Artigo Quinto

PUBLICADO EM:
27 de agosto de 2019

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Inciso XVI – Liberdade de reunião

No Brasil, a Liberdade de Reunião é garantida pelo inciso XVI do artigo 5º da Constituição, mas ele não é pleno – existem regras que devem ser respeitadas para tal. O Politize!, para sanar essas dúvidas de uma vez por todas, irá analisar e explicar como funciona a Liberdade de Reunião em nosso País.

O direito à liberdade de reunião

A Liberdade de Reunião é um direito fundamental garantido ao cidadão pela Constituição de 1988, mais precisamente no inciso XVI do artigo 5º. Porém, essa reunião não é aquela entre você e seus amigos no bar. Na legislação, esse conceito refere-se às manifestações, ou seja, conjunto de pessoas que se reúnem em lugar público com o objetivo de defender ou tornar conhecidas suas opiniões.

Neste conteúdo, falaremos sobre o inciso XVI, que trata da liberdade de reunião no Brasil. Para conhecer outros direitos, confira a página do Artigo Quinto, um projeto desenvolvido pela Politize! e a Civicus em parceria com o Instituto Mattos Filho.

O que diz o inciso XVI 

O artigo 5º, em seu inciso XVI, afirma que:

XVI – todos podem reunir-se pacificamente, sem armas, em locais abertos ao público, independentemente de autorização, desde que não frustrem outra reunião anteriormente convocada para o mesmo local, sendo apenas exigido prévio aviso à autoridade competente;

A liberdade de reunião é um direito fundamental garantido pelo inciso XVI do artigo 5º da Constituição, cujo exercício ocorre de forma coletiva. Esse conceito refere-se às manifestações, ou seja, ao conjunto de pessoas que se reúne em lugar público com o objetivo de defender ou tornar conhecidas suas opiniões.

Ao afirmar que todos podem reunir-se pacificamente sem a necessidade de qualquer tipo de autorização prévia do Estado, a Constituição protege o direito fundamental de livre manifestação do pensamento e a participação ativa das pessoas nos debates públicos que forem de seu interesse. Porém, ela estipula alguns limites à liberdade de reunião em prol da segurança do restante da sociedade. 

A primeira dessas limitações é ao porte de armas em manifestações. Ao proibir a circulação do armamento nesses espaços, impede-se que haja alguma imposição física e psicológica no ambiente e que a população, em eventual momento acalorado do debate, cause acidentes e danos. Assim, garante-se não só a liberdade de reunião, mas principalmente a paz. 

Outra exigência para se ter a liberdade de reunião é que ela é garantida em locais públicos de acesso livre

Caso haja outra reunião marcada para os mesmos local, data e horário, a que se organizou primeiro tem o direito de realizar o evento, enquanto a seguinte deverá alterar o dia, a hora ou o espaço em que a manifestação será feita.  

Há uma barreira legal à liberdade de reunião que causa bastante controvérsia, que é a obrigatoriedade de notificação às autoridades competentes antes de se fazer uma manifestação. É importante frisar que, ao contrário do que pode parecer, não se trata de um pedido, mas de um aviso. Ou seja, você poderá realizar o movimento, mas a Polícia Militar e o Corpo de Bombeiros, órgãos de segurança pública, devem saber da existência da reunião para se prepararem para eventuais ocorrências e para garantirem a segurança no local do evento. 

Em situações extremas, o direito à liberdade de reunião pode ser restrito. É o caso do chamado estado de sítio (artigo 137 da Constituição), decretado em guerras, por exemplo. Durante esse período, o artigo 139 da Constituição diz que o presidente pode “obrigar a permanência [das pessoas] em localidades determinadas” (inciso I) e também “suspender a liberdade de reunião” (inciso IV), que são formas de impedir a livre mobilidade dos civis em momentos de emergência nacional.

A história da liberdade de reunião no Brasil 

Pessoas de costas, em sua maioria, negras, protestando. Ao centro, uma mulher de tranças em formato de coque | Liberdade de reunião – Artigo Quinto
No Brasil, todos têm o direito à liberdade de reunião | Liberdade de reunião – Artigo Quinto

Nossa primeira Constituição, promulgada em 1824, não assegurava a liberdade de reunião. Por se tratar do período imperial brasileiro, entende-se que, para impedir movimentos e discursos opositores à Coroa, as manifestações foram deixadas de lado pelo Estado. 

A Constituição de 1891, republicana, influenciada pela primeira emenda à Constituição dos Estados Unidos, foi a primeira a prever a liberdade de reunião, impondo, como única condição, que não se portassem armas, sendo ainda vedada qualquer forma de intervenção policial. 

Já o texto da Constituição de 1934 limitou a liberdade de reunião concedendo às autoridades policiais o poder de designar o local onde a manifestação deveria se realizar, com vistas a assegurar a ordem pública. 

Essa limitação foi mantida na Constituição de 1946 e expandida na Constituição de 1967 e na Emenda Constitucional nº 1 de 1969, que vigoraram durante o regime militar, período no qual as reuniões de natureza política deveriam ser previamente autorizadas pela autoridade policial. 

Com a Constituição de 1988, houve o retorno à ampla liberdade de reunião, prevista entre os direitos fundamentais da nova ordem democrática.

Liberdade de reunião no Brasil e no mundo 

Nos últimos anos, o Brasil presenciou duas grandes manifestações populares que tomaram proporções nacionais. A primeira, apelidada de “Jornadas de Junho”, ocorreu em 2013. O estopim foi o aumento da tarifa de ônibus na cidade de São Paulo, que passou de 2,80 para 3 reais.  

