Bíblias nas escolas: como isso afeta a educação no Brasil?

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A distribuição de Bíblias nas escolas públicas no Brasil é um tema que sempre gera polêmica e opiniões acaloradas. E se eu te disser que essa discussão começou lá no período colonial, quando o catolicismo era a religião oficial do nosso país? Parece história antiga, mas seus reflexos ainda estão presentes nas escolas de hoje.

O tema também se conecta com questões sensíveis como liberdade religiosa, laicidade do Estado e ensino religioso. Para entender melhor essa polêmica, vamos explorar o contexto histórico que envolve a presença da Bíblia nas escolas, os argumentos a favor e contra, e descobrir juntos como o ensino religioso pode ser mais inclusivo e respeitar a diversidade.

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Bíblias nas escolas: como essa ideia começou?

A distribuição de Bíblias em escolas remonta ao período colonial, quando ordens religiosas como jesuítas e franciscanos introduziram o uso da Bíblia como base para a educação e catequização dos indígenas.

As escolas, em sua maioria, eram mantidas por ordens religiosas e o ensino se baseava em princípios que deveriam ser aceitos como verdades absolutas, sem discussão. A Bíblia era o livro usado como base para a moral, os costumes e a formação dos cidadãos.

Com a expulsão dos jesuítas em 1759, influenciada pelo Iluminismo, houve uma remodelação do sistema educacional, que passou a se desvincular parcialmente da religião. No início do século XIX, a chegada da família real portuguesa trouxe novas influências e, em 1808, a educação brasileira começou a se reestruturar, ainda sob forte influência religiosa.

Com a proclamação da República, em 1889, a separação entre Igreja e Estado foi estabelecida, e a influência religiosa na educação foi diminuindo. No entanto, a tradição permaneceu forte no sistema educacional e a Bíblia continuou sendo utilizada em algumas escolas.

Em 1890, teve a reforma de Rui Barbosa, que propunha um ensino mais técnico e desvinculado da religião, consolidando a educação laica. Porém, o movimento protestante no Brasil também incentivou a distribuição de Bíblias nas escolas, especialmente em regiões com forte colonização alemã e inglesa.

O processo de institucionalização do Ensino Religioso teve início com a Reforma Francisco Campos em 1931, tendo seu estatuto legal regulamentado pelo Decreto Nº 19.890. Segundo o educador Sergio Junquiera, a proposta de defesa da disciplina Ensino Religioso nas escolas públicas, foi a segunda maior emenda popular da Assembleia Nacional Constituinte entre 1987 e 1988.

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Na imagem, duas pessoas segurando cada uma, uma bíblia
A presença de Bíblias nas escolas públicas é um tema que envolve laicidade e ensino religioso. Imagem: Pexel

Liberdade religiosa: direito fundamental ou doutrinação?

A liberdade religiosa é um direito fundamental garantido pela Constituição Brasileira de 1988, que em seu artigo 5º, inciso VI, assegura a todos o livre exercício do culto religioso e a liberdade de crença. Esse direito garante a todos a liberdade de professar sua fé, praticar seus cultos e escolher a religião que desejarem, ou mesmo não professar nenhuma.

No entanto, a distribuição de Bíblias em escolas públicas levanta a questão da doutrinação, ou seja, a imposição de uma determinada crença religiosa a alunos que podem ter outras convicções ou não professar nenhuma religião. Essa prática pode ser interpretada como uma violação do princípio da laicidade do Estado, que garante a igualdade de tratamento a todos os cidadãos, independentemente da sua crença religiosa.

A exclusão de alunos que seguem outras crenças (ou nenhuma) pode criar um ambiente de discriminação e intolerância religiosa.

