Artigo Quinto

PUBLICADO EM:
28 de janeiro de 2020

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Inciso XXXIV – Direitos de petição e certidão

"São assegurados à todos, independente do pagamento de taxas: a) o direito de petição aos Poderes Públicos em defesa de direitos ou contra ilegalidade ou abuso de poder; b) a obtenção de certidões em repartições públicas, para defesa de direitos e esclarecimento de situações de interesse pessoal."

INCISO XXXIV – DIREITOS DE PETIÇÃO E CERTIDÃO: O QUE A CONSTITUIÇÃO DIZ?

Os direitos de petição e certidão são garantias previstas no inciso XXXIV do artigo 5º da Constituição Federal de 1988. Seu objetivo é oferecer instrumentos, de forma gratuita, para que as pessoas possam participar do processo político, defender seus direitos e esclarecer situações que lhes digam respeito. Quer entender o que esses direitos possibilitam, quando eles surgiram, qual sua importância e como eles te afetam? Se sua resposta é sim, então esse é o texto perfeito para você!

Em parceria com o Instituto Mattos Filho, a Civicus e a Politize! continuam no projeto de descomplicar o artigo 5º da Constituição, dessa vez explicando tudo sobre o inciso XXXIV. Para conhecer outros de seus direitos fundamentais, não deixe de conferir a página do projeto Artigo Quinto.

O QUE DIZ O INCISO XXXIV?

O Artigo 5º, inciso XXXIV, prevê que:

“são assegurados a todos, independente do pagamento de taxas:

a) o direito de petição aos Poderes Públicos em defesa de direitos ou contra ilegalidade ou abuso de poder;

b) a obtenção de certidões em repartições públicas, para defesa de direitos e esclarecimento de situações de interesse pessoal”

Como você deve ter percebido, este inciso tem dois elementos principais que se conectam: o direito de petição e o direito de certidão. Ambos devem poder ser exercidos independentemente do pagamento de taxas, isto é, de forma gratuita. Tratemos de cada um deles.

Direito de petição

A própria origem da palavra petição já nos ajuda a entender seu significado. Derivada do latim petitĭo,ōnis, significa “pedido”. Mas pedido a quem? 

No contexto que estamos falando, é um pedido ao poder público para que dê atenção e tome as medidas adequadas sobre  queixas e reclamações contra atos ilegais, abusos de poder e pedidos de defesa de direitos. O direito de petição é exercido, principalmente, em relação a atos da Administração Pública, uma vez que, contra as decisões judiciais, cabem os recursos judiciais ou ações constitucionais.

O direito de petição é inerente à democracia participativa, pois oferece à população uma ferramenta para se manifestar ao poder público. Ao fazê-lo, a pessoa ou grupo pode explicar os motivos pelos quais se sente lesada (porque acredita na ilegalidade do ato ou porque os direitos foram violados), bem como mostrar as provas e testemunhas que sustentam o argumento de que houve uma infração.

Os dois aspectos principais de uma petição são o da manifestação da liberdade de opinião e queixa (por meio de uma reclamação) e o da defesa de interesses próprios ou coletivos. Com base nisso, a petição é considerada por muitos uma garantia constitucional, ou seja, um instrumento para garantir o respeito aos direitos de que trata.

Um exemplo dessa petição coletiva é o “abaixo-assinado”, documento que reúne uma série de assinaturas para solicitar algo de interesse comum aos assinantes. O direito de petição é bem abrangente e não possui exigência de formalidade. Isso significa que, a depender do meio de manifestação escolhido pelo cidadão, não há a necessidade de um advogado para formular o pedido e que a petição pode ser escrita ou oral

Hoje em dia, por exemplo, o direito de petição é muitas vezes exercido por meio da internet, seja com o recolhimento de assinaturas para abaixo-assinados, seja com o uso de plataformas mantidas pelo Estado, caso do e-Cidadania, criado pelo Senado Federal.

Por fim, um elemento fundamental no direito de petição é que ele requer uma resposta. Ou seja, o destinatário da petição não pode simplesmente a receber e ignorá-la, sendo obrigado a manifestar-se.

Direito de certidão

Agora que você já entendeu o que é o direito de petição, podemos tratar do segundo ponto trazido pelo inciso XXXIV: o direito de certidão. A palavra certidão vem do latim certitūdo,ĭnis, que significa “certeza”. Assim, na prática, uma certidão é um documento que certifica (dá certeza a) algo. 

Mais especificamente, uma certidão atesta a existência de um ato ou de um fato jurídico, garantindo  que uma informação é verdadeira, pois sustenta-se por fé pública, já que foi emitida por uma autoridade pública. 

E o que é preciso para a obtenção gratuita de uma certidão? Basicamente, são necessários três elementos:

  •  O primeiro deles é que a pessoa demonstre seu interesse na emissão da certidão;
  • O segundo é que a certidão atenda a pelo menos um de dois propósitos: obtenção de informações que configurem uma defesa de direitos ou esclarecimento de situações (por exemplo, uma Certidão Negativa de Débitos); e
  • Por fim, o solicitante deve ter relação com o conteúdo da certidão. Não se pode, por exemplo, pedir a Certidão de Bons Antecedentes de uma pessoa com a qual você não tenha nenhuma relação comprovada. 

