Artigo Quinto

PUBLICADO EM:
11 de junho de 2019

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Inciso IV – Liberdade de pensamento

"É livre a manifestação do pensamento, sendo vedado o anonimato"

INCISO IV – A LIBERDADE DE MANIFESTAÇÃO DO PENSAMENTO

É possível que você já tenha indagado: será que temos o direito de falar tudo aquilo que queremos, mesmo que isso ofenda o outro? A Liberdade de Manifestação do Pensamento, costumeiramente chamada de “Liberdade de Pensamento”, garantida no Inciso IV do Artigo 5º. da Constituição de 1988, trata dessa questão.

A liberdade de manifestação do pensamento é garantida no inciso IV do artigo 5º da Constituição de 1988. Mas, ele não é o único: a liberdade de expressão é uma definição constitucional que também está presente no inciso IX do artigo 5º, que, em conjunto com o inciso IV, assegura a livre difusão de pensamentos, ideias e atividades. Contudo, a Constituição instaurou limitações à manifestação do pensamento com o objetivo de garantir a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, previstas constitucionalmente no inciso X do artigo 5º.

Para conhecer outros direitos fundamentais, confira a página do Artigo Quinto, um projeto desenvolvido pela Civicus e a Politize! em parceria com o Instituto Mattos Filho.

O QUE O INCISO IV DIZ SOBRE A LIBERDADE DE MANIFESTAÇÃO DO PENSAMENTO?

O artigo 5º, em seu inciso IV, afirma que:

IV – é livre a manifestação do pensamento, sendo vedado o anonimato;

Com isso, conclui-se que podemos expressar nossas opiniões e pensamentos sem que o Estado, ou qualquer outra pessoa, nos impeça. Esse direito é essencial para o funcionamento de uma democracia e para que os indivíduos possam conduzir suas vidas e desenvolver suas personalidades com liberdade e autonomia. 

Porém, é importante frisar que há a possibilidade de estabelecer restrições excepcionais a esse direito, no sentido de que ele não deve ser utilizado como escudo para desrespeitar os direitos de outras pessoas ou as leis do país.

Outro ponto importante de se ressaltar é que, quando falamos em manifestação do pensamento, estamos falando sobre  a expressão verbal ou por escrito desse pensamento. Isso significa que, para que um pensamento possa ser julgado, ele precisa ser expressado, seja através da fala, seja de forma impressa, artística ou por qualquer meio de escolha do indivíduo, como se depreende do artigo 13.1 da Convenção Interamericana de Direitos Humanos. Caso isso não aconteça, e o conteúdo fique apenas apenas na cabeça da pessoa que o pensou, sem que haja algum tipo de difusão, ele não poderá ser julgado.

Além disso, o inciso IV deixa clara a necessidade da identificação daquele que se manifesta, proibindo o anonimato. A possibilidade de identificação é importante para que indivíduos sejam responsabilizados por seus atos caso ajam em desacordo com a lei. Os contornos dessa exigência, no entanto, são passíveis de discussão. 

Hoje discute-se, por exemplo, quais são os limites de manifestações anônimas em postagens em redes sociais e a possibilidade de manifestações em vias públicas de indivíduos com máscaras, que dificultam a identificação imediata. Essa discussão surgiu, sobretudo, a partir das grandes manifestações que ocorreram no país em 2013, em que alguns manifestantes mascarados praticaram crimes.

Informalmente, muitas pessoas referem-se a esse direito como “liberdade de pensamento”. Contudo, apesar de comum essa abreviação, há muita diferença entre a liberdade de manifestação do pensamento e a liberdade de pensamento.

O inciso IV, ao enunciar a livre manifestação do pensamento, defende não só o direito de pensar, mas principalmente a liberdade de expressar o que se pensa e o direito da sociedade em geral de tomar contato com ideias e informações divergentes. 

O Estado não pode entrar em sua mente e julgá-lo, portanto, ele só atua sobre e tutela a materialização do que se passa por lá, que é justamente a transmissão do pensamento para o meio verbal, físico ou simbólico, isto é, a manifestação.

QUAL A IMPORTÂNCIA DA LIBERDADE DE MANIFESTAÇÃO DO PENSAMENTO?

A Constituição de 1988 foi elaborada na redemocratização do país, depois do período de ditadura militar, em que foi implantado no país um amplo sistema de censura oficial. Ao restaurar a liberdade de manifestação do pensamento na Constituição, o constituinte buscou evitar que um direito tão fundamental quanto o de falar o que se pensa fosse novamente negado às pessoas.

Pensar é um ato essencial para o desenvolvimento social, econômico e cultural de qualquer indivíduo ou sociedade. Pode parecer óbvio que tenhamos a liberdade de pensamento, afinal, ninguém pode invadir nossa cabeça e nos obrigar a pensar ou não pensar em algo. Entretanto, ao garantir, em lei, a liberdade de manifestação do pensamento, também se garante o direito de expressar opiniões, o direito ao pensamento íntimo, o direito ao silêncio e até mesmo o direito a não manifestar o pensamento. 

