Artigo Quinto

PUBLICADO EM:
2 de junho de 2020

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Inciso LII – Princípio da não-extradição de estrangeiro por crime político

"Não será concedida extradição de estrangeiro por crime político ou de opinião"

PRINCÍPIO DA NÃO-EXTRADIÇÃO DE ESTRANGEIRO POR CRIME POLÍTICO

Você sabia que o inciso LII da Constituição Federal proíbe a extradição de estrangeiros  por crime político ou de opinião cometido no país de origem? Essa é uma forma de garantir a segurança penal aos estrangeiros que, porventura, sejam perseguidos politicamente em seu país natal.

Neste texto, explicaremos mais sobre como a Constituição define o princípio da não-extradição e por que ele é tão importante, bem como um pouco da história desta garantia e como ela vem sendo aplicada. Esse é mais um conteúdo do projeto Artigo Quinto, uma parceria do Instituto Mattos Filho com a Civicus e a Politize!, que tem como objetivo descomplicar direitos fundamentais previstos na Constituição.

Para conhecer outros direitos fundamentais, confira a página do projeto Artigo Quinto, uma iniciativa que visa tornar o direito acessível aos cidadãos brasileiros por meio de textos.

O QUE É O INCISO LII?

O inciso LII do artigo 5º da Constituição Federal de 1988, define que:

não será concedida extradição de estrangeiro por crime político ou de opinião;

Esse inciso proíbe a extradição de estrangeiros por crime político ou de opinião cometido no exterior. Essa é uma forma de reforçar o compromisso do Estado brasileiro com a promoção das liberdades de opinião, crença e expressão, garantindo a segurança penal aos estrangeiros que porventura sejam perseguidos politicamente em seu país natal.

Como sabemos, hoje a sociedade global é composta por Estados soberanos, que têm autoridade para tomar decisões dentro de seu próprio território. Isso inclui a capacidade de desenvolver um sistema jurídico próprio e aplicar punições aos cidadãos que o desrespeitem. Assim, quando algum crime é cometido no Brasil, o crime é julgado conforme a legislação brasileira e pelo Judiciário nacional. 

Mas o que acontece quando alguém está sendo julgado em um país, mas vivendo em outro? Isso é cada vez mais comum com a globalização, a qual tem sido marcada pelo aumento de crimes internacionais — como o tráfico de drogas  — e pela facilidade crescente de viajar. 

Se, por um lado, um Estado é soberano em seu território, por outro, ele não pode atuar no território de outro Estado, pois não pode violar a soberania alheia. Não é possível, por exemplo, que a polícia argentina prenda alguém em território brasileiro, porque é justamente o território argentino que dá autoridade para a polícia argentina. 

Avião voando | Princípio da não-extradição de estrangeiros por crime político - Artigo Quinto
“Como sabemos, hoje a sociedade internacional é composta por Estados soberanos, que possuem autoridade para tomar decisões dentro de seu próprio território.” | Princípio da não-extradição de estrangeiros por crime político – Artigo Quinto

Uma vez preso pela polícia nacional, existe a possibilidade de o indivíduo ser enviado para um país diferente para ser processado, julgado e, talvez, condenado e punido. Contudo, essa decisão é sempre do Estado soberano no qual a pessoa estiver. Esse tipo de procedimento só pode ser efetivado por meio da cooperação internacional, entre dois Estados.

É daí que nasce a ideia de extradição. Ela é justamente a forma de cooperação internacional entre dois Estados no qual um deles solicita a entrega de uma pessoa acusada ou condenada por seu sistema de Justiça e o outro Estado concorda e executa essa solicitação, extraditando o sujeito. Para isso, os Estados geralmente assinam Tratados de Extradição. Hoje, por exemplo, o Brasil tem firmados 31 Tratados de Extradição, que estão listados no portal do Supremo Tribunal Federal (STF).

