Artigo Quinto

PUBLICADO EM:
12 de maio de 2020

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Inciso XLIX – Respeito à integridade dos presos

"É assegurado aos presos o respeito à integridade física e moral"

INCISO XLIX – RESPEITO À INTEGRIDADE DOS PRESOS

O inciso XLIX do artigo 5° da Constituição Federal prevê o respeito à integridade dos presos, visando à garantia da dignidade da pessoa humana. Nesse sentido, o dispositivo é de fundamental importância para que a finalidade ressocializadora da pena seja cumprida.

Quer saber mais sobre como a Constituição define este conceito e por que ele é tão importante, bem como a história dessa garantia e como ela é aplicada na prática? Continue conosco! A Politize!, em parceria com a Civicus e o Instituto Mattos Filho, irá descomplicar mais um direito fundamental nessa série do projeto “Artigo Quinto”.

Para conhecer outros direitos fundamentais, confira a página do projeto, uma iniciativa que visa tornar o direito acessível aos cidadãos brasileiros, por meio de textos com uma linguagem clara.

O QUE É O INCISO XLIX?

O inciso XLIX do artigo 5º, promulgado pela Constituição Federal de 1988, define que:

é assegurado aos presos o respeito à integridade física e moral;

A Constituição Federal já define no inciso III do artigo 5º que “ninguém será submetido a tortura nem a tratamento desumano ou degradante”. O inciso XLIX do mesmo artigo reforça que tal proteção também vale para os presos. Ainda, o artigo 40 da Lei n. 7.210/1984 (Lei de Execução Penal – LEP) estabelece: “impõe-se a todas as autoridades o respeito à integridade física e moral dos condenados e dos presos provisórios”. 

O respeito à integridade física significa não tratar o preso com violência e abuso de autoridade que provoquem lesões ao seu corpo, nem permitir que outros apenados causem danos semelhantes. O desrespeito à integridade moral, por sua vez, inclui ameaças, chantagens, pressões familiares e várias outras formas de violação à dignidade da pessoa humana.

Outro ponto importante é que é dever do Estado assegurar ao preso, além de integridade, outros direitos fundamentais, como os direitos à vida, à saúde, à higiene, à alimentação adequada, ao trabalho, à liberdade religiosa, à comunicação com o mundo exterior e à informação. Isso porque o condenado continua sendo um ser humano com direitos fundamentais. 

Em sede de repercussão geral (temas que ultrapassam os interesses subjetivos de causa específica), o Supremo Tribunal Federal (STF) fixou a seguinte tese: 

Considerando que é dever do Estado, imposto pelo sistema normativo, manter em seus presídios os padrões mínimos de humanidade previstos no ordenamento jurídico, é de sua responsabilidade, nos termos do art. 37, § 6º, da CF, a obrigação de ressarcir os danos, inclusive morais, comprovadamente causados aos detentos em decorrência da falta ou insuficiência das condições legais de encarceramento.

Dessa forma, o Estado pode ser obrigado a indenizar eventuais danos – materiais ou morais – causados à população carcerária cujos direitos fundamentais forem violados.  

Portanto, os padrões mínimos de humanidade são garantidos aos presos por meio da nossa legislação máxima, que deve ser protegida e respeitada em todos os seus termos. Em vista disso, o STF, como órgão responsável pela proteção da Constituição, declarou seu posicionamento rigorosamente alinhado ao definido no inciso XLIX.

Mãos sobre grade | Respeito à integridade dos presos - Artigo Quinto
“A Constituição Federal já define em seu inciso III do artigo 5º que ‘ninguém será submetido a tortura nem a tratamento desumano ou degradante’.” | Respeito à integridade dos presos – Artigo Quinto

HISTÓRICO DESSA GARANTIA

A primeira Constituição do Império do Brasil (1824) já previa a  proteção à integridade física dos presos, por meio do inciso XIX do artigo 179, que proibia “os açoites, a tortura, a marca de ferro quente e todas as demais penas cruéis”. Além disso, o mesmo artigo em seu inciso XXI dizia que as cadeias deveriam ser seguras, limpas e bem arejadas, demonstrando uma preocupação com as condições em que os condenados cumpririam suas penas. 

Durante a Ditadura Militar, a Constituição de 1967 (artigo 150, § 14) impunha “a todas as autoridades o respeito à integridade física e moral do detento e do presidiário”. Essa redação foi repetida na Emenda Constitucional 1/1969 (artigo 153, § 14). 

Sabe-se, entretanto, que tal disposição nunca foi plena na prática, e que muitos presos foram vítimas de torturas e outros abusos nas prisões brasileiras durante a Ditadura. Atualmente, sob a  Constituição de 1988, ainda estamos longe de assegurar a plena aplicação do inciso XLIX do artigo 5º. O próprio STF reconheceu, no julgamento da ADPF 347, que muitos estabelecimentos prisionais brasileiros se equiparam a “masmorras medievais”.

A IMPORTÂNCIA DO INCISO XLIX

O cumprimento da pena, por si só, já define a medida de resposta que a pessoa condenada deve apresentar à comunidade. Assim, não é aceitável que outras penalizações – além da privação de liberdade – causem danos à integridade física e moral dos presos. 

É importante ressaltar que uma das finalidades da pena é ressocializar o delinquente à vida em comunidade e prevenir que ele desrespeite a lei novamente. Por isso, a pena de privação de liberdade não pode ter, pura e simplesmente, o intuito de castigo, fundada na maximização da dor, do sofrimento e do isolamento do preso do convívio social..

