Federações partidárias: entenda esse “namoro” entre partidos políticos

Publicado em:
Compartilhe este conteúdo!

Nas eleições de 2024, pela segunda vez na história da legislação eleitoral brasileira, os partidos poderão se organizar em federações. Essa possibilidade foi introduzida nas Eleições Gerais de 2022, após a criação da Lei nº 14.208 de 2021. Mas você sabe o que é uma federação partidária?

Neste texto, a Politize! vai te explicar o conceito e o funcionamento das federações. Você também vai entender a diferença entre essa forma de organização e as coligações partidárias. Vamos lá?

O que são federações partidárias?

As federações partidárias foram criadas pela Lei nº 14.208/2021, que alterou a Lei dos Partidos Políticos e a Lei das Eleições. Uma federação nada mais é do que uma união entre dois ou mais partidos, que passam a atuar como se fossem um só nas disputas eleitorais e na atuação no Parlamento. O tempo de atuação deve ser de, no mínimo, quatro anos. Além disso, a criação desse instrumento permite atuação unificada, mas com certa autonomia para cada partido.

Isso significa que os partidos integrantes de uma federação partidária estarão submetidos às mesmas regras que são aplicadas individualmente. Isso inclui, por exemplo, questões relacionadas ao tempo de propaganda eleitoral gratuita e fundo partidário.

Para criar uma federação partidária, é necessário observar as seguintes regras:

  • As legendas que a compõem devem possuir registro definitivo no Tribunal Superior Eleitoral (TSE). Assim, um partido que esteja ainda em processo de criação não pode integrar uma federação;
  • Os partidos integrantes devem permanecer federados por, no mínimo, 4 anos;
  • A data limite para sua constituição é a mesma das convenções partidárias – reuniões realizadas pelas siglas pouco antes das eleições para definir as candidaturas;
  • É necessária uma abrangência nacional, isto é, não pode existir uma federação restrita a um único estado ou município, por exemplo.

Uma vez formadas, passam a valer para as federações partidárias as mesmas regras aplicadas aos partidos políticos em diversos temas, como registro de candidatos, propaganda eleitoral e contagem de votos.

Veja um exemplo, considerando uma federação entre os partidos A e B:

Cada federação partidária pode lançar ou apoiar apenas um(a) candidato(a) para cargos do Poder Executivo (prefeito, governador e presidente).

Considerando essa regra, A e B devem apresentar em conjunto uma candidatura única. Caso decidam não lançar candidato próprio, mas queiram apoiar outro nome – digamos, o do partido C – devem realizar uma coligação com C, também em conjunto. Não é permitido que A esteja coligado com C, enquanto B se une a uma legenda rival D.

Fique blindado para não cair em fake news, experimento o jogo: IAgora

O que diz a legislação?

A instituição do mecanismo de federação partidária ocorreu com a promulgação da Lei nº 14.208, de 2021. Ela alterou a Lei nº 9.096/1995 (Lei dos Partidos Políticos) e a Lei nº 9.504/1997 (Lei das Eleições).

Principais pontos da Lei 14.208/2021

  • Artigo 1º da Lei 14.208/2021: acrescenta o artigo 11-A à Lei dos Partidos Políticos.

Art. 11-A: Dois ou mais partidos políticos podem se reunir em federação. Após constituição e registro no Tribunal Superior Eleitoral (TSE), atuarão como uma única agremiação partidária.

  • Artigo 2º da Lei 14.208/2021: acrescenta o artigo 6º-A à Lei das Eleições.

Art. 6º-A: Aplicam-se à federação de partidos de que trata o art. 11-A da Lei nº 9.096, de 19 de setembro de 1995 (Lei dos Partidos Políticos), todas as normas que regem as atividades dos partidos políticos no que diz respeito às eleições, inclusive no que se refere à escolha e registro de candidatos para as eleições majoritárias e proporcionais, à arrecadação e aplicação de recursos em campanhas eleitorais, à propaganda eleitoral, à contagem de votos, à obtenção de cadeiras, à prestação de contas e à convocação de suplentes.

Punições por desligamento antecipado

Caso um partido deixe a federação antes do tempo mínimo de quatro anos, sofrerá punições, segundo a Lei nº 9.096/1995, especificamente no Art. 11-A, § 4º:

  • Proibição de ingressar em outra federação e fazer coligação nas duas eleições seguintes;
  • Impossibilidade de usar o fundo partidário até o período inicialmente previsto para o fim da federação.

