Impeachment de vice-presidente: é possível?

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impeachment de vice

Com a declaração deputado Marco Feliciano, defendendo o afastamento do vice-presidente brasileiro, Hamilton Mourão, mais uma vez a palavra impeachment volta ao vocabulário brasileiro. Dessa vez, seria um impeachment de vice-presidente.

O Politize já trouxe pra você vários textos com essa temática, desde que o assunto voltou à tona no Brasil, com o processo de Dilma Rousseff:

Recentemente, te dissemos também como funciona um impeachment de prefeito, por conta da polêmica envolvendo Crivella, prefeito do Rio de Janeiro.

Agora é a vez de mostrar como funciona um impeachment de vice. Nesse texto, explicamos tudo o que você precisa saber!

É possível um impeachment de vice presidente?

Não é de hoje que se faz essa discussão. Voltemos alguns anos na história.

Você se recorda bem do impeachment de Dilma em 2016? Não? Pois bem, o impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff baseou-se em pelo menos duas alegações, ambas relacionadas a violações da lei orçamentária:

(i) a prática das pedaladas fiscais, que seriam uma manobra contábil fraudulenta que configuraria operação de crédito vedada pela Lei de Responsabilidade Fiscal;

(ii) a edição de créditos suplementares por decreto, que não teriam sido previstos na lei orçamentária e que não foram aprovados previamente pelo Congresso. Dilma, como presidente, seria responsável por ambas as práticas, mesmo que tenha sido apenas orientada por sua equipe econômica a assinar esses documentos.

O que isso tem a ver com esse texto? É simples: na época do impeachment, as acusações contra Dilma acabaram criando outra controvérsia. O então vice-presidente, Michel Temer, que herdou o cargo de Dilma após seu afastamento, também assinou o mesmo tipo de decretos suplementares que constam na acusação contra Dilma. Temer assim o fez em diversos momentos em que era presidente em exercício (isso acontece quando a presidente se ausenta do país, por exemplo). Liberou inclusive valores superiores aos que Dilma liberou.

Se Dilma foi julgada por ter assinado tais decretos, logo Temer também deveria ser julgado por ter feito a mesma coisa, certo? A grande polêmica que surge é: o vice-presidente pode ou não pode ser sujeito a um processo de impeachment? Tanto quem defende que essa possibilidade existe, quanto quem defende que isso não é possível possuem seus argumentos, o que revela uma lacuna importante nas regras do impeachment. Como veremos, não é ponto pacífico se a Constituição permite esse julgamento. Vamos conhecer os posicionamentos?

Sim, o vice pode sofrer impeachment

A Constituição Federal daria sustentação à tese de que o vice-presidente pode ser impedido de exercer suas funções. O artigo 52, que lista todas as competências privativas do Senado Federal, menciona que esta casa tem o poder de “…processar e julgar o Presidente e o Vice-Presidente da República nos crimes de responsabilidade…”. Da mesma forma, o artigo 51 prevê que a Câmara pode autorizar a abertura de processo contra o vice. Com base nisso, no início de abril de 2016, o ministro do STF Marco Aurélio Mello recomendou ao então presidente da Câmara, Eduardo Cunha, que desse prosseguimento a um processo de impeachment contra Temer.

Além disso, alguns constitucionalistas também defendem a possibilidade de impeachment do vice. É o caso do professor Alexandre Bahia. Entrevistado pelo portal UOL, fez a seguinte declaração: “Quando o Temer exerceu a Presidência, ele era a figura do presidente, com todos os poderes e responsabilidades previstas na Constituição para o titular”. Por essa lógica, qualquer pessoa que tenha exercido em algum momento a presidência (a Constituição prevê que vice-presidente e presidentes da Câmara, do Senado e do STF podem ser presidentes da República em exercício) pode ser submetido a um impeachment. Assim, mesmo que o vice não seja mencionado em outros dispositivos importantes sobre o impeachment (como veremos adiante), ele poderia ser sujeito ao processo por analogia, já que também exerce o papel de presidente em alguns momentos.

Outros ainda defendem que o impeachment de Temer seria viável assim que ele assumisse definitivamente a presidência. Mas isso cria outra questão: se ele, como presidente, poderia sofrer processo por atos que cometeu enquanto era vice-presidente da República, ou apenas por atos após assumir definitivamente a presidência.

O fato mais curioso dessa controvérsia: o próprio Michel Temer defende que pode acontecer o impeachment de um vice. Muito antes de formar chapa com Dilma, ele foi professor de Direito Constitucional e escreveu quatro livros sobre essa matéria. Em Elementos de Direito Constitucional, lançado em 1982 e reformulado após a Constituição de 1988, Temer defende que sim, cabe impeachment contra o vice-presidente. Evidentemente, isso não significa que essa é a palavra definitiva sobre o assunto, afinal há outros juristas gabaritados que discordam da opinião que Temer emitiu enquanto constitucionalista.