COMO SURGIRAM ESTES DIREITOS?

Para entender como se configuram esses direitos hoje em dia, é importante entendermos sua história.

História do direito de petição

O direito de petição (right to petition) costuma ter sua origem ligada à Inglaterra. Já mencionado na Magna Carta de 1215, ele se consolidou na Bill of Rights de 1689.

Dali em diante, esse direito propagou-se para outros países, estando presente em documentos como a Constituição dos Estados Unidos (primeira emenda), de 1776; a Constituição Francesa (Título I, art. 3º), de 1791; a Declaração Universal dos Direitos Humanos (art. X), de 1948; e a Constituição da República Portuguesa (art. 52, inciso I), de 1976.

No caso brasileiro, a primeira vez que esse direito surgiu foi com a Constituição de 1824, ainda no Império. No artigo 179, inciso XXX, a Constituição trazia que:

Todo o Cidadão poderá apresentar por escripto ao Poder Legislativo, e ao Executivo reclamações, queixas, ou petições, e até expôr qualquer infracção da Constituição, requerendo perante a competente Auctoridade a effectiva responsabilidade dos infractores.

Nas Constituições seguintes ele também esteve presente: 1891 (art. 72, § 9), 1934 (art. 113, 10), 1937 (art. 122, § 7), 1946 (art. 141, § 37), 1967 (art. 150, § 30), EC n 01/1969 (art. 153, §30) e 1988 (art. 5º, inciso XXXIV).

Se na origem inglesa o direito à petição era mais restrito, no Brasil ele sempre foi concedido a todo cidadão, desde a primeira Constituição do país. Assim, ele não sofreu grandes alterações normativas, mesmo com as transições de regimes. 

Na Constituição de 1988, contudo, esse direito foi ampliado, de forma que hoje ele é usado para a defesa de direito próprio ou alheio, individual ou coletivo, público ou privado, ou contra qualquer tipo de ilegalidade e abuso de poder.

História do direito de certidão

A primeira vez que o direito de certidão surgiu em território brasileiro foi na Constituição de 1934, promulgada na Era Vargas. Em seu art. 113, inciso 35, ela trazia que:

A lei assegurará o rápido andamento dos processos nas repartições públicas, a comunicação aos interessados dos despachos proferidos, assim como das informações a que estes se refiram, e a expedição das certidões requeridas para a defesa de direitos individuais, ou para esclarecimento dos cidadãos acerca dos negócios públicos, ressalvados, quanto às últimas, os casos em que o interesse público imponha segredo ou reserva. 

Podemos perceber como o direito de certidão já surgiu com caráter bastante amplo, abrangendo questões acerca dos “negócios públicos”. Seu objetivo ali era ser um meio de obtenção de informações e elementos para instruir a defesa de direitos e esclarecer situações. 

Se compararmos esse primeiro momento com a Constituição de 1988, percebemos algumas diferenças. Na atual Constituição Cidadã, o elemento dos “negócios públicos” não está presente. Ou seja, o direito de certidão passou a ser apenas um meio de esclarecer  situações de interesse pessoal. Apesar disso, passaram a existir outros dispositivos constitucionais para garantir acesso à informação. 

QUAL A RELEVÂNCIA DOS DIREITOS DE PETIÇÃO E CERTIDÃO?

Relevância do direito de petição

Falar em democracia é falar de comunicação e participação dos cidadãos nos assuntos públicos.  É nesse campo que atua o direito de petição. Ele possibilita a qualquer pessoa (seja brasileira ou estrangeira) buscar respostas por parte de autoridades públicas. 

Ao exigir resposta em casos de ilegalidade, abusos de poder ou relacionados a um direito, o direito de petição garante a participação popular no processo político e legislativo. Por se tratar de um procedimento não judicial, ou seja, que não necessita da burocracia de um processo judicial para acontecer, o direito de petição também funciona como um meio facilitador dessa participação

O maior exemplo no Brasil são os abaixo-assinados dirigidos ao Congresso Nacional ou ao Governo Federal

O direito de petição também ajuda a garantir a  liberdade de imprensa, pois possibilita que jornalistas formulem questionamentos às autoridades públicas e as obriga a emitir um posicionamento sobre matérias de relevância pública. 

E não é só no direito interno que as petições são relevantes. Conforme trazido por Carla Dantas, esse direito foi sendo consolidado em uma série de pactos internacionais de direitos humanos ao longo do século XX, com o intuito de proteger os indivíduos. Alguns exemplos são:

  • o Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos;
  • a Convenção Internacional sobre Todas as Formas de Discriminação Racial;
  • a Convenção Internacional sobre Todas as Formas de Discriminação Contra a Mulher;
  • a Convenção contra a Tortura e Outras Penas ou Tratamentos Cruéis, Desumanos ou Degradantes.