As liberdades de expressão e de manifestação do pensamento também são uma maneira de assegurar a democracia, porque somente quando os cidadãos são livres para opinar é que podem participar ativamente da vida política, algo primordial para a manutenção do processo democrático, em que devem existir debates abertos, plurais e com confrontamento de ideias livres e respeitosas.

Ambos os conceitos também são protegidos por órgãos internacionais, como a Organização das Nações Unidas, que considera essas liberdades essenciais à democracia e à garantia dos direitos humanos.

LIBERDADE DE MANIFESTAÇÃO DO PENSAMENTO NA LEGISLAÇÃO BRASILEIRA

Além do inciso IV do artigo 5º, outros dispositivos da Constituição também garantem a liberdade de manifestação do pensamento. Alguns deles estão no próprio artigo 5º, em outros quatro incisos:

  • Inciso V: impõe limites à liberdade de manifestação do pensamento ao garantir o direito de resposta para aqueles que forem ofendidos;
  • inciso IX: garante a liberdade de expressão intelectual, artística, científica e de comunicação, sem censura ou licença;
  • inciso XIV: determina o livre acesso à informação, garantindo o sigilo da fonte quando necessário ao exercício profissional;
  • inciso XVI: garante a liberdade de reunião pacífica, a ser realizada em locais abertos ao público.

Já o artigo 215 garante o livre exercício de atividades culturais, bem como a proteção às manifestações das culturas populares, indígenas, afro-brasileiras e de outros grupos da sociedade.

Por fim, o artigo 220 dispõe sobre a plena liberdade de informação jornalística, além da livre manifestação de pensamento, criação, expressão e informação, não sendo permitida qualquer censura de natureza política, ideológica ou artística.

A partir do inciso IV, entende-se que somos livres para pensar e exteriorizar nossas ideias e opiniões conforme desejamos, sejam elas sobre política, arte, religião ou até mesmo outras pessoas. Porém, essa afirmação pode nos levar à perigosa compreensão de que não há limites para a nossa liberdade de expressão do pensamento, o que não é verdade.

Limites à liberdade de manifestação do pensamento 

Como dito acima, a proteção à liberdade de manifestação do pensamento é essencial para a ordem democrática. Ainda assim, é possível que existam justificativas para que o exercício do direito seja restrito, sobretudo quando isso for necessário para a garantia de outros direitos. As principais limitações impostas à liberdade de manifestação do pensamento são o respeito a outros direitos fundamentais ou a bens jurídicos coletivos e a vedação ao anonimato.

Respeito a outros direitos fundamentais ou a bens jurídicos coletivos

O primeiro limite à liberdade de manifestação do pensamento é o mesmo que se impõe aos outros direitos, o respeito às leis que tutelam outros direitos fundamentais ou bens jurídicos coletivos, de estatura constitucional.

 O Brasil é um Estado de Direito, o que significa que existe um conjunto ordenado de regras que devemos seguir para viver em sociedade. Assim, uma liberdade não pode ser utilizada como justificativa para desrespeitar uma lei fundada na proteção de outro direito ou valor igualmente importante. 

Por exemplo, segundo nossas leis, não é permitido agir de maneira discriminatória ou racista; então, não se pode desrespeitar alguém por sua raça, sua orientação sexual ou sua classe social, pois dessa forma a liberdade de manifestação do pensamento estaria ferindo a liberdade de outro indivíduo.

Vedação ao anonimato

Outro limite à liberdade de manifestação do pensamento, explicitado no inciso IV, é o impedimento do anonimato. Expressar opiniões e ideias não pode ser um ato anônimo, porque as consequências dessas manifestações devem recair sobre o autor, sendo importante sua identificação.

Uma simulação bastante simples: imagine que alguém faz uma declaração negativa que prejudique a moral ou a imagem de outra pessoa. Neste cenário, a vítima terá direito a indenização e ao direito de resposta.

Entretanto, existem exceções ao anonimato, como quando a informação declarada por uma pessoa coloca sua vida em risco. Neste caso, é previsto o direito de permanecer oculto. No Brasil, situações como essa são comuns quando as informações envolvem organizações criminosas.

A LIBERDADE DE MANIFESTAÇÃO DO PENSAMENTO NA HISTÓRIA

Ao longo da história, houve muita luta para que as pessoas fossem livres para pensar e expressar suas ideias e opiniões, mas foi apenas no século XVIII, com a Revolução Francesa e a Revolução Americana, que os movimentos em prol das liberdades individuais ganharam força. Buscava-se a liberdade numa luta pela diminuição do poder dos monarcas sobre a população.

