Artigo Quinto

PUBLICADO EM:
27 de outubro de 2020

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Inciso LXXIV – Assistência jurídica integral e gratuita

"O Estado prestará assistência jurídica integral e gratuita aos que comprovarem insuficiência de recursos"

ASSISTÊNCIA JURÍDICA INTEGRAL E GRATUITA

A assistência jurídica integral e gratuita é um direito de todo cidadão brasileiro em situação de vulnerabilidade econômica. Previsto no inciso LXXIV do artigo 5º da Constituição Federal, ele define que mesmo quem não puder pagar por um advogado deve ter garantido o direito ao acesso à justiça. Dessa forma, cabe ao Estado custear as despesas necessárias para que esse direito não seja violado.

Quer saber mais sobre como a Constituição define esse direito, por que ele é tão importante, qual a sua história e como ele é aplicado na prática? Continue conosco! A Politize!, em parceria com a Civicus e o Instituto Mattos Filho, irá descomplicar mais um direito fundamental nessa série de conteúdos do projeto “Artigo Quinto”.

Para conhecer outros direitos fundamentais, confira a página do projeto, uma iniciativa que visa tornar o direito acessível aos cidadãos brasileiros, por meio de textos com uma linguagem clara.

DESCOMPLICANDO O INCISO LXXIV

O inciso LXXIV do artigo 5º, promulgado pela Constituição Federal de 1988, define que:

o Estado prestará assistência jurídica integral e gratuita aos que comprovarem insuficiência de recursos

       A partir disso, a assistência jurídica integral e gratuita pode ser compreendida como o dever estatal de estabelecer um processo judicial efetivamente democrático, no qual as condições sociais dos indivíduos não sejam obstáculos para o acesso à justiça. Ou seja, caso você comprove que não possui recursos suficientes para pagar por um advogado e outras despesas processuais, o Estado deverá arcar com o valor. 

Para regulamentar a assistência jurídica integral e gratuita, o Conselho Superior de Defensoria Pública (CSDP) publicou a Resolução n° 90, de 2017, que define, por exemplo, que só podem recorrer a esse direito aqueles que comprovarem renda mensal familiar líquida (ou seja, com desconto de parcelas de INSS, Imposto de Renda e benefícios assistenciais) de até três salários-mínimos. Nos casos em que mais de uma pessoa do núcleo familiar colabore para o sustento da família, o valor aumenta para até cinco salários-mínimos. 

Caso não seja possível comprovar sua renda, o cidadão deve emitir uma Declaração de Hipossuficiência, isto é, uma declaração afirmando que não está em condições de arcar com as taxas e custas exigidas para o processo judicial, sem prejudicar o seu sustento ou de sua família. Deve também apresentar faturas de água, energia elétrica, telefone ou outros documentos que possibilitem analisar o quadro econômico de sua família ao Defensor Público, que é quem representa judicialmente a pessoa beneficiada pela assistência jurídica gratuita. 

HISTÓRICO DA ASSISTÊNCIA JURÍDICA INTEGRAL E GRATUITA

Em 1897, foi promulgado o Decreto Federal n° 2.457, que estabeleceu a assistência jurídica gratuita  para pessoas hipossuficientes em um processo judicial. 

A primeira Constituição Federal a abordar a assistência jurídica gratuita foi a de 1934. Nela, União e Estados tinham o dever de conceder assistência judiciária aos necessitados, além de criar órgãos especialmente designados para esse fim. 

Mesmo que a Constituição seguinte (1937) não tenha abordado o tema, a garantia foi mantida por meio de alguns dispositivos vigentes na época, de natureza infraconstitucional, como o Código de Processo Civil (CPC), o Código de Processo Penal (CPP) e a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT). 

A Constituição de 1946, por sua vez, voltou a tratar da assistência jurídica gratuita, definindo que era responsabilidade do poder público, na forma da lei, conceder esse direito. Ou seja, ela não só expressou a garantia, como também previu a necessidade de uma lei que tratasse especificamente do assunto, fazendo com que surgisse a Lei n. 1.060, de 5 de fevereiro de 1950, vigente até hoje. 

Desde então, a assistência jurídica segue presente em todos os textos constitucionais que já tivemos, inclusive na atual Constituição, de 1988, que incluiu a necessidade de uma assistência jurídica integral, prevendo, de maneira expressa, a Defensoria Pública como órgão designado para garantir tal direito.

Atualmente, as Defensorias Públicas estaduais, da União e do Distrito Federal têm autonomia administrativa, funcional e financeira, ou seja, atuam de forma independente do governo. Dessa forma, o trabalho dos órgãos fica protegido de possíveis interesses de governantes e outros atores políticos que poderiam intervir em sua atuação. 