§ 4º O descumprimento do disposto no inciso II do § 3º deste artigo acarretará ao partido vedação de ingressar em federação, de celebrar coligação nas 2 (duas) eleições seguintes e, até completar o prazo mínimo remanescente, de utilizar o fundo partidário.

A federação continua funcionando mesmo que um dos partidos se desligue, desde que no mínimo dois partidos permaneçam na organização.

Como projeto de lei, a proposta foi inicialmente vetada pelo ex-presidente Jair Bolsonaro. Mais tarde, após a derrubada do veto pelo Congresso Nacional, a Lei 14.208/2021 foi promulgada por Bolsonaro em 28 de setembro de 2021. Em dezembro do mesmo ano, a Resolução nº 23.670 (do Tribunal Superior Eleitoral) regulamentou as federações partidárias.

Ministro Luís Roberto Barroso, relator da Resolução nº 23.670, que regulamenta a federação partidária.
Ministro Luís Roberto Barroso, relator da Resolução nº 23.670, que regulamenta a federação partidária. Imagem: Fotos Públicas, Abdias Pinheiro/SECOM/TSE.

Passo a passo para criar uma federação partidária

Agora que já entendemos como as federações partidárias foram regulamentadas pela Resolução nº 23.670 de 2021, do TSE, vamos conhecer o processo de criação de uma organização desse tipo:

  • Constituição como Associação
  • O primeiro passo é constituir a futura federação sob a forma de associação;
  • A associação deve adquirir personalidade jurídica de direito privado. Isso quer dizer que ela precisa ser oficialmente reconhecida como uma entidade independente, com seus próprios direitos e deveres legais, separados dos membros que a fundaram;
  • Depois é necessário registrar a associação em cartório.
  • Pedido de Registro ao TSE
  • Após o registro em cartório, a federação pode apresentar um pedido de registro ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE);
  • Seus representantes deverão reunir todos os documentos necessários para a formalização do pedido.
  • Análise do pedido pelo TSE
  • O TSE irá analisar o pedido de registro;
  • Caso o pedido seja aceito, os dados da federação serão registrados no Sistema de Gestão de Informações Partidárias (SGIP).
  • Formalização e reconhecimento
  • Com o deferimento (aprovação) do pedido, a federação será formalizada e devidamente reconhecida pelo Tribunal.
  • Atuação da federação
  • A federação atuará de forma unificada, com abrangência nacional, por no mínimo quatro anos e sem prazo máximo determinado.

É importante lembrar que as federações partidárias só poderão participar das eleições caso seu deferimento ocorra em até seis meses antes do pleito. Essa determinação tem o objetivo de assegurar a isonomia, ou seja, igualdade de direitos e deveres com os outros partidos políticos.

Qual é a intenção por trás das federações partidárias?

Para entender o interesse dos políticos brasileiros pela formação de federações partidárias, é importante conhecer bem as cláusulas de barreira. Elas foram estabelecidas pela Emenda Constitucional nº 97, de 2017, na forma como existem atualmente.

Essas cláusulas, em resumo, impõe uma série de limitações aos partidos que não alcançarem um certo número de votos nas eleições. Um exemplo é a limitação do acesso a vários recursos, que se aplicam ao uso do fundo partidário, à propaganda eleitoral gratuita e à formação de uma estrutura própria de apoio dentro do Congresso Nacional.

Desse modo, a possibilidade de criar federações permite que os “partidos nanicos, ou seja, agremiações que, segundo o TSE, possuem poucos filiados e notoriedade, não sejam tão afetados por essas limitações determinadas pela legislação.

Assim, partidos que anteriormente não cumpriam a cláusula de barreira podem agora, por meio das federações partidárias, alcançar uma maior quantidade de votos. Com essa estratégia, eles conseguem atingir o quociente eleitoral necessário e usufruir dos mesmos direitos que os partidos maiores.

Se quiser saber mais sobre as cláusulas e barreira, temos um texto sobre o tema: O que é cláusula de barreira?

Mas e as coligações partidárias?

Os conceitos de federações e coligações partidárias são facilmente confundidos. Em 2021, antes da aprovação, o então presidente Jair Bolsonaro vetou o projeto de lei que instituía as federações partidárias. O argumento utilizado foi o de que a criação das federações introduziria um formato semelhante ao das coligações.