Nos países que ratificam esses tratados (todos foram ratificados pelo Brasil), os indivíduos podem reivindicar seus direitos por meio de petição enviada aos comitês relacionados a cada uma das convenções.

Por fim, vale destacar que propostas legislativas recentes (tais como o Projeto de Lei do Senado 144/2018 e o Projeto de Lei 3818/2020) buscam restringir o exercício do direito de petição, afirmando que esse direito é, por vezes, exercido de forma abusiva e anticompetitiva, com o objetivo de prejudicar concorrentes.

Relevância do direito de certidão

O direito de certidão, por sua vez, é relevante justamente pela função que exerce: possibilitar um atestado, sustentado em fé pública, que comprova um fato ou ato relacionado à pessoa que solicitou a certidão. Com esse atestado em mãos, a pessoa pode tanto esclarecer a situação que a levou a pedir a certidão quanto comprovar aquela situação para terceiros. Por exemplo, no caso de alguma empresa solicitar uma certidão de antecedentes criminais antes de uma contratação, o documento emitido por órgão público exerce essa função.

O direito de certidão só é restrito quando entra em conflito com outros direitos fundamentais, como o direito à privacidade e à intimidade. Nesse caso, ele deve ser contrabalanceado com os outros direitos, não podendo os violar. 

O inciso XXXIV na prática

Os elementos presentes no inciso XXXIV são frutos de esforços contínuos para que a população tenha participação direta no processo político e legislativo. 

No caso do direito de certidão, podemos citar algumas decisões recentes de grande impacto. Em 2010, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) definiu a gratuidade da emissão de antecedentes criminais com base no inciso XXXIV. Até então, elas variavam de R$ 1 a R$ 35 nos diversos estados do Brasil.

Em decisão semelhante, em 2012, a Corregedoria do CNJ, no Provimento n. 19, tornou gratuito o reconhecimento e a emissão de certidão de paternidade para quem comprovasse a ausência de recursos. O intuito da decisão é incentivar o reconhecimento tardio de paternidades. Na época, o Brasil tinha cerca de 5,5 milhões de crianças sem o nome do pai na certidão de nascimento.

Recentemente, o STF, em julgamento vinculante para todos os tribunais do país, reconheceu que “[o] direito à gratuidade das certidões, contido no artigo 5º, inciso XXXIV, alínea b, da Carta Magna, também inclui as certidões emitidas pelo poder judiciário, inclusive aquelas de natureza forense”. A gratuidade, contudo, depende da demonstração de que a certidão é solicitada para esclarecimento de situações pessoais, e não de terceiros.

Os direitos de petição e certidão são normas de eficácia imediata, ou seja, produzem efeitos por si só, sem a necessidade de regulamentação posterior. Apesar disso, ambos encontram respaldo em leis federais. No caso do direito de certidão, a Lei n. 9.051/1995 estabelece o prazo de 15 dias para a emissão de uma série de certidões após sua solicitação. Da mesma forma, essa lei estabelece que os interessados devem deixar claras as razões do pedido.

CONCLUSÃO

Como vimos, o inciso XXXIV do artigo 5º é um importante instrumento da democracia participativa. Ele assegura tanto a obtenção de uma resposta do poder público relativa a um direito, uma ilegalidade ou um abuso de poder (no caso do direito de petição) quanto o esclarecimento sustentado em fé pública para as pessoas que o buscam (direito de certidão).

Apesar de garantidos constitucionalmente há um bom tempo na história brasileira, esses direitos ainda não são plenamente realizados, com algumas certidões só adquirindo caráter gratuito recentemente. Isso demonstra a necessidade constante da participação popular em sua defesa e sua garantia. Para obter instrumentos da democracia participativa, é necessário haver uma democracia participativa. 


Esse conteúdo foi publicado originalmente em janeiro/2020 e atualizado em setembro/2023 com objetivo de democratizar o conhecimento jurídico sobre o tema de forma simples para toda população. Para acessar maiores detalhes técnicos sobre o assunto, acesse o Livro do Projeto Artigo Quinto.


Autores:

Fernando Bilenky

Mariana Mativi

Matheus Silveira


Fontes:

Instituto Mattos Filho

Empório do Direito – O Direito de Petição

Empório do Direito – Direito de Obtenção de Certidão

Jus – Direito de Petição e Obtenção de Certidões

Politize! – Petições Online

Osório Sobrinho – Direito Constitucional de Petição 

Canotilho et al. – Comentários à Constituição do Brasil

Mundo Advogados – Tipos de certidões

Mundo advogados – O que é uma petição?

José Afonso da Silva (Comentário Contextual à Constituição)

Sur Conectas – Direito de petição no Sistema Global de Direitos Humanos 

Conjur – Exemplo de abaixo-assinado

REO 8179 RS 89.04.08179-3, TRF da 4ª Região

Conjur – Gratuidade da emissão de certificados de antecedentes criminais

Provimento nº19 – Certidão de paternidade gratuita 

Exame – Número de crianças sem o nome do pai na certidão

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