Por fim, um último marco legal que deve ser considerado ao falarmos de Defensorias Públicas é a Emenda Constitucional n° 80, de 4 de junho de 2014. Isso porque ela foi a responsável por definir que União, estados e o Distrito Federal devem disponibilizar Defensores Públicos em todas as unidades jurisdicionais do país, em um prazo de oito anos a partir de 2015. Além disso, o número de Defensores Públicos deve ser proporcional à demanda daquela região e, também, à respectiva população. 

Imagem representando advogadas prestando assistência jurídica | Assistência Jurídica Gratuita - Artigo Quinto
Imagem representando advogadas prestando assistência jurídica | Assistência Jurídica Gratuita – Artigo Quinto

A IMPORTÂNCIA DA ASSISTÊNCIA JURÍDICA INTEGRAL E GRATUITA

No início do texto, abordamos a relação entre a assistência jurídica integral e gratuita e o direito de acesso à justiça, também previsto na Constituição. Por acesso à justiça entende-se o direito de toda e qualquer pessoa que se sinta lesada ou ameaçada de recorrer ao Poder Judiciário, bem como a garantia de que seus direitos serão observados. 

Desta forma, a assistência jurídica é um pilar fundamental para assegurar o acesso à justiça a todos, principalmente aos que não têm condições financeiras de contratar serviços de advocacia. Essas duas garantias asseguram não só a dignidade humana (ao permitirem que todos possam ser representados judicialmente), mas também a igualdade entre os cidadãos. 

A ASSISTÊNCIA JURÍDICA INTEGRAL E GRATUITA NA PRÁTICA

Como mencionado, a assistência jurídica integral e gratuita assegura que o cidadão (que se enquadre nos requisitos estabelecidos) não precise arcar com nenhuma despesa processual ou de serviço de advocacia, devendo ser representado pela Defensoria Pública. Caso o local de residência do hipossuficiente não seja atendido pela Defensoria Pública, o serviço de assistência jurídica gratuita caberá à Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), que deve indicar um advogado – substituto ao Defensor.

Na prática, a assistência jurídica gratuita encontra uma série de desafios, dentre eles a falta de orçamento para suprir a atual demanda. Por mais que as Defensorias Públicas tenham autonomia financeira, elas não podem elaborar propostas de orçamento que extrapolem os limites estabelecidos na Lei de Diretrizes Orçamentárias. Esta, por sua vez, disponibiliza recursos que não são suficientes para que todos que precisem possam contar, de fato, com a assistência jurídica gratuita. Ou seja, falta verba para que esse direito fundamental seja garantido de maneira plena a todos que dele fazem jus. 

De acordo com estudo realizado em 2013 pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) e pela Associação Nacional das Defensoras e Defensores Públicos (Anadep), com base no Censo de 2010, apenas o Distrito Federal e o estado de Roraima não têm déficit no número de defensores públicos. 

São Paulo, por exemplo (estado com maior déficit), precisaria de mais de dois mil profissionais para atender a demanda do estado. Outro estudo que traz dados preocupantes é o IV Diagnóstico da Defensoria Pública no Brasil, segundo o qual, em 2014, apenas 61 cidades brasileiras contavam com Defensorias Públicas da União. Além disso, as Defensorias Públicas estaduais estavam presentes em apenas 13% das unidades jurisdicionais.

Por outro lado, também devemos pontuar os avanços significativos na assistência jurídica gratuita e integral no Brasil. Até 1990, apenas sete estados brasileiros tinham Defensorias Públicas. Na década seguinte, mais dez estados passaram a contar com o órgão e, já nos anos 2000, mais oito também instituíram Defensorias Públicas em seus territórios. Por fim, de 2010 em diante outros dois estados entraram para esta lista: Paraná e Santa Catarina. Hoje, todos os estados da federação contam com Defensorias Públicas.

Imagem representando uma pessoa selecionando/solicitando acesso à justiça | Assistência Jurídica Gratuita - Artigo Quinto
Imagem representando uma pessoa selecionando/solicitando acesso à justiça | Assistência Jurídica Gratuita – Artigo Quinto

CONCLUSÃO

Chegamos ao fim de mais um inciso do projeto “Artigo Quinto”. Nele, você pôde aprender a importância da assistência jurídica integral e gratuita para o acesso à justiça de todos os cidadãos. Como vimos, o caminho para a efetivação dessa garantia é lento e gradual; entretanto, nosso ordenamento jurídico segue sendo aperfeiçoado para que esse direito fundamental seja assegurado a todos aqueles que o necessitam.

  • Esse conteúdo foi publicado originalmente em outubro/2020 e atualizado em setembro/2023 com objetivo de democratizar o conhecimento jurídico sobre o tema de forma simples para toda população. Para acessar maiores detalhes técnicos sobre o assunto, acesse o Livro do Projeto Artigo Quinto.

Sobre os autores:

Vitória Moreira Alves

Advogada de Propriedade Intelectual e Tecnologia da Informação

Inara Chagas

Membro da equipe de Conteúdo do Politize!

Mariana Mativi

Fontes:

 

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