Xenofobia no Brasil: o que gera essa intolerância?

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Venezuelanos saem de Pacaraima em busca de abrigo em Boa Vista (Foto: Marcelo Camargo | Agência Brasil).

Você já se questionou sobre a existência da xenofobia no Brasil? A palavra “xenofobia” foi popularizada há poucos anos, mas é uma realidade antiga no mundo inteiro e no nosso país isso não é diferente. O Estado brasileiro é um importante receptor de imigrantes, sendo o terceiro país da América do Sul que mais atrai pessoas de outras nacionalidades. Mas será que os estrangeiros são bem recebidos aqui? É isso que o Politize! vai analisar neste texto.

ESPERA AÍ, O QUE É XENOFOBIA?

O Alto Comissariado das Nações Unidas para Refugiados (ACNUR) define xenofobia como:

“Atitudes, preconceitos e comportamentos que rejeitam, excluem e frequentemente difamam pessoas, com base na percepção de que eles são estranhos ou estrangeiros à comunidade, sociedade ou identidade nacional”.

A partir dessa definição, entende-se qualquer forma de violência baseada nas diferenças de origens geográfica, linguística ou étnica de uma pessoa como xenofobia. Em resumo, a xenofobia é o medo ou ódio por estrangeiros ou estranhos, e está vinculada a atitudes e comportamentos discriminatórios, frequentemente culminando em diversos tipos de violência.

Acesse nosso conteúdo sobre xenofobia para entender melhor o que ela é, por que existe, como é praticada e mais!

XENOFOBIA NO BRASIL TEM COR, RELIGIÃO E NACIONALIDADE ESPECÍFICAS?

A xenofobia afeta a maior parte de grupos migrantes, mas ainda assim se deve destacar a existência de uma questão de interseccionalidade. Não se pode considerar que todos os grupos enfrentam a xenofobia do mesmo modo. Diferentes fatores devem ser levados em consideração ao analisar a xenofobia contra determinado grupo, já que características como origem geográfica, cultura, gênero, cor, etnia, classe social e religião afetam a recepção desses estrangeiros nos países de destino. Um exemplo é o estereótipo gerado a partir da confusão entre islamismo e terrorismo.

Já no Brasil, há uma longa tradição de orgulho e festejo dos imigrantes europeus – a Oktoberfest, realizada anualmente em Blumenau (SC), não apenas é a maior festa alemã das Américas como também é um exemplo prático disso. Em contrapartida, migrantes africanos, haitianos ou venezuelanos, por exemplo, são muitas vezes recebidos de maneira oposta. As diferenças no tratamento estão diretamente ligadas ao racismo presente no país.

Para entender a xenofobia no país, é essencial compreender a questão da migração no Brasil. Vai lá conferir!

Imigrantes europeus posando para fotografia no pátio central da Hospedaria dos Imigrantes de São Paulo (Foto: Guilherme Gaensly | Wikimedia).

COMO A XENOFOBIA NO BRASIL SE MANIFESTA?

Em janeiro de 2018, a Secretaria Especial de Direitos Humanos apresentou um relatório com dados sobre as denúncias de violações de direitos humanos realizadas em 2015. Com esse levantamento, constatou-se que houve um crescimento de 633% das denúncias de xenofobia no Brasil em comparação com 2014. A regularidade com que casos de comportamentos xenófobos são noticiados reforçam tais números. Em julho de 2018, por exemplo, passou a circular na internet um vídeo que mostra um refugiado sírio sendo agredido pela Guarda Civil Metropolitana de São Paulo.

Além disso, a procuradora-geral Raquel Dodge afirmou que o Ministério Público recebeu notícias de ações graves realizadas em Roraima contra imigrantes venezuelanos. Tratavam-se de “casos de xenofobia, trabalho escravo, tráfico de pessoas e de impedimento de acesso aos serviços públicos”. A polícia local também investiga se incêndios em casas onde venezuelanos estão foram intencionais, conforme a denúncia das vítimas e como sugerem as imagens de uma câmera de segurança que filmou um dos ocorridos.

Mas a xenofobia no Brasil já é divulgada há tempos. Por volta de 2014, quando o fluxo migratório de haitianos era intenso, várias denúncias vieram à tona. Em entrevista ao portal Terra, dois imigrantes relataram casos específicos em que foram vítima de preconceitos. Os jovens haitianos, que não quiseram se identificar, afirmaram que era comum pessoas os chamarem de “gays”, a fim de ofendê-los. Outros termos também são comumente usados, como “macaco”. Um deles mencionou uma situação em que um grupo de crianças, por conta de sua pele escura, perguntou se ele não tinha sabonete.