Assim, o principal objetivo do inciso XLIX é reafirmar que aquelas pessoas que cumprem penas privativas de liberdade também são humanas e devem ter seus direitos respeitados. 

Cabe lembrar que a Declaração Universal dos Direitos Humanos define em seu artigo 5° que: “Ninguém será submetido a tortura nem a penas ou tratamentos cruéis, desumanos ou degradantes”. Dessa maneira, a Constituição Federal, está alinhada ao sistema internacional de proteção aos direitos humanos.

O INCISO XLIX NA PRÁTICA

Os direitos previstos pelo inciso XLIX do artigo 5º da Constituição Federal são desrespeitados com frequência. Isso acontece porque o sistema prisional encontra-se em crise: a má gestão, a falta e o desvio de recursos e a superpopulação carcerária (composta em cerca de 40% por presos provisórios) são alguns fatores que levaram à quase falência do sistema carcerário.

Nesse contexto, a Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) do Sistema Carcerário, cujo relatório final foi publicado em 2008, constatou que a maioria dos estabelecimentos penais diligenciados necessita de ampla reforma, a fim de permitir o alojamento adequado dos presos, pois: 

  • muitas unidades prisionais são insalubres, com a proliferação de roedores e insetos; 
  • em muitas unidades prisionais a qualidade da comida e da água é inadequada; 
  • muitos dos estabelecimentos prisionais não fornecem medicamentos e itens básicos de higiene pessoal aos internos; e
  • há muitas denúncias de tortura e maus-tratos em estabelecimentos prisionais.

Essa situação é particularmente ruim em relação às mulheres. As detentas grávidas sofrem ainda mais, pois frequentemente seu direito à assistência médica especializada é violado. Muitas delas sequer realizam exames laboratoriais ou de imagem, o que pode expor a gestante e o feto potencialmente a vários riscos.

Nesse sentido, em 2015 o STF declarou, no âmbito da ADPF 347, o estado de coisas inconstitucional do sistema carcerário brasileiro, reconhecendo a falha sistêmica do Estado em garantir condições mínimas de existência digna para os encarcerados. Nessa realidade de reiterado desrespeito aos direitos fundamentais, é quase impossível que a privação de liberdade ocorra em condições compatíveis com a dignidade da pessoa humana e muito menos cumpra alguma função ressocializadora. 

Existem exemplos recentes de descumprimento da garantia determinada no inciso XLIX do artigo 5º da Constituição, como o confronto entre facções criminosas ocorrido em 2019 dentro do Centro de Recuperação Regional de Altamira, quando morreram  57 detentos, 41 asfixiados e 16 decapitados. Além disso, em maio do mesmo ano, 55 presos foram mortos em dois dias dentro de quatro unidades penitenciárias em Manaus, segundo a Secretaria de Administração Penitenciária (Seap).

Grades de uma penitenciária | Respeito à integridade dos presos - Artigo Quinto
” A má gestão, a falta e desvio de recursos e a superpopulação carcerária (composta em cerca de 40% por presos provisórios), são alguns fatores que levaram à falência quase completa do sistema carcerário.” | Respeito à integridade dos presos – Artigo Quinto

 

CONCLUSÃO

O inciso XLIX do artigo 5º da Constituição Federal é de extrema importância para o respeito aos direitos humanos, visto que reforça a condição humana dos presos, determinando o respeito à sua integridade física e moral. Dessa forma, é indispensável que sejam tomadas atitudes para que essa norma passe a ser mais respeitada na prática.

  • Esse conteúdo foi publicado originalmente em maio/2020 e atualizado em setembro/2023 com objetivo de democratizar o conhecimento jurídico sobre o tema de forma simples para toda população. Para acessar maiores detalhes técnicos sobre o assunto, acesse o Livro do Projeto Artigo Quinto.

 

Sobre os autores:

Edgard Prado Pires

Estagiário da equipe do Instituto Mattos Filho

Matheus Silveira

Membro da equipe de Conteúdo do Politize!.


Fontes:

  • Instituto Mattos Filho de Advocacia;
  • Artigo 5° da Constituição Federal – Senado;
  • DA SILVA, José Afonso. Comentário contextual à constituição. 8ª ed. São Paulo: Malheiros, 2012.
  • CAMILO, Roberta Rodrigues. Realidade nos estabelecimentos prisionais brasileiros e a dignidade humana. In: MIRANDA, Jorge; SILVA, Marco Antonio Marques da (coordenação). Tratado Luso-Brasileiro da Dignidade Humana. São Paulo: Quartier Latin, 2009, p. 805.
  • CONCI, Luiz Guilherme Arcaro. Artigo 5º, incisos XXXVIII ao LII. In: BONAVIDES, Paulo; MIRANDA, Jorge; AGRA, Walber de Moura (coord.). Comentários à Constituição Federal de 1988. Rio de Janeiro: Forense, 2009, p. 203.
  • POZZEBON, Fabrício Dreyer de Ávila; AZEVEDO, Rodrigo Ghiringhelli de. Comentário ao artigo 5º, inciso XLIV. In: CANOTILHO, J. J. Gomes; MENDES, Gilmar Ferreira; SARLET, Ingo Wolfgang; e STRECK, Lenio Luiz. Comentários à Constituição do Brasil. São Paulo: Saraiva/Almeidina, 2013, p. 416.

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