Não, o vice não pode sofrer impeachment

A mesma Constituição que prevê que o Senado pode julgar o vice-presidente por crimes de responsabilidade não menciona, em seus principais artigos sobre o assunto (85 e 86), a figura do vice-presidente. Veja o caput do artigo 85: “São crimes de responsabilidade os atos do Presidente da República que atentem contra a Constituição Federal […]”. Nenhuma menção a atos do vice-presidente. Da mesma forma, o artigo 85 prevê a tramitação do processo na Câmara, novamente mencionando apenas o Presidente como sujeito do processo.

Ainda há mais um ponto a favor da tese de que o vice não pode ser sujeito a impeachment. O parágrafo único do artigo 85 prevê que os crimes de responsabilidade serão definidos em lei especial. Na falta de uma regulamentação atualizada, contamos ainda com a Lei do Impeachment (1.079, de 1950). Mesmo mencionando Ministros de Estado e até governadores e secretários estaduais, esta lei não cita em nenhum momento o vice-presidente. O artigo 4o afirma que “são crimes de responsabilidade os atos do Presidente da República que atentarem contra a Constituição Federal […]”, da mesma forma que a Constituição.

Assim, o argumento contra o impeachment de vice é: se a própria lei não define que crimes de responsabilidade podem ser cometidos por um vice, como ele pode ser julgado por eles?

Se o ministro Marco Aurélio se manifestou a favor do pedido de impeachment de Temer, outros ministros do STF se colocaram contra essa possibilidade. Gilmar Mendes disse que nunca havia ouvido falar da possibilidade de impeachment contra o vice. Já o ministro Celso de Mello rejeitou o mandado de segurança aceito por Marco Aurélio, que forçava a Câmara a abrir processo contra Temer. O motivo seria a ingerência indevida do Poder Judiciário sobre atividades do Legislativo (apenas o presidente da Câmara pode determinar ou não a abertura do processo; o Supremo não pode forçá-lo a isso).

A autora do pedido de impeachment, a professora de Direito Janaína Paschoal, também foi confrontada com essa questão na comissão especial do Senado. O senador Randolfe Rodrigues perguntou à professora sobre uma série de decretos, sem especificar que Temer havia assinado tais decretos. Após Janaína confirmar que a assinatura de tais decretos configuravam crime de responsabilidade, Rodrigues respondeu afirmando que aquilo era o motivo por que Temer também deveria sofrer impeachment, uma vez que foi ele o autor dos decretos considerados ilegais.

Janaína, na tréplica, defendeu que Temer assinou os decretos “por delegação” e que por isso não há evidências de que cometeu crime de responsabilidade. Da mesma forma, aliados de Temer defendem que não há impeachment de vice porque as pessoas que o orientaram a assinar os decretos foram nomeadas por Dilma. A política econômica do governo seria de responsabilidade exclusiva do presidente, e não de seu vice. Assim, não caberia impeachment contra Temer.

O caso Mourão

A recente polêmica envolvendo o atual vice-presidente Hamilton Mourão foi protagonizada por duas figuras: a jornalista Raquel Sheherazade e o deputado  Marco Feliciano.

A origem dela é um Twitte da jornalista do SBT, do dia 8 de abril, no qual ela parabeniza o General por palestra realizada em evento na Universidade de Harvard, nos Estados Unidos, enquanto tece críticas ao governo de Bolsonaro. O post foi curtido por Mourão, no dia 12.

Tendo isso como pano de fundo, Feliciano acusa Mourão de conspirar contra o governo e fez um pedido de impeachment do vice brasileiro. Em reportagem da Folha de SP, Feliciano afirma que “não entrou com o pedido unicamente na chancela que o senhor Mourão deu a comentários extremamente negativos ao presidente”, mas “a denúncia tem 13 páginas descrevendo detalhadamente inúmeras condutas desleais do senhor Mourão para com o presidente.

Para Sheherazade, “o deputado parece desconhecer a Constituição e as leis do país”, por conta de a justificativa de Feliciano não ser suficiente a um impeachment.

Já Mourão tem agido tranquilamente, sem dar grandes repercussões ao caso.

O pedido de impeachment foi arquivado, na quarta feira, dia 24 de abril, por Rodrigo Maia, presidente da Câmara.

Como você pode ver, não há consenso sobre como deve ser, ou não, um impeachment de vice. E você, acha que o vice-presidente pode ser afastado? Deixe sua opinião nos comentários! =D

Última atualização em 24 de abril de 2019.

Referências:
EBC

UOL

Folha de SP

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Conteúdo escrito por:
Bacharel em Relações Internacionais da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC).

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23 abr. 2024

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