Uma pesquisa publicada em 2016 pelo programa Cidade e Alteridade da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) reafirma isso. Ao entrevistar haitianos residentes na região metropolitana de Belo Horizonte, descobriu-se que 60% dos homens haitianos entrevistados sofrem de xenofobia e outros tipos de preconceito no local de trabalho. Em relação às mulheres entrevistadas, esse número atinge os 100%.

Denúncias de trabalho escravo

Denúncias de escravidão moderna não são tão incomuns no país. A ONG Walk Free estimou que, em 2016, cerca de 161 mil pessoas trabalhavam em condições análogas à escravidão. Esse número colocou o Brasil em 33º lugar, dentre 198 posições, no ranking de Estados que mais praticam trabalho escravo.

Aguns imigrantes estão mais vulneráveis a esse tipo de abuso. Existem pessoas e empresas que se aproveitam da dificuldade que alguns estrangeiros têm de arranjar emprego e do fato de que essas pessoas não conhecem muito sobre a lei trabalhista nacional. No caso dos migrantes, as principais vítimas tendem a ser aqueles vindos de países mais pobre, de maioria populacional não-branca.

Em janeiro de 2018, um grupo de dez imigrantes haitianos denunciou uma empresa de Caxias do Sul (RS) por más condições de trabalho. A Polícia Federal e o Ministério Público do Trabalho foram acionados para investigar o caso. Vanius Corte, auditor fiscal do Ministério do Trabalho, afirmou que o “corte de luz, de água, de comunicação com os familiares, as agressões e ameaças por parte do supervisor dessa empresa é de gravidade extrema”. A foto a seguir registrou as condições no alojamento em que moravam os imigrantes:

Condições precárias de alojamento foram denunciadas pelos trabalhadores imigrantes (Foto: Reprodução | RBSTV via G1).

Xenofobia entre brasileiros

Deve-se observar ainda que nem sempre a xenofobia se direciona a um estrangeiro. Por vezes, ela pode ocorrer em relação a pessoas de determinada etnia dentro de um mesmo país, mas que não corresponde àquela predominante dentro do território, tendo costumes e cultura diferentes dos demais.

Ao falar de xenofobia no Brasil, é impossível não mencionar as intolerâncias que acontecem entre nacionais de regiões diferentes. O maior exemplo é o tratamento destinado aos nordestinos, frequentemente taxados por inúmeros estereótipos, como “cabeças chatas” para se referir a cearenses, ou por serem motivo de piadas, como a que relaciona os baianos à preguiça constante.

Em alguns casos, a xenofobia no Brasil e a noção de superioridade chegam ao extremo, como o movimento separatista “Sul é Meu País”.

Para ilustrar melhor os dados sobre a xenofobia no Brasil, preparamos esse infográfico para você:

POR QUE BRASILEIROS SÃO XENÓFOBOS?

Várias são as causas da xenofobia. Sentimentos de superioridade e orgulho extremo sobre a identidade nacional são os principais motivos de ódio a estrangeiros na Europa. Mas o que motiva a xenofobia no Brasil? Três razões devem ser destacadas para compreender, principalmente, a forma diferenciada com que estrangeiros brancos vindos de países desenvolvidos são tratados em relação aos imigrantes não-brancos vindo de países “pobres”.

Complexo de vira-lata

O termo “complexo de vira-lata” foi criado pelo escritor Nelson Rodrigues para se referir à falta de autoestima dos brasileiros. Trata-se de um sentimento de inferioridade em relação a outros países, perpetuado nas ideias de que problemas como pobreza e corrupção acontecem apenas em países como o Brasil, nunca em nações desenvolvidas.

O complexo de vira-lata, entretanto, não se resume a relação entre o Brasil e os países considerados ricos. Essa ideia também afeta a visão que o povo brasileiro tem de outros países em desenvolvimento. É comum que brasileiros não queiram viajar para países da América Latina ou da África, por exemplo.

