Qual o papel politico das torcidas organizadas no Brasil?

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As torcidas organizadas desempenham um papel importante na política brasileira e não é de hoje que elas atuam nesse sentido.

O futebol é um esporte muito relevante no território brasileiro, você pode até não gostar ou acompanhar, mas não pode negar a sua popularidade no Brasil. Mas por que o tema “futebol” está em um site de educação política ao invés de em um site esportivo?

Você já ouviu falar das torcidas organizadas do futebol brasileiro? Sabia que torcidas organizadas de clubes brasileiros têm uma atuação muito importante no cenário histórico-político? Quer saber mais sobre o tema? Então acompanhe a leitura do texto a seguir.

O que são torcidas organizadas?

Nos esportes em geral, os torcedores são fundamentais e são pessoas que decidiram acompanhar e torcer pela vitória de determinado time. O motivo da escolha do clube pode variar, mas a intenção do torcedor é sempre a mesma: ver o seu time ser campeão.

As torcidas são uma grande fonte de sustento para um clube, do ponto vista financeiro, emocional ou social. Afinal de contas, com a presença de uma torcida, há maior incentivo para obter a vitória. Nessa relação, o torcedor também é beneficiado, como revela o artigo publicado pela neuropsicóloga Carrie H. Kennedy, no site Psychology TodayTorcer, de um modo equilibrado, para algum time, atende as necessidades sociais e emocionais do ser humano.”.

Mas e as torcidas organizadas no Brasil? O que são?

São torcedores que formam uma associação a fim de torcer mais intensamente para determinado clube brasileiro, criando cantos, bandeiras, mosaicos e performances.

As torcidas organizadas possuem um nome e um sistema organizacional e administrativo próprio, onde existe uma hierarquia, normas de condutas, regras, uniformes e uma sede física. Cada torcida organizada possui sua forma de se organizar e obter recursos financeiros.

Quando surgiram as torcidas organizadas?

O primeiro registro de uma torcida uniformizada foi em 1939, com a Torcida Uniformizada do São Paulo (TUSP), no qual os torcedores de alta classe social do São Paulo Futebol Clube se reuniam em clubes e festas na capital paulista e se organizaram para irem juntos aos jogos, comprando uma determinada parte arquibancada.

Porém, as torcidas organizadas como conhecemos hoje, iniciaram-se na década de 1960, quando, além de torcer, passaram a participar da vida política de seus clubes, fiscalizando e pressionando as decisões dos dirigentes.

As torcidas organizadas não somente dedicaram-se ao futebol, mas também adentraram no mundo da política, sendo fundamentais em momentos históricos decisivos.

Qual a relevância do futebol no Brasil?

É tradição que, praticamente toda semana seja transmitido, no mínimo, dois jogos de futebol na televisão aberta no Brasil e com números altos de audiência .

Em 2022, segundo os dados da Kantar Ibope Media, houve um aumento de 6,5% dos pontos de audiência na região metropolitana de São Paulo em comparação com o ano de 2021, nos jogos transmitidos pela TV Globo. A pesquisa também divulgou que 68% dos brasileiros se consideram interessados, nem que seja pouco, pelo futebol.

Basta olhar nas ruas para ver o interesse dos brasileiros pelo futebol, em algum lugar terá uma quadra ou campo de futebol com crianças, adolescentes, adultos e idosos jogando a famosa “pelada” entre amigos.

Essa paixão é mais evidente em ano de Copa do Mundo, quando as ruas e as casas são enfeitadas e amigos e familiares se reúnem para ver os jogos, inclusive porque no Brasil, dias de jogos da seleção são considerados pontos facultativos no trabalho.

O que é o “fazer política”?

Antes de relacionar o tema futebol a política, é importante refletirmos sobre o que é “fazer política”. Normalmente, as pessoas pensam que somente os políticos fazem política.

Porém, a verdade é que fazemos política de várias formas, seja quando discutimo sobre melhorias para o bairro, cidade, estado ou país, quando nos posicionamos contra ou a favor de determinados temas, quando votamos nas eleições, participamos de manifestações ou de movimentos sociais. Tudo isso são formas de fazermos política sem esperar que somente os políticos façam pela gente.

Agora que definimos o que é fazer política, podemos entender como as torcidas organizadas atuaram e atuam no cenário político brasileiro.

A primeira participação política das torcidas organizadas

A década de 1960 foi marcada pelo período da ditadura militar no Brasil, quando um golpe de Estado derrubou o presidente eleito e instituiu militares no poder sob a justificativa de uma ameaça comunista.

Nesse período, muitos jovens e estudantes formaram grupos de oposição à ditadura vigente, conhecidos como movimentos estudantis. As torcidas organizadas também se juntaram a esses movimentos, reivindicando o fim da ditadura militar.