Contudo, existem algumas exceções para os casos em que um estrangeiro (brasileiros natos não podem ser extraditados pelo Brasil) pode ser “devolvido” a outro país. Uma delas está no artigo 33 da Convenção Relativa ao Estatuto dos Refugiados, promulgada pelo Brasil em 1961. Ele garante que: 

“nenhum dos Estados Contratantes expulsará ou rechaçará, de maneira alguma, um refugiado para as fronteiras dos territórios em que a sua vida ou a sua liberdade seja ameaçada em virtude da sua raça, da sua religião, da sua nacionalidade, do grupo social a que pertence ou das suas opiniões políticas”. 

Ou seja, os países ali se comprometeram a não devolver alguém para um país no qual a pessoa extraditada estaria em risco.

O inciso LII do artigo 5º da Constituição é outra dessas exceções. Ele trata do princípio da não-extradição do estrangeiro por crime político e de opinião. Ou seja, quando alguém solicitar a extradição de um estrangeiro por um crime desse tipo, o Brasil não poderá aceitar.

Um fato curioso é que nem a Constituição, nem qualquer outra norma brasileira define o que é “crime político”. No entanto, para o jurista Bento Faria, alinhado à jurisprudência de importantes tribunais, crime político é “todo e qualquer atentado praticado por um indivíduo contra a ordem política de uma nação, visando realizar um fim político por meio da ofensa a um organismo político vigente no país e/ou direito político de um cidadão”.

No Brasil, cabe ao STF analisar se o crime motivador do pedido de extradição tem caráter político. É possível, inclusive, que crimes aparentemente comuns sejam classificados como políticos, posto que o Estado solicitante pode declarar motivos falsos para perseguir dissidentes.

Portanto, o grande intuito deste inciso é evitar que um indivíduo seja submetido a um julgamento com potencial de não ser imparcial no país que solicita sua entrega.

HISTÓRICO DO INCISO LII

Antigamente, os crimes políticos podiam ser utilizados como motivação para extradição de indivíduos. Foi só em meados do século XIX que princípios contrários, como os presentes no inciso LII, passaram a ser adotados. 

A primeira aparição, em legislação, da norma de não-extradição por crimes políticos e de opinião foi na Lei da Bélgica de 1883. Depois disso, ela foi replicada em tratados internacionais, como o Tratado de Montevidéu (1889) e o Código de Bustamante (1940). Este último foi internalizado pelo Brasil pelo Decreto n. 18.871 (1929). Seu artigo 355 previa que “estão excluídos da extradição os delitos políticos e os com eles relacionados, segundo a definição [desses crimes] do Estado requerido”.

A primeira Carta Magna brasileira que consagrou esse princípio foi a de 1946. Em seu artigo 141, § 33, previa que: “Não será concedida a extradição de estrangeiro por crime político ou de opinião e, em caso nenhum, a de brasileiro”.

Na Constituição seguinte, de 1967, o princípio foi mantido, desta vez no artigo 150, § 19. Da mesma forma, foi mantido pelos demais tratados assinados pelo Brasil e, inclusive, nas demais normas promulgadas no país.

Essa ideia também foi gradativamente generalizada nas leis de diversos países, a ponto de a Organização das Nações Unidas (ONU) afirmar, no texto Survey of International Law (1949) a quase universalização do princípio da não-extradição por crimes políticos.

Hoje, conforme apresentamos, a Constituição de 1988 coloca o princípio da não-extradição de estrangeiros por crimes políticos ou de opinião como uma garantia fundamental em seu artigo 5º, elevando sua importância e sua imperatividade no sistema jurídico brasileiro.

A IMPORTÂNCIA DO INCISO LII

Uma das principais justificativas para a existência desse direito é a previsão, também na Constituição, da liberdade de pensamento e de crítica (inciso IV do artigo 5º), entendida pelo Brasil como inerente aos seres humanos. O próprio caput do artigo 5º traz que “Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade”.

Ao extraditar alguém por um crime político ou de opinião, a liberdade de pensamento e opinião dessa pessoa poderia estar ameaçada no seu país de origem, pois ali ela foi vencida politicamente e aqueles que a venceram provavelmente estão no poder. Muitas das vezes, os perseguidos políticos fogem de seu país de origem justamente em busca de Estados onde o regime político seja menos hostil. Dessa forma, o inciso LII busca proteger essa pessoa contra um possível julgamento parcial ou tratamento injusto. 