Em 1961, a Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB) determina, com a Lei n.º 4.024, a matrícula facultativa no Ensino Religioso, mas ainda era ministrado por uma autoridade religiosa. As versões seguintes da LDB determinaram:

  • 1971: matrícula facultativa, mas sem indicação de quem ministra a disciplina;
  • 1996: escolha do ensino religioso entre confessional (aborda conhecimentos exclusivamente de uma determinada religião) ou interconfessional (são ministrados conteúdos sobre os principais grupos religiosos);

A LDB por meio da Lei nº 9.394/1996, estabelece diretrizes que reforçam a laicidade do Estado e orientam a inclusão de um ensino religioso opcional e que respeite a pluralidade, proibindo qualquer tipo de proselitismo religioso (ato de tentar converter alguém a uma determinada religião) , retira a opção de escolha entre confessional ou interconfessional, mantendo a disciplina apenas em modelo não confessional.

A Base Nacional Comum Curricular (BNCC) inclui o Ensino Religioso entre as cinco áreas do conhecimento a serem desenvolvidas ao longo do Ensino Fundamental, visando promover mais respeito à diversidade de religiões existentes no país.

No entanto, o tema volta ao debate público com propostas atuais, como o projeto de lei “Bíblia nas Escolas”, que busca incluir exemplares da Bíblia no acervo de instituições públicas, de modo transversal e facultativo. O projeto em questão é o de indicação número 71/2022, de autoria do deputado Luiz Henrique (Republicanos), pastor evangélico e foi aprovado Assembleia Legislativa do Ceará (Alece) em 14 de agosto de 2024, podendo ser ministrada por meio de aulas, seminários, palestras ou semanas culturais.

Segundo a justificativa do deputado, os motivos que o levaram a criar esse projeto são porque a Biblia cristã e judaica constituiem documentos historicos, que pode auxiliar na formação humana, filosófica e social dos cidadãos por meio de temas como história, filosofia, cultura, geografia, política e saúde. Além de ter o potencial documental da obra, também está na formação de uma memória coletiva e cultural de parte da humanidade.

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Ilustração de três crianças de uniforme com blusa vermelha e short cinza, ao fundo, um pátio escolar.
Ilustração de diálogo entre crianças na escola, discutindo sobre a aula de ensino religioso. “E aí, vamos para a aula de ensino religioso?” “Minha religião não permite”. Imagem: Benett/Reprodução internet

Por que distribuir Bíblias nas escolas? Argumentos de quem apoia a iniciativa

Os defensores da distribuição de Bíblias nas escolas argumentam que essa prática pode trazer diversos benefícios para a sociedade. Especialistas como Mario Sergio Cortella e a pesquisadora Maria da Glória Goh, sugerem a importância de um ensino religioso que não imponha dogmas, mas sim promova valores éticos universais como respeito e solidariedade.

Promover valores morais e éticos

A Bíblia é um livro que contém valores morais e éticos universais, como amor, compaixão, justiça e perdão. Mario Sergio Cortella, educador e filósofo, defende que o Ensino Religioso (ER) é tão importante quanto outros componentes curriculares.

Ele acredita que a religião e a religiosidade são forças que contribuem para a construção de significados, e que a educação em torno delas deve ser mantida.

Incentivar a leitura e o conhecimento bíblico

A distribuição de Bíblias pode estimular a leitura e o contato com a história e os ensinamentos bíblicos, enriquecendo a cultura dos alunos, já que é um livro rico em história, literatura e ensinamentos conforme o cientista e militante Richard Dawkins, e que por isso, deve fazer parte da formação geral dos estudantes.

Fortalecer a fé cristã

A distribuição de Bíblias nas escolas pode ser vista como uma forma de fortalecer a fé cristã entre os alunos e promover a evangelização. Conforme o deputado Lívio Luciano (PMDB), a distribuição é importante porque é o livro mais lido do mundo, já teve tradução para mais de 2.300 idiomas, e as maiores religiões do mundo a têm como manual de regra.

Veja também: Religiosidade como direito: do passado ao presente

E por que alguns são contra?

Os críticos da distribuição de Bíblias nas escolas argumentam que essa prática pode ter consequências negativas para a sociedade, como:

Violação da laicidade do Estado

A presença de Bíblias em escolas pode ser interpretada como um favorecimento à religião cristã, violando o princípio da laicidade do Estado. A laicidade do Estado garante a igualdade de tratamento a todos os cidadãos, independentemente de sua crença religiosa.

A Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 5256 declarou inconstitucionais dispositivos que obrigavam a manutenção de exemplares da Bíblia nas escolas e bibliotecas públicas do estado, a decisão foi tomada com base na violação dos princípios da isonomia, da liberdade religiosa e da laicidade estatal;

Doutrinação religiosa

O ato de distribuir Bíblias nas escolas pode ser visto como forma de doutrinação religiosa, impondo uma determinada crença a alunos que podem ter outras convicções ou não professar nenhuma religião. A Nacional Sociedade Secular discorda em distribuir, por ser um desperdício de dinheiro, além de favorecer o cristianismo nas escolas, onde nenhum credo deve merecer atenção especial;

Criação de desigualdades

A distribuição de Bíblias pode criar desigualdades entre alunos de diferentes crenças, favorecendo aqueles que professam a fé cristã. Essa prática pode gerar um ambiente de discriminação e exclusão para aqueles que não são cristãos.

Para a escritora Cecilia Meireres, o espaço escolar é privilegiado para trabalhar diferenças e identidades, independentemente das classes sociais e das opções religiosas, criticando o decreto do ensino religioso nas escolas públicas (Decreto nº 19.941 de 30/4/1931).

Veja também: Intolerância Religiosa

Existem alternativas para o Ensino Religioso nas escolas?

Especialistas brasileiros em educação defendem alternativas mais inclusivas para o ensino religioso nas escolas públicas, promovendo a diversidade de crenças e a laicidade do Estado. Confira as propostas:

Ensino religioso ecumênico

Abordar diferentes religiões e suas crenças, promovendo o diálogo inter-religioso e o respeito à diversidade.

O ensino religioso ecumênico visa apresentar aos alunos diferentes perspectivas religiosas, sem privilegiar nenhuma em particular. Afonso Maria de Ligório Soares, teólogo e doutor em Ciências da Religião, diz que é importante valorizar a diversidade de opções religiosas e saber considerar o ponto de vista do outro.

Ensino baseado em valores éticos

Enfatizar valores éticos universais, como respeito, tolerância, justiça e solidariedade, sem vinculá-los a uma religião específica. O ensino religioso baseado em valores éticos visa promover a formação moral e ética dos alunos, sem impor nenhuma crença religiosa específica.

Segundo o mestre em teologia Carlos Alberto, o ensino religioso pluralista deve apresentar uma visão positiva da diversidade religiosa, onde deve estimular o diálogo e a interação entre os alunos de diferentes tradições religiosas, buscando superar os preconceitos e revelar seus pontos de convergência

Ensino de filosofia e ética

O ensino de filosofia e ética visa estimular o pensamento crítico dos alunos, ajudando-os a desenvolver seus próprios valores e a tomar decisões éticas. A pedagoga e pesquisadora Maria da Glória Gohn fala que a educação não formal se articula à educação cidadã e que essa educação está muito articulada à ideia de cultura e vivência das pessoas.

Veja támbem: Migrações religiosas no mundo

Exemplos Internacionais: soluções para um Ensino Religioso plural e respeitoso

Diversos países enfrentaram desafios para equilibrar a presença de textos religiosos nas escolas públicas, optando por soluções que valorizem o pluralismo e a liberdade de crença.