O fundador da torcida organizada Gaviões da Fiel (Corinthians), Flávio La Selva, participou de passeatas estudantis em 1968. E em 1977, uma faixa foi estendida no estádio do Morumbi pelas organizadas do Corinthians e Santos com os dizeres: “Anistia ampla, geral e irrestrita”, fazendo crítica a Lei da Anistia de 1979, uma lei que perdoou os crimes praticados durante o período militar no Brasil.

Veja a imagem a seguir:

Imagem em preto e branco de torcedores com diversas bandeiras do time Corinthians. No meio da torcida é estendida uma faixa com os dizeres: "anistia ampla geral e irrestrita".
Torcedores do Corinthians e Santos protestando contra a Leia da Anistia em 1977

A luta pelo fim das torcidas organizadas e a falta de merenda nas escolas

A partir da década de 1980 intensificou-se a violência entre as torcidas organizadas, e o promotor Fernando Capez abriu processos de extinção e criminalização das torcidas organizadas, para banir de vez as torcidas organizadas com a justificativa de acabar com a violência nos estádios.

A partir desse momento, começou a resistência das organizadas, que afirmavam que não deveriam ser punidas por causa de uma minoria violenta e responderam a provocação de Capez com protestos como o de 2016, quando Fernando Capez, então deputado pelo PSDB, era investigado pelas fraudes na compra de merendas das escolas estaduais de São Paulo.

Uma faixa com a frase “Quem vai punir o ladrão da merenda?” foi exibida pela torcida Gaviões da Fiel durante um jogo no Neo Química Arena. A organizada também realizou uma campanha de arrecadação de alimentos que foram entregues às escolas da capital paulista.

A manifestação prolongou-se por alguns jogos e também criticou a Confederação Brasileira de Futebol (CBF) e a Federação Paulista de Futebol (FRP), após as organizadas receberem punição das mesmas, questionando-as a respeito dos altos preços dos ingressos e propondo um futebol mais acessível à população de baixa renda.

O protesto também incluiu a Rede Globo que detinha sozinha os direitos sobre o campeonato paulista, uma faixa dizia o seguinte: “Futebol refém da Rede Globo”, conforme mostra a imagem a seguir:

Imagem colorida de torcedores que vestem camisetas em preto e branco do time Corinthias e estendem quatro faixas brancas com escrito em preto. De baixo para cima, a primeira faixa diz: "Quem vai punir o ladrão da merenda?"; a segunda faixa diz: "Futebol refém da Globo"; a terceira diz: "Ingresso mais barato" e a quarta diz: "CBF FPF vergonha do futebol".
Torcida Gaviões da Fiel protesta no estádio Neo Química Arena em 2016. Reprodução: Folha Uou.

A resistência das torcidas organizadas e a participação em eventos políticos

Nos anos de 1990 e 2000, a resistência das torcidas organizadas foi marcada pelo fortalecimento de suas escolas de samba e o aumento de sua participação política, como o apoio as manifestações de 2013, conhecidas como Jornadas de Junho”, para criticar os altos preços dos ingressos da Copa do Mundo de 2014, sediada pelo Brasil.

Surgiram coletivos que começaram a se organizar pelas redes sociais, como o “Somos pela democracia”, um movimento formado por diferentes torcidas organizadas, que formou uma frente antifascista e a favor da democracia. Outro grupo que também atua na mesma posição é o Palestra Sinistro, de torcedores do Palmeiras. E também o coletivo Os Imbatíveis, do clube Vitória, na Bahia, que promove “rodas de conversa” para discutir temas sociais e políticos.

Imagem colorida contendo dez homens jovens, que vestem preto e levantam as mãos com o punho fechado, todos usam uma máscara preta e três usam bonés pretos. Eles estendem uma faixa com os dizeres: "Somos pela democracia". A faixa é preta e o escrito está em branco, sendo somente a palavra "pela" destaca em vermelho bem ao centro da faixa. Na faixa, no canto esquerdo da imagem, está desenhado, em branco, uma mão com o punho fechado.
Torcida organizada pela democracia. Imagem: Uou

Os coletivos antifascistas, porém existem desde antes 2013, como o “Ultra Resistência Coral”, do clube Ferroviário Atlético, que surgiu em 2004. Os principais eventos que foram marcados pela participação das torcidas organizadas, serão listados a seguir, por ordem cronológica:

  • Em 1984, o Coletivo Democracia Corinthiana, participou da manifestação do Diretas Já, que pedia o estabelecimento de eleições diretas;
  • Em 2016, o evento Democracia Corinthiana Contra o Golpe, reuniu pelo menos 300 pessoas na Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFCLH) da USP;
  • Em 2018, as organizadas participaram do protesto “Ele Não”, contra a eleição do candidato Jair Bolsonaro à presidência, assinando um manifesto escrito por membros de coletivos de esquerda, como a Coletivo Democracia Corinthiana e o Porcomunas, do Palmeiras;
  • Em 2019, mais uma vez, torcedores de coletivos de clubes rivais se uniram pela greve geral contra a reforma da previdência;
  • Em 2020, em São Paulo e nas ruas de Porto Alegre, torcedores foram às ruas contra os que pediam o fechamento do STF e a volta da ditadura militar.
Imagem colorida contendo pessoas em uma manifestação segurando uma faixa branca com os dizeres em preto: "Democracia corinthiana contra o golpe". Na faixa, do lado direito da imagem contém o símbolo do clube Corinthians.
Coletivo Democracia Corintiana, formado por torcedores do Corinthians, em protesto em 2016. Reprodução: medium

Ainda em 2023, torcidas organizadas do Corinthians pediram a saída do técnico Cuca, devido ao seu envolvimento em um crime de estupro coletivo cometido na década de 1980.

Torcidas organizadas femininas

É importante também destacar as torcidas organizadas femininas, que tem um objetivo de dar visibilidade às mulheres que assistem e jogam futebol, lutando pela igualdade e pelo aumento da produção e venda de produtos feminino pelas marcas esportivas.

O interesse das mulheres por futebol vem crescendo no Brasil, assim como o futebol feminino em si, por isso a importância de tal movimento.

A tabela a seguir apresenta algumas das principais torcidas organizadas femininas:

Nome da organizadaTime que representam
Coletivo INTERfeministaInternacional
Movimento AlvinegrasCorinthians
São Pra ElasSão Paulo
VerdonnasPalmeiras
Bancada das SereiasSantos
Movimento CoralinaSanta Cruz
Mulherada ProblemaAtlético Paranaense
Fonte: https://midianinja.org/copafemininja/da-arquibancada-as-torcidas-organizadas-femininas/

As torcidas organizadas nas eleições de 2022

No final do ano de 2022 e início de 2023, as torcidas organizadas protagonizaram eventos históricos-políticos com a retirada de manifestantes que não aceitaram os resultados das eleições das vias públicas, no evento conhecido como a “tropa dos fura bloqueio.

A organizada Galoucura, do Atlético Mineiro, foi quem inaugurou a ação, em 2022, retirando o bloqueio da rodovia Fernão Dias, de Belo Horizonte, para assistirem ao jogo. O ato foi repetido pelas torcidas Império Alviverde, do Coritiba e Gaviões da Fiel, do Corinthians e tiveram apoio de outras organizadas, como Força Jovem, do Vasco, e Mancha Verde, do Palmeiras.

Em 2023, diante dos atos antidemocráticos de 8 de janeiro, a Associação Nacional das Torcidas Organizadas (Anatorg Brasil), emitiu uma nota contra as manifestações golpistas e a favor do resultado das eleições e mobilizou as torcidas organizadas em atos a favor da democracia.

Ficou evidente através da leitura desse texto, a atuação política das torcidas organizadas no cenário político brasileiro, ou seja, as manifestações são compostas por um grupo que vem tornando-se cada vez mais expressivo: os torcedores-ativistas.

O torcedor-ativista une um grupo com um interesse em comum (o futebol), a lutar por pautas relevantes na sociedade, como racismo, violência contra a mulher ou violência policial, por exemplo.

Apesar da idade dos participantes diminuir quando se trata de uma manifestação composta pelas torcidas organizadas, sendo a maioria com idade inferior a 40 anos, o objetivo é sempre o mesmo, a defesa da democracia.

Mas diga você: você sabia de toda essa movimentação da torcida organizada na história política brasileira? Concorda que as torcidas organizadas devam se posicionar ou acredita que elas devem ficar somente no campo do futebol mesmo? Deixe sua opinião nos comentários!

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Conteúdo escrito por:
De São José dos Campos, interior de São Paulo, licenciada em História pela Universidade do Vale do Paraíba (UNIVAP). Professora, autora de materiais didáticos, artigos científicos e palestrante em diferentes congressos. Idealizadora e líder de um projeto de reconstrução histórica utilizando a História Oral. Voluntária em projetos sociais de cursinho pré vestibular voltado a educação popular, como o Emancipa Pinheirinho e o CASD, ambos de São José dos Campos – SP. Ama produzir conteúdos digitais, como vídeos, nas horas vagas. Apaixonada por Ciências Humanas, especificamente História e Ciências Políticas.
Souza, Larissa. Qual o papel politico das torcidas organizadas no Brasil?. Politize!, 31 de maio, 2024
Disponível em: https://www.politize.com.br/torcidas-organizadas/.
Acesso em: 13 de dez, 2024.

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