No entanto, é importante destacar que tais instrumentos possuem finalidades diferentes. Os partidos que compõem federações devem permanecer unidos como se fossem um só por, no mínimo, quatro anos. Já as coligações só funcionam durante o período de campanha eleitoral.

Outra característica que diferencia esses dois mecanismos é a abrangência: as federações devem atuar a nível nacional de forma unificada. Já no caso das coligações podem existir tanto a nível nacional, quanto estadual e municipal. Isso faz com que as coligações partidárias possuam uma adaptabilidade maior às peculiaridades de cada região do país. Esse detalhe é importante, pois há casos de partidos que são rivais a nível nacional, mas aliados a nível municipal, por exemplo.

Para ler depois: Cooperação partidária: diferenças entre coalizões, coligações, federações

Como são mecanismos diferentes, as federações podem formar coligações com outros partidos políticos. Elas também podem se unir em coligações com outras federações, desde que isso ocorra durante o período de campanha eleitoral.

Isso aconteceu nas eleições presidenciais de 2022, por exemplo, com a coligação Brasil da Esperança“, do então candidato à presidência Luiz Inácio Lula da Silva (PT). A coligação foi formada pela federação de mesmo nome (PCdoB, PT e PV), pela federação PSOL REDE, e pelos partidos Solidariedade, PSB, AGIR, Avante e PROS.

Outro exemplo, nas eleições de 2022, foi a coligação Brasil para Todos, da então candidata à presidência Simone Tebet (MDB), composta pela Federação PSDB Cidadania e pelos partidos MDB e Podemos.

Veja também: O que são coligações partidárias?

Quais federações partidárias existem atualmente?

Imagem com as logomarcas dos partidos que compõem as três federações existentes no Brasil até a data de publicação do texto. São elas: PT, PCdoB e PV; PSDB e Cidadania; PSOL e Rede.
Federações partidárias registradas no Brasil em 2022. Imagem: elaboração própria.

Há três federações partidárias em atividade no Brasil, todas elas registradas no TSE em 2022:

  • PT, PV e PCdoB (Federação Brasil da Esperança, ou FE Brasil);
  • PSDB e Cidadania (Federação PSDB Cidadania);
  • PSOL e Rede (Federação PSOL REDE).

Encabeçada por um partido de grande porte (PT), a FE Brasil é a maior das três. Além da presidência da República, ela conta com quatro governadores, nove senadores e 81 deputados federais.

Imagem: Wikipedia.

Já a federação PSDB/Cidadania, de tamanho mais modesto, reúne dois partidos situados no centro do espectro político. Juntas, as legendas têm três governadores, um senador e 14 deputados federais.

Por fim, a federação PSOL/Rede é a menor delas, com 14 deputados federais e sem representantes no Senado ou nos governos estaduais. Assim como a FE Brasil, ela faz parte do campo progressista, mas possui um vínculo ainda mais forte com bandeiras identitárias.

Qual a diferença entre federações, coligações e fusões?

É comum que partidos se unam para atingir objetivos comuns. Essas alianças podem assumir diferentes formas, com graus maiores ou menores de vínculo entre as legendas. Além da federação, outra figura de cooperação partidária admitida pela legislação nas eleições majoritárias (presidência, governo estadual, prefeitura e Senado) é a coligação.

Diferentemente das federações, as coligações são uniões pontuais entre diferentes siglas, com o propósito de somar forças em uma eleição específica. Ainda que possa existir uma afinidade ideológica entre elas, trata-se de uma união com baixo grau de vínculo. Dois partidos que integram a mesma coligação na disputa presidencial podem estar em coligações adversárias no pleito para governador de um estado, por exemplo.

Conforme visto na primeira seção, isso não pode ocorrer no caso das federações. Elas devem participar de qualquer disputa eleitoral como se fossem uma só legenda. Contudo, os partidos que integram uma federação seguem possuindo existência independente entre si, com personalidades jurídicas, estatutos e números distintos. A união dos partidos deve permanecer durante todo o mandato. Dessa forma, a intensidade da conexão entre eles é intermediária.

Já as fusões acontecem quando dois ou mais partidos deixam de existir de maneira autônoma e se unem para formar um novo partido. Um exemplo de fusão partidária foi a junção do PSL com o DEM em 2022, formando o União Brasil. Pode ocorrer também uma incorporação, isto é, um partido deixa de ter autonomia e se junta a uma agremiação maior. O PSC, por exemplo, foi incorporado ao Podemos em 2023.