Com o slogan “não é só pelos 20 centavos”, paulistanos saíram às ruas para protestar contra a classe política, gerando um efeito cascata de reivindicações nos demais estados. No dia 20 de junho, numa mobilização por maior democracia e melhorias em saúde, segurança, economia e educação, 1,25 milhão de pessoas ocuparam as ruas de mais de 130 cidades do país, reivindicando pacificamente suas demandas.

Já a segunda grande manifestação ocorreu em 2016, em movimentação pró-impeachment da então presidente Dilma Rousseff. No dia 13 de maio daquele ano, três dias após um pedido de prisão preventiva do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, mais de 300 municípios do país tiveram pessoas protestando contra o governo. 

Segundo dados da Polícia Militar, o total de brasileiros na manifestação, em todo o território nacional, foi de mais de 3,6 milhões. Os organizadores do evento contestam esse número, afirmando que estiveram presentes quase 7 milhões de pessoas. Por conta dessa quantidade de civis, a “Marcha de 13 de Maio” se tornou a maior manifestação da história da democracia brasileira, ultrapassando até o famoso movimento Diretas Já, que levou cerca de 400 mil às ruas.

Para o sociólogo Ruy Braga, da Universidade de São Paulo (USP), “as mega mobilizações de 2016 foram fruto das Jornadas de Julho, de 2013. O que nasceu como uma manifestação por melhores condições de vida transformou-se em uma onda que reverberou em Dilma Rousseff, causando sua queda”. Como consequência, Dilma foi impedida de continuar no cargo de Presidente da República pouco tempo depois, no dia 31 de agosto de 2016. 

Nos últimos anos, ao redor do mundo, a manifestação com mais força que mobilizou todo um continente foi a dos Coletes Amarelos, na França. Em seu auge, no dia 24 de novembro de 2018, essa expressão da liberdade de reunião colocou oito mil pessoas na avenida mais importante do país, a Champs Elysée, e entrou em confronto com a polícia após os ânimos se exaltarem.

A pauta do movimento, que começou com reivindicações contra o alto preço dos combustíveis, acabou evoluindo para uma insatisfação da população com o custo de vida do país, considerado por eles como abusivo

A Marcha da maconha fere a liberdade de reunião? 

Homem negro com megafone liderando uma marcha da maconha | Liberdade de locomoção – Artigo Quinto
Marcha da maconha realizada no ano de 2012 em São Paulo | Liberdade de locomoção – Artigo Quinto.

Muitos setores da sociedade brasileira são contra a descriminalização da maconha, mas parcela relevante da população defende essa medida. Por isso, para expressar suas opiniões sobre a liberação da erva, cidadãos fazem, anualmente – e há mais de uma década – a famosa Marcha da Maconha

“Ousada, autônoma, interseccional, animada, diversa, politizada: vem aí a Marcha da Maconha São Paulo 2018, marcando 10 anos de ocupação das ruas paulistanas pelo fim da guerra às drogas, pela liberdade de nossos presos, em memória de nossos mortos, pelo acesso universal ao medicamento e à recreação; contra a violência policial, contra o machismo, contra o racismo e contra a militarização da vida”, escreveram os organizadores na página do evento de 2018.

Entre os pedidos da Marcha da Maconha, também está a aprovação do Projeto de Lei (PL) n. 7.270/2014, de autoria do ex-deputado federal Jean Wyllys (PSOL), que busca a legalização do consumo da maconha (Cannabis sativa).

Por considerarem a manifestação contrária aos seus valores e ao bem comum, grupos de opositores entraram na justiça para combater e proibir a divulgação e a realização da Marcha da Maconha.

 Porém, em respeito à liberdade de reunião, prevista no inciso XVI do artigo 5º, o Supremo Tribunal Federal (STF), no julgamento da ADPF 187, declarou a Marcha da Maconha constitucional e legítima, proibindo qualquer veto ou intervenção em suas passeatas.

Conclusão

A proteção à liberdade de reunião é fundamental para qualquer democracia, pois é um dos meios pelos quais as pessoas podem manifestar-se livremente, expondo suas ideias e seus pensamentos. Embora a liberdade de reunião seja, por si só, um direito, ela também é uma maneira de exercer outras liberdades, como a religiosa, a de locomoção e a de manifestação do pensamento.

Logicamente, para garantir a segurança e a promoção saudável do evento, existem alguns limites à liberdade de reunião, como o não uso de armas, a realização em locais abertos e o aviso prévio às autoridades competentes. 

Em um país tão cheio de ideias e pessoas diferentes como o nosso, ter o direito à liberdade de reunião é uma ferramenta de disseminação de cultura, pensamentos e expressões culturais, algo vital para uma governabilidade plural do Estado brasileiro.


Esse conteúdo foi publicado originalmente em agosto/2019 e atualizado em setembro/2023 com objetivo de democratizar o conhecimento jurídico sobre o tema de forma simples para toda população. Para acessar maiores detalhes técnicos sobre o assunto, acesse o Livro do Projeto Artigo Quinto.


Autores:

  • Mariana Mativi
  • Pedro Parada Mesquita
  • Willer Costa Neto

Fontes:

Artigo 139 – Constituição Federal

Revista Galileu – Manifestações 2013

El País – Manifestações contra Dilma

El País – Pedido de prisão Lula

G1 – Manifestações contra Dilma

Mundo Educação – Impeachment de Dilma

Nexo Jornal – Quem são os coletes amarelos?

O Globo – Marcha da Maconha

Jurisway – Análise do Artigo 5º

 

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