No Brasil, a liberdade de manifestação do pensamento apareceu de diferentes formas ao longo das nossas Constituições:

  • Constituição de 1824: já trazia previsões sobre a garantia a liberdade de expressão, o que também ocorreu nos textos constitucionais seguintes até a Constituição de 1937;
  • Constituição de 1937:  durante o período ditatorial de Getúlio Vargas – o Estado Novo – a liberdade de manifestação do pensamento foi cerceada, com a admissão expressa da realização de censura;
  • Constituição de 1946: a livre manifestação do pensamento volta a ser permitida após a redemocratização, com a proibição da censura “salvo quanto a espetáculos e diversões públicas”, o que durou até 1967, quando foi promulgada uma nova Carta Magna pelos militares, novamente em um período ditatorial;
  • Constituição de 1967: condicionou a liberdade de expressão à manutenção da ordem e dos bons costumes. Essa definição ampla permitia que o Estado considerasse qualquer manifestação contrária ao regime uma afronta à ordem pública, podendo, então, impedir a liberdade de manifestação do pensamento. 

Em 1969, a Emenda Constitucional nº 1, considerada por muitos uma nova Constituição, manteve as restrições à liberdade de expressão da Carta Constitucional de 67, com o acréscimo da vedação a “publicações e exteriorizações contrárias à moral e aos bons costumes”.

Só a Constituição já funciona como garantia da liberdade de manifestação do pensamento?

Ter as liberdades garantidas na Constituição pode não assegurar o pleno exercício do direito na prática. Por exemplo, nossa Constituição atual garante o direito à moradia a todos os brasileiros, mas sabemos que nem todos têm um teto sobre suas cabeças. 

Então, quando falamos que a liberdade de manifestação do pensamento e de expressão foi garantida em nossas leis, isso não significa que as pessoas sempre podem manifestar seus pensamentos livremente. Apesar disso, ter esse direito garantido é um indicativo de que o Estado se preocupa minimamente com essa liberdade.

 OS DESAFIOS DA LIBERDADE DE MANIFESTAÇÃO DO PENSAMENTO

O ato de pensar é totalmente livre e exercido por todos os indivíduos. Enquanto as ideias estão na nossa mente, podemos considerar coisas boas e ruins; mas, quando as colocamos para fora, devemos respeitar alguns limites. 

Podemos, portanto, cometer um crime de racismo ao expressar uma opinião. É justamente por isso que, ao garantir a liberdade de manifestação do pensamento, o inciso IV do artigo 5º deixa claro que precisamos nos identificar, pois, se ferirmos o direito de outras pessoas, seremos responsabilizados por desrespeitar as leis que regem o país.

Assim, a liberdade de manifestação do pensamento pode esbarrar em outros direitos fundamentais, também garantidos pela Constituição de 1988, como a proteção à honra, à privacidade, à igualdade e à dignidade da pessoa humana, e até mesmo a proteção à infância e à adolescência.

A liberdade de manifestação do pensamento é uma das bases de qualquer sociedade democrática e é fundamental para as nossas relações sociais. Contudo, apesar da garantia constitucional, existem muitos casos de violação dessa liberdade no Brasil.

Conseguiu entender como a liberdade de pensamento é garantida na Constituição? Não deixe de conferir outros dos seus direitos finais na página do Artigo 5º.

  • Esse conteúdo foi publicado originalmente em junho/2019 e atualizado em agosto/2023 com objetivo de democratizar o conhecimento jurídico sobre o tema de forma simples para toda população. Para acessar maiores detalhes técnicos sobre o assunto, acesse o Livro do Projeto Artigo Quinto.

Sobre os autores

Maria Regina

Advogada de Contencioso e Arbitragem do escritório do Mattos Filho Advogados

Talita de Carvalho

Membro da equipe de Conteúdo do Politize!.


Fontes

DireitoNet – Liberdade de Expressão e relativização dos direitos fundamentais

Editora Atualizar – CF88 Art. 5º, IV e V (Manifestação do Pensamento + Direito de Resposta)

Âmbito jurídico – Liberdade de pensamento: algumas notas

e-Gov UFSC – O direito fundamental da liberdade de pensamento e de expressão

A liberdade de Expressão na jurisprudência da Corte Interamericana de Direitos Humanos – Christiane Mina Falsarella


Sobre os autores

Maria Regina

Advogada de Contencioso e Arbitragem do escritório do Mattos Filho Advogados

Talita de Carvalho

Membro da equipe de Conteúdo do Politize!.


Fontes

DireitoNet – Liberdade de Expressão e relativização dos direitos fundamentais

Editora Atualizar – CF88 Art. 5º, IV e V (Manifestação do Pensamento + Direito de Resposta)

Âmbito jurídico – Liberdade de pensamento: algumas notas

e-Gov UFSC – O direito fundamental da liberdade de pensamento e de expressão

A liberdade de Expressão na jurisprudência da Corte Interamericana de Direitos Humanos – Christiane Mina Falsarella

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