará proibido o uso das técnicas reprodutivas para o objetivo de:

  • Criar seres humanos geneticamente modificados;
  • Criar embriões para investigação científica;
  • Criar embriões para escolher sexo ou cor;
  • Comercializar óvulos e espermatozóides;
  • Dentre outras proibições.

Além disso, o relatório preliminar define que não haverá vínculo de filiação entre o doador e a pessoa que nascerá do material genético.

Outras definições são estabelecidas, como:

  • A doação só será permitida para maiores de 18 anos;
  • Médicos e demais funcionários dos espaços de reprodução humana não poderão doar para a rede que trabalham;
  • Sigilo para os dados relacionados aos doadores, podendo ser quebrado mediante decisão judicial;
  • Informações sobre doadores devem ser repassados ao Sistema Nacional de Produção de Embriões.

Barriga solidária

Assim como no caso de reprodução assistida, o código de 2002 não aborda este tema. O novo Código Civil pretende regular as barrigas solidárias, aquelas que não incluem recompensa financeira entre as partes.

Pelo texto preliminar, a doação temporária do útero deverá partir, preferencialmente, de alguém que possua parentesco com os futuros pais. A formalização deve ser feita em documento que informe quem serão os pais da criança gerada.

Posse de terra rural

O Código Civil também trata de bens, portanto, a aquisição de propriedades rurais pelo tempo de posse, a usucapião, virou pauta das discussões. A regra em vigor permite que pessoas que ocupem terras rurais pelo período de cinco anos seguidos, sem conflitos, possam conquistar a propriedade.

Com a mudança, uma pessoa só terá direito ao reconhecimento da propriedade uma única vez. Em áreas urbanas, já há regras semelhantes para usucapião. O objetivo da alteração é combater a grilagem, crime no qual a apropriação de terras é feita com documentos falsificados.

Veja também: O que é o “PL da Grilagem” e qual a sua importância?

Proteção na internet e regras para IA

Os direitos digitais também estão sendo debatidos nessa reforma. Há uma proposta para responsabilizar plataformas por vazamentos de dados de usuários ou terceiros, além de definir que as empresas adotem medidas de segurança para proteger as informações dos usuários.

Quanto ao uso de inteligência artificial (IA) pelas plataformas, deverá ser sinalizado e seguir padrões éticos. 

Em caso de danos cometidos no ambiente virtual, poderá ser cobrado indenizações.

Para detalhar o direito digital dos cidadãos, a comissão propôs a criação de um livro complementar. Nesse sentido, o livro definiria regras para:

  • A possibilidade de exclusão de conteúdo;
  • Responsabilização das plataformas digitais;
  • Controle de conteúdos ilícitos;
  • Criação de um patrimônio digital, incluindo senhas de redes sociais, criptomoedas e milhas aéreas da pessoa falecida, por exemplo, que poderão ser herdados ou exposto em testamento;
  • Proteção de direitos e dados de crianças e adolescentes;
  • Proibição de publicidades de produtos e serviços de tecnologias para o público infantojuvenil; 
  • Regras para o desenvolvimento de sistemas de inteligência artificial no Brasil, respeitando os direitos fundamentais do cidadão brasileiro;
  • Qualquer conteúdo gerado por IA deverá informar seu uso na criação.

Quais são os próximos passos?

Desde 2023, a comissão de juristas se reúne para discutir as principais mudanças que devem ocorrer no texto do Código Civil. Enfim, em abril de 2024, após 180 dias de atividades, a comissão aprovou o relatório final que será transformado em um anteprojeto de lei, ou seja, um esboço, proposta ou versão preliminar de um texto que ainda não foi apresentado formalmente como proposição à Casa Legislativa.

Ainda neste mês, o texto passará por votação no Senado Federal e, caso aprovado, deverá ser votado também pela Câmara dos Deputados.

E aí, o que você acha do novo Código Civil que pode está a caminho? Concorda com as mudanças? Deixe sua opinião nos comentários!

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Conteúdo escrito por:
Faço parte da equipe de conteúdo da Politize!. Cientista social pela UFRRJ, pesquisadora na área de Pensamento Social Brasileiro, carioca e apaixonada pelo carnaval.

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22 abr. 2024

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