Outra consequência do complexo de vira-lata são os estereótipos direcionados aos nativos dos países considerados “inferiores”. Há muitas pessoas que veem um imigrante haitiano, por exemplo, como uma pessoa pobre e sem educação, sendo que muitos desses imigrantes são graduados e ainda assim não conseguem empregos em suas áreas. Isso se dá em parte pela dificuldade de validar diplomas internacionais no Brasil, em parte pelo racismo e xenofobia que sofrem.

Racismo estrutural

Uma pesquisa realizada pela Organização das Nações Unidas (ONU), em 2014, concluiu que o racismo no Brasil é “estrutural e institucionalizado”. A Organização chegou a tal conclusão tendo como base diversos dados levantados na época, dos quais podem-se destacar:

  • Mesmo constituindo mais da metade da população, os afro-brasileiros representavam apenas 20% do PIB.
  • O nível de desemprego desse grupo também era 50% superior ao restante da sociedade.
  • Já a renda representava metade do recebido pela população branca.
  • Em 2014, a expectativa de vida para os afro-brasileiros seria de apenas 66 anos, contra mais de 72 anos para o restante da população.
  • A taxa de analfabetismo dentre a população negra era duas vezes superiores ao restante da população.
  • A violência policial contra os negros também não pôde ficar de fora do relatório. A ONU chegou a pedir à polícia para que deixasse de fazer seu perfil de suspeitos baseado em cor da pele.
  • Em 2010, 76,6% dos homicídios no país envolveram afro-brasileiros.

Assim, a já mencionada interseccionalidade entre racismo e xenofobia no Brasil torna particularmente difícil a vida dos imigrantes não-brancos residindo no país.

Caso você deseje entender um pouco mais sobre racismo estrutural, assista ao vídeo abaixo, no qual a Profª Drª Lívia Natália explica um pouco mais sobre a questão:

Ameaça econômica

Um último ponto, também essencial para o entendimento da xenofobia no Brasil, refere-se ao sentimento de que imigrantes apresentam uma ameaça ao sucesso econômico do cidadão, como na ideia de que os migrantes tomariam vagas de trabalho.

Tal visão tende a ser amplificada em períodos de crise econômica, quando o desemprego aumenta e há uma maior concorrência pelos postos de trabalho oferecidos. Em geral, se a atividade realizada pelos imigrantes se limita àquela que a população local não quer realizar, sua presença é mais aceita.

A NOVA LEI DA MIGRAÇÃO

A nova Lei da Migração, aprovada em maio de 2017, rompeu com o até então válido Estatuto do Estrangeiro, redigido durante a ditadura militar e que via o estrangeiro como uma ameaça à segurança pública e nacional. A atual Lei da Migração garante ao migrante os mesmos direitos que um cidadão brasileiro. Entre diversas mudanças, a legislação passa a encorajar a regularização migratória, não permite a prisão de migrantes por estarem irregulares no país e repudia ações de expulsão e não acolhimento de tais pessoas.

ATENÇÃO: para se referir a imigrantes não regulamentados pela Polícia Federal, deve-se utilizar a palavra “irregular” . A abolição da expressão “imigrante ilegal” é pautada na noção defendida pela ONU de que migrar é um direito humano e, por isso, não pode ser contra a lei.

Leia também: Migrantes e refugiados no Brasil: quais os seus direitos?

Xenofobia é crime

Quando a xenofobia no Brasil toma forma de agressão, ela é considerada crime. Isso foi definido pela Lei nº 7.716, de janeiro de 1989, que em seu artigo 1º garante que “serão punidos, na forma desta Lei, os crimes resultantes de discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional”. Já as ofensas verbais direcionadas a imigrantes podem ser caracterizadas como crime de injúria.

Assim, é importante relatar os casos de xenofobia no Brasil. As denúncias desses episódios devem ser feitas como as de outros crimes: por meio de um Boletim de Ocorrência. Além disso, o Disque 100 é uma plataforma por meio da qual as pessoas podem denunciar diversas violações de direitos humanos, inclusive a xenofobia.

Escola pública em Pacaraima integra brasileiros e venezuelanos (Foto: Marcelo Camargo | Agência Brasil).

POLÍTICAS PÚBLICAS NO COMBATE À XENOFOBIA NO BRASIL

Claro que apenas aprovar tais leis no papel não é o suficiente, é preciso garantir que isso vire realidade. Apesar de a Lei da Migração prever a criação de um órgão especializado no atendimento aos migrantes e refugiados, com enfoque na regulamentação dessas pessoas, o Brasil segue sendo um dos poucos países sem tal serviço especializado. Isso gera consequências na integração dos imigrantes à sociedade brasileira, os quais acabam tornando-se ainda mais vulneráveis e invisibilizados.