O INCISO LII NA PRÁTICA

É possível observar a relevância prática desse direito nas decisões dos tribunais judiciais, ainda que os casos julgados sobre o tema não sejam muito numerosos. De acordo com análise das decisões do STF entre 2000 e 2010, dos 279 processos extradicionais sob a competência do Tribunal, 3% foram indeferidos (negados) com base no disposto no artigo 5º, inciso LII, da Constituição Federal. Entre 2011 e 2020, apenas um caso de extradição foi negado pelo STF por conta de crime político. Nos demais casos que chegaram ao Tribunal nesse tempo, entendeu-se que se tratava de crime comum, não sendo exclusivamente político, e a extradição foi permitida.

Outro modo pelo qual esse princípio tem sido afirmado na prática é a elaboração de leis que auxiliam na interpretação e na regulamentação desse direito fundamental. Alguns exemplos são: 

  • Decreto-Lei n. 394 (1938): regula a extradição de modo geral e reafirma, em seu artigo 2º, inciso VII, alínea “c”, que é vedada a extradição de estrangeiros quando estes tiverem cometido crime político ou de opinião em seu país de origem. 
  • Lei n. 13.445 (2017): institui a Lei de Migração e afirma, em seu artigo 82, inciso VII, que o Brasil não concederá a extradição quando o indivíduo houver cometido crime político ou de opinião no país que solicita sua entrega. Essa lei também trata, no mesmo artigo, § 4º, da responsabilidade do STF de avaliar quando o crime político extrapola suas dimensões e envolve crimes violentos, que ferem a integridade física ou psíquica dos cidadãos (por exemplo, atos terroristas). Nesse caso, o Tribunal pode desconsiderar o crime como meramente político, concedendo a extradição, como comentamos anteriormente.

Outro ponto fundamental para a consolidação desse inciso na prática foi a revogação do antigo Estatuto do Estrangeiro (Lei n. 6.815, de 1980) pela atual Lei de Migração, já citada. A mudança, que percebemos já no nome, foi feita com o intuito de garantir os direitos e as garantias fundamentais dispostos na Constituição Federal também aos estrangeiros

Assim, a Lei de Migração reforça a proibição de extradição de estrangeiros acusados ou condenados por crimes políticos ou de opinião em seus países de origem, além de mencionar essa proibição para beneficiários de refúgio e de asilo territorial. 

Apesar dos avanços e das perspectivas otimistas trazidos pela Lei de Migração, ainda não há uma lei específica dedicada aos casos de asilo no Brasil. Quanto aos casos de refúgio, a lei mais recente é de 1997, que se limita a definir mecanismos para a implementação do Estatuto dos Refugiados de 1951.

Estrada | Princípio da não-extradição de estrangeiros por crime político - Artigo Quinto
“Uma das principais justificativas para a existência desse direito é a previsão, também na Constituição, da liberdade de pensamento e de crítica (Inciso IV do Artigo 5º), entendida pelo Brasil como inerentes aos seres humanos.” | Princípio da não-extradição de estrangeiros por crime político – Artigo Quinto

CONCLUSÃO

Com isso, conseguimos refletir sobre como funciona a extradição – quando um indivíduo é enviado para o Estado no qual é acusado de um crime para responder por ele – e o que é garantido no inciso LII do artigo 5º, visto que a extradição não se aplica quando existe o risco de perseguições políticas e de opinião.

Comentamos também sobre questões como asilo e refúgio, além da legislação e desafios que os envolvem. De agora em diante, toda vez que você se deparar com uma notícia de um país pedindo a extradição de um estrangeiro ao Brasil, saberá o que envolve tal debate.

  • Esse conteúdo foi publicado originalmente em junho/2020 e atualizado em setembro/2023 com objetivo de democratizar o conhecimento jurídico sobre o tema de forma simples para toda população. Para acessar maiores detalhes técnicos sobre o assunto, acesse o Livro do Projeto Artigo Quinto.

Sobre os autores:

Helórya Santiago de Souza

Estagiária de Direito Tributário do Mattos Filho

Danniel Figueiredo

Membro da equipe de Conteúdo do Politize!.


Fontes:

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