  1. Canadá : algumas províncias, como Ontário, adotam um ensino religioso pluralista e não confessional, incluindo “Estudos de Religiões do Mundo” no currículo, com base nas principais religiões e visões seculares, como o agnosticismo (quem não segue nenhuma religião) e o ateísmo, promovendo respeito e diversidade;
  2. Reino Unido: as escolas públicas escolas públicas oferecem uma disciplina obrigatória de Educação Religiosa, abrangendo várias tradições religiosas e perspectivas seculares, com conteúdo adaptado à comunidade local para promover compreensão e tolerância;
  3. Estados Unidos: a Constituição assegura a separação entre Igreja e Estado, permitindo o estudo da religião em contextos históricos e culturais, mas proibindo práticas religiosas nas escolas públicas. Recentemente, em 27 de junho de 2024, o estado de Oklahoma exigiu que professores tenham uma Bíblia em sala e ensinem com ela;
  4. Itália: o ensino da religião católica é garantido por um acordo com a Santa Sé de 1984, mas as aulas são optativas;
  5. Espanha e Portugal: o ensino religioso é optativo, como na Itália;
  6. Grécia: a religião é uma matéria obrigatória do currículo escolar e está em estreita colaboração com a igreja ortodoxa;
  7. Finlândia: a religião é uma matéria obrigatória do currículo escolar e tem tradição luterana.

O que o povo brasileiro pensa sobre o assunto?

Segundo dados de 2010 do IBGE, as religiões estão distribuídas da seguinte maneira: católica apostólica romana : 64,627% , evangélicas : 22,162%, espírita : 2,018%, umbanda e candomblé : 0,309%, budismo : 0,128%, judaísmo : 0,056%, islamismo : 0,018%, hinduísmo: 0,003%, e sem religião: 8.039%

Já a pesquisa Datafolha, publicada em 13 de janeiro de 2020, aponta que 50% dos brasileiros são católicos, 31%, evangélicos, 10% não têm religião, 3% são espíritas, 2% da umbanda, candombe ou outras religiões afro-brasileiras, 1% ateu, e 0,3% judaica.

Uma abordagem mais inclusiva do ensino religioso nas escolas públicas brasileiras pode beneficiar-se da inclusão das visões de grupos religiosos minoritários e de pessoas que não professam uma fé específica.

Representantes do Candomblé e da Umbanda, por exemplo, poderiam compartilhar visões sobre a importância do respeito a religiões de matriz africana, que historicamente enfrentam preconceito e falta de representatividade.

Comunidades judaicas e islâmicas também podem contribuir com perspectivas valiosas sobre o ensino religioso em ambientes públicos, ressaltando a necessidade de um espaço educacional que reconheça a diversidade e promova o respeito inter-religioso.

Além disso, é fundamental considerar as opiniões de pessoas ateias e agnósticas, que defendem um ambiente educacional livre de doutrinação religiosa.

Algumas escolas de Porto Seguro, no sul da Bahia, estão permitindo que os professores façam a leitura da Bíblia nas salas de aula. A atividade é opcional e foi iniciada depois do dia 5 de junho de 2017, quando a prefeita sancionou um decreto, antes aprovado pela Câmara de Vereadores do município.

O pai de Santo Tales de Oxó Guian se posicionou falando que não é contra a leitura, mas que o ideal seria ter livros de outras religiões.

O desafio é assegurar que o ensino respeite a liberdade de crença de cada aluno, formando cidadãos éticos e críticos, sem que haja imposição de dogmas. Afinal, todos têm o direito de manifestar sua fé, mas incluir uma disciplina religiosa específica na grade curricular pode gerar conflitos, especialmente em ambientes com grande diversidade de crenças.

E aí, o que você pensa sobre a presença de Bíblias nas escolas? É a favor ou contra? Deixe sua opinião nos comentários e participe do debate sobre educação e liberdade religiosa!

Referências:

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Conteúdo escrito por:
Jequieense, nordestino até no frio, filho de dona Maria Lúcia, pai da Amora, técnico de Informática em constante aprendizado, instalador de sistemas fotovoltaicos, apaixonado por esportes, vegano, antifascista, anticapitalista e defensor dos direitos humanos. Formação humana moldada pelo Heavy Metal e Hardcore. Gosto de ler e escrever quando dá tempo.
Jesus, Maicon. Bíblias nas escolas: como isso afeta a educação no Brasil?. Politize!, 29 de novembro, 2024
Disponível em: https://www.politize.com.br/biblias-nas-escolas/.
Acesso em: 9 de dez, 2024.

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