Das três formas de união entre as legendas, a fusão é aquela pressupõe o maior nível de vínculo e a coligação, o menor deles. Para fins didáticos, é possível fazer uma analogia com relacionamentos: uma coligação é como um encontro casual; já uma federação se parece mais a um namoro entre os partidos; a fusão, por sua vez, lembra um casamento.

Contexto e efeitos da introdução das federações partidárias à legislação eleitoral

Na leitura de muitos especialistas, o grande número de partidos no Brasil gera uma série de problemas, como a piora da governabilidade. Isso porque é mais difícil para o Poder Executivo negociar com um Congresso que possui alta fragmentação partidária.

Para lidar com esse problema, os parlamentares têm buscado mecanismos para reduzir a quantidade de siglas no país.

A Emenda Constitucional nº 97/2017, por exemplo, estabeleceu uma cláusula de desempenho (número mínimo de deputados ou percentual mínimo de votos) para que os partidos possam ter acesso a recursos do Fundo Partidário e à propaganda gratuita no rádio e na TV.

Essa emenda também proibiu as coligações nas eleições proporcionais (deputado estadual/distrital, federal e vereador) a partir do pleito municipal de 2020, dificultando a eleição de representantes por legendas pequenas.

Nesse contexto, as federações podem ajudar a garantir a sobrevivência de partidos menores, pois a união com outras siglas de porte mediano ou grande aumenta suas chances de atingir a cláusula e, portanto, de seguir possuindo meios para financiar suas atividades.

Por outro lado, é possível que legendas maiores também tenham interesse em federar-se com agremiações pequenas ou até de porte semelhante ao seu. Elas podem, a partir disso, ampliar a influência dentro do seu campo ideológico ou formar um bloco no Congresso com mais poder de barganha e controle sobre uma fatia ainda maior dos fundos públicos.

Argumentos contrários e favoráveis às federações

Alguns cientistas políticos vêem as federações de modo mais cético, argumentando que elas podem funcionar como uma espécie de tábua de salvação para partidos nanicos e inexpressivos que não têm nada a perder. Assim, sua contribuição para aprimorar o sistema político brasileiro seria limitada.

Outros pesquisadores da área possuem uma visão mais favorável à medida. Eles alegam que as demais normas já contribuem para a extinção desses partidos e que as federações podem funcionar como um ensaio para futuras fusões – na analogia da seção anterior, um namoro antes de um eventual casamento.

Redução da fragmentação partidária no Brasil

Por ser uma figura relativamente nova na legislação, é difícil saber ao certo quais serão os impactos das federações sobre o sistema partidário. Contudo, já é possível afirmar que algumas mudanças trazidas pelas reformas eleitorais mais recentes têm surtido efeito na redução do número de partidos.

Prova disso é que, em 2022, o Brasil deixou de possuir o Legislativo mais fragmentado do mundo e passou à segunda posição, ficando atrás da Bélgica. O número efetivo de partidos, índice usado para obter essa medida, caiu quase 44% entre 2018 e 2022, ano em que as federações partidárias foram consideradas como um único partido para os fins desse cálculo.

É provável que esse número siga caindo e que restem cerca de sete partidos com maior relevância nos próximos anos.

Veja também: Partidos nanicos: o que são, como sobrevivem e qual o futuro

E aí, conseguiu entender o que são e como funcionam as federações partidárias? Deixe suas dúvidas e opiniões nos comentários!

Referências

WhatsApp Icon

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Compartilhe este conteúdo!

ASSINE NOSSO BOLETIM SEMANAL

Seus dados estão protegidos de acordo com a Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais (LGPD)

FORTALEÇA A DEMOCRACIA E FIQUE POR DENTRO DE TODOS OS ASSUNTOS SOBRE POLÍTICA!

Conteúdo escrito por:
Redatora voluntária Politize!, graduanda em Direito pela Universidade Federal da Bahia. Apaixonada por história, geografia e política. Nas horas vagas, vídeos de gatinhos, memes e cultura pop.
Nicolli, Brenda; Bianco, Ricardo. Federações partidárias: entenda esse “namoro” entre partidos políticos. Politize!, 23 de julho, 2024
Disponível em: https://www.politize.com.br/federacoes-partidarias/.
Acesso em: 10 de dez, 2024.

A Politize! precisa de você. Sua doação será convertida em ações de impacto social positivo para fortalecer a nossa democracia. Seja parte da solução!

Pular para o conteúdo