Enquanto esse órgão não sai do papel, outras iniciativas buscam combater a xenofobia do Brasil. Uma delas são os Centros de Referência e Atendimento para Imigrantes (CRAIs), que buscam auxiliar aqueles que chegam ao Brasil a regularizarem-se, conseguirem emprego e também atendimentos em hospitais, delegacias e escolas. Entretanto, só existem dois CRAIs no Brasil todo: em Florianópolis e em São Paulo.

Outra estratégia do governo para lidar com o fluxo migratório atual é a de interiorização dos venezuelanos que chegam a Roraima. A proposta do governo Temer visa distribuir tais imigrantes pelo país e, assim, aliviar o sistema de serviços públicos de Roraima. Deve-se ressaltar que a crise migratória da qual tanto se fala diz respeito ao estado de Roraima. Isso porque o número de venezuelanos que chegam ao país é relativamente pequeno comparado ao tamanho do território brasileiro, que tem capacidade de absorver tais pessoas.

Leia mais: políticas migratórias em outros 5 países!

E QUANDO BRASILEIROS SÃO OS ESTRANGEIROS?

Em maio de 2018, uma pesquisa revelou que 43% da população adulta no Brasil tem desejo de sair do país. Já em relação aqueles entre 16 e 24 anos, essa porcentagem atinge os 62%, ou seja, um total 19 milhões de jovens – o que equivale à população de Minas Gerais. Quem consegue atingir esse objetivo também está exposto ao risco da xenofobia, a qual vem aumentando conforme ondas nacionalistas tomam conta dos países.

De modo geral, os brasileiros têm fama de serem bem recebidos em outros países, o que faz muitos pensarem que estariam “imunes” à xenofobia. Isso foi relatado por Danilo Venticinque, que afirmou nunca ter imaginado que sofreria com o preconceito xenófobo ao se mudar para o Reino Unido.

Em meio a tantas notícias sobre xenofobia no mundo, vale à pena se questionar se nós e as pessoas ao nosso redor tratam imigrantes da mesma forma com que nós gostaríamos de ser tratados em outro país. A xenofobia é crime e deve ser vista como tal. Além das iniciativas governamentais para o combate à xenofobia no Brasil, a educação e a informação são essenciais para que sentimentos de ódio em relação aos outros não tomem conta da população brasileira. Afinal, qualquer tipo de intolerância precisa ser enfrentado para que os direitos e os princípios democráticos sejam garantidos.

Leia também: Migrantes e refugiados: desafios aos seus direitos

Conseguiu entender como a xenofobia no Brasil se manifesta? Deixe suas dúvidas e sugestões nos comentários!

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Referências do texto: confira aqui onde encontramos dados e informações!

Diplomatique – Imigração venezuelana: ¿Que pasa?

Extra – O complexo de vira-lata

Folha de S. Paulo – Se pudessem, 62% dos jovens brasileiros iriam embora do país

Governo Federal – Política migratória é destaque em 2017

IHU – Migrar é um direito, xenofobia é crime

Isto É – Brasil busca combater xenofobia contra imigrantes venezuelanos

Nexo – Qual o retrato da migração estrangeira hoje no Brasil, segundo este especialista

O GLOBO – Denúncias de xenofobia no Disque 100 crescem 633% em 2015

OIM – World Migration Report 2018

ONU – População de migrantes no Brasil aumentou 20% no período 2010-2015, revela agência da ONU

R7 – Xenofobia ainda é difícil de ser denunciada no Brasil

RBA – De cada 10 denúncias de trabalho escravo, MPT só tem condições de investigar uma

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Conteúdo escrito por:
Assessora de conteúdo no Politize! e graduanda de Relações Internacionais pela Universidade Federal de Santa Catarina. Quer ajudar a tornar um tema tido como polêmico e muito complicado em algo do dia a dia, como a política deve ser!
Morais, Pâmela. Xenofobia no Brasil: o que gera essa intolerância?. Politize!, 17 de outubro, 2018
Disponível em: https://www.politize.com.br/xenofobia-no-brasil-existe/.
Acesso em: 9 